Acórdão nº 00752/09.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução04 de Dezembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Município de MN, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada por MRP e Cônjuge, na qual peticionaram, designadamente, a atribuição de indemnização no valor de 12.241,94€, resultante de inundação que sofreram no piso térreo da sua habitação, por águas pluviais provenientes da via pública, nos dias 21 a 23 de Outubro de 2006, inconformado com a Sentença proferida em 11 de Março de 2013, no TAF de Coimbra, na qual a ação foi julgada “parcialmente procedente”, tendo sido decidida a condenação do Município a “pagar aos Autores, de indemnização por danos patrimoniais de 2.000€ e de indemnização por danos morais a quantia de 1.000€…”, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, em 23 de Abril de 2013 (Cfr. fls. 519 a 557 Procº físico).

Formula a aqui Recorrentes/Município nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 542 e 557 Procº físico).

“1 – A decisão recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 668.°, n.º 1, alínea c) e d) do Código Processo Civil, e viola o artigo 1.351º do C.C, artº 1º do Dec. Lei 445/91 de 20/11, o que aqui expressamente se invoca, seguindo-se os demais termos legais.

2 – A decisão recorrida contém ainda vícios que importam decisão diversa da que foi proferida.

3 – A sentença deu como matéria assente: (Dá-se por reproduzida a matéria de facto, infra transcrita no local adequado) 4 – Não foi provado: (Dá-se por reproduzida a matéria de facto, infra transcrita no local adequado) 5 – (Inexistente no original) 6 - Os AA. alegaram como causa de pedir que na via pública, decorriam obras de requalificação da Rua do T..., antiga E.N. 342. Obras de que era dono o Município e que foi por um deficiente projeto e execução das mesmas que a inundação ocorreu.

7 - Da audiência de discussão e julgamento, provado apenas ficou que as águas pluviais entraram no seu prédio pelo portão, por via das leis da física (as águas correm do mais alto para o mais baixo por força da gravidade), provindo efetivamente da Rua do T..., por força da quantidade da precipitação anormal- Na resposta aos quesitos no ponto 8 (resposta ao artigo 17) foi dado como provado: 8 - Pelo menos numa madrugada entre 22 e 25 de Outubro, águas pluviais provenientes de intensa e contínua chuvada ocorrida no local encaminharam-se para a cave da casa dos Autores.

- Para a entrada da água vinda da via pública na cave da casa dos AA. concorreram os seguintes fatores:

  1. A inclinação da Rua do T... de nascente para poente e em curva para a esquerda, atento este sentido; b) A situação do portão do prédio dos AA à direita, atento aquele sentido, ao início da curva e a cota marcadamente inferior à cota do prolongamento ideal do limite direito da estrada Rua do T..., sempre atento o mesmo sentido, na zona de entroncamento, havendo mesmo um declive desde o prolongamento ideal da estrada da Rua do T... para o portão situado a 3,59m (sentido sul – norte) daquele limite ideal.

  2. Inexistência de qualquer vala em frente ao portão, cuja soleira estava ao nível da via pública.

  3. Seguir-se, a partir do portão para dentro uma rampa descendente de cerca de 12 m, em inclinação acentuada – dois metros – em linha reta até ao portão da cave, ladeada, a rampa, de muros de suporte do restante logradouro, horizontal.

  4. Chuva em quantidade e continuidade anormalmente elevadas.

    9 - Ora, tais factos, deveriam só por si ter levado à improcedência da ação, uma vez que foi dado por provado que as inundações verificadas, se ficaram a dever a “chuva em quantidade e continuidade anormalmente elevada” e não à ilicitude, culpa ou negligência da R. Município.

    10 - Porém, o meritíssimo juiz a quo, apesar de ter considerado que as questões da ilicitude, da culpa e da causalidade adequada no que respeita ao projeto e à execução das obras de requalificação da Rua do T... (única causa de pedir), dada a matéria provada, se não colocam, entendeu de forma diversa. Isto é, resolveu de forma inédita colocar a tónica na configuração e estado da via pública e do respetivo sistema de escoamento de águas pluviais nas imediações da morada dos AA., designadamente na zona de confluência da Rua OP... com a Rua do T....

    11 - Tal incursão, ao arrepio da causa de pedir, constituiu claro e manifesto excesso de pronúncia – artº 668º, nº 1, al. d) do CPC, o que conduz à nulidade da sentença.

    12 - Seguindo a sua linha de raciocínio, suscita as seguintes questões: - Saber se se compreendia nas atribuições do R. conformar os arruamentos por modo a evitar o fluxo das águas pluviais da via pública para os prédios urbanos com ela confinantes? - Saber se a inundação teve causa adequada em quaisquer circunstâncias que devessem ser evitadas pelo R., atentas aquelas atribuições, os meios disponíveis e as características dos imóveis objeto daquele dever, de tal modo que se deva concluir que o evento sinistro é casualmente imputável a omissão ou erro técnico dos profissionais ao serviço ou por conta da R., que a estes era exigível evitar (culpa individual), ou, de todo o modo, é consequência de qualquer deficiente funcionamento dos serviços do R. (culpa do serviço) cuja não ocorrência fosse de esperar segundo critérios legais, de boas práticas profissionais e/ ou razoabilidade, enfim, segundo o critério de que seria o zelo de um bonus pater famílias? - Saber, no caso de resposta afirmativa à questão anterior, que danos e em que montante, se líquidos, são casualmente imputáveis àquela omissão ilícita e culposa do R.? 13 - No nosso modesto entendimento, não nos parece que o meritíssimo juiz a quo, possa substituir os AA., alterando a causa de pedir. Na fundamentação da sentença são esgrimidos factos que não foram alegados na PI ou sequer na contestação. A causa de pedir alegada “deve-se a um deficiente projeto e má execução dessas obras que a inundação ocorreu” como supra se referiu e melhor consta da sentença.

    14 - A este propósito, refira-se que o Município não alterou o traçado da Rua do T... ou da Rua OP..., sendo certo que estes arruamentos existem com tal topografia, configuração/inclinação desde há muitos séculos, pois fazem parte do casco velho da vila de P... e consequentemente têm origem medieval.

    15 - Sendo facto que a Rua do T..., correspondia à antiga Estrada Nacional nº 342 que esteve até recentemente sob a alçada e jurisdição da Junta Autónoma de Estradas (atualmente Instituto das Estradas de Portugal, EP), tendo sido desclassificada e entregue ao Município.

    16 - Acresce ainda que à data em que os AA. construíram a sua casa de habitação, já tais arruamentos existiam com a configuração atual, topografia, inclinação e piso conforme melhor resulta da planta topográfica que faz parte integrante do projeto de obras nº 102/79, requerido pelo A. MRP, junto aos autos.

    17 - Os AA. face às condições e implantação da obra, deveriam ter posicionado o portão de acesso à rampa e garagem que se encontra à cota do arruamento (para permitir o acesso de carro) em local adequado, por forma a impedir que as águas pudessem transpor a soleira e assim entrar livremente na cave. Podiam e deviam inclusivamente ter colocado tal portão na confrontação poente, onde a cota do arruamento é inferior à da casa, mas não o quiseram fazer, assumindo os riscos daí inerentes.

    18 - Neste contexto, não podemos concordar in casu, com a posição adotada pelo meritíssimo juiz a quo quando afirma que existe o dever do Município de conceber e manter um sistema de drenagem das águas pluviais acumuladas nos seus arruamentos, de modo a que, pelo menos salvo caso de força maior, essas águas não fluam para os prédios urbanos, licitamente servidos pela via pública.

    19 - É que o sistema de drenagem existe e funcionou regularmente por força da gravidade! Não funciona naturalmente em situações extremas de elevadíssima pluviosidade como foi o caso, a qual ainda não tem controlo humano.

    20 - As águas envolvidas nas inundações ocorridas à data na Vila de P... e na região centro, percorreram não só os arruamentos, linhas de águas, mas também até prédios particulares, transportando nessa torrente diversos bens e objetos, como frigoríficos, arcas, banheiras e outros, como de resto foi referido pelas testemunhas dos AA. e RR.

    21 - A inexistência de valeta bem funda (como defende o meritíssimo juiz a quo) em frente ao prédio dos AA., impediria como é fácil de ver e resulta da experiência da vida, o acesso de um automóvel ligeiro à sua própria garagem, considerando a rampa acentuadamente descente. Encontrar nesta interpretação o nexo de causalidade entre a junção das duas centenárias ruas e a inexistência de qualquer coletor ou valeta funda em frente ao portão dos AA., como causa para a ocorrência da inundação, parece-nos salvo melhor opinião, um argumento muito frágil e incoerente.

    22 - Não tendo as obras influenciado o percurso das águas, como é referido na sentença e habitando os AA. a casa há cerca de 27 anos, sem que alguma vez tenha havido qualquer inundação, facilmente se perceberá que a mesma só aconteceu por força de um evento excecional e de força maior, incompatível com ilicitude, culpa, negligência ou ainda devido à topografia dos arruamentos em causa.

    23 - Circunstância que o tribunal a quo reconhece quando afirma que “a inundação se deveu também às anormalmente grandes quantidades e continuidade da chuva”. A um “caso de força maior, isto é, uma causa física, meramente natural, imprevisível e inevitável”.

    24 - E, também aqui, ter-se-á de considerar o princípio vertido no artº 1.351º do C.C. em que o prédio inferior terá de suportar as águas, assim como as terras e entulhos provenientes dos prédios superiores.

    25 - É que na via pública, dada a quantidade e duração incontrolável da precipitação, confluíram todas as águas provenientes dos prédios privados que se situam em cota superior ao dos AA.

    26 - Pela dinâmica da vida e melhor resulta do senso comum...

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