Acórdão nº 00878/10.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelVital Lopes
Data da Resolução17 de Dezembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE 1 – RELATÓRIO Da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por “D…, S.A.”, da liquidação adicional de IRC do exercício de 2005, no valor total de 439.116,71€, vêm interpor recurso quer a Exma. Representante da Fazenda Pública, quer a impugnante.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

No recurso interposto pela Fazenda Pública, esta termina as respectivas alegações formulando as seguintes «Conclusões: I – O objecto do recurso I.

Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por D…, S.A. contra a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios referente ao exercício de 2005.

II.

O douto Tribunal a quo entendeu anular a liquidação em causa por ter entendido que a “administração não logrou fazer prova, que lhe era exigida, do bem fundado da formação das suas convicções acerca da existência de facturação falsa”.

III.

Assim, as questões decidendas a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consistem em saber se: a) a douta sentença padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC; b) a douta sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC c) a douta sentença padece de erro de julgamento, por ter ordenado a anulação total da liquidação, quando não foram impugnadas as correcções relativas aos custos com as “viagens particulares”; d) caso assim se não entenda, o douto Tribunal recorrido incorreu em incorrecta apreciação e valoração da factualidade dada como assente, em deficiente selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida, em errónea subsunção da matéria considerada como provada aos comandos normativos contidos nos artigos 74.º da LGT e 23.º do CIRC e em incorrecta interpretação e aplicação daquelas mesmas normas.

II - A factualidade dada como provada IV.

Relativamente à matéria de facto, cremos que, por um lado, a mesma é insuficiente para fundamentar uma boa decisão da causa e que, por outro, o douto Tribunal não poderia dar como provados determinados factos, atenta a prova documental e testemunhal carreada para os autos, nem poderia tirar as ilações que tirou dos mesmos.

III – A anulação total da liquidação V.

A AT procedeu a correcções técnicas em sede de IRC por dois motivos distintos: a) por ter desconsiderado os custos documentados em algumas das facturas emitidas pelo fornecedor M..., qualificadas como falsas, correcções essas que ascenderam a € 299.714,85 (pág. 38 in fine do RIT); b) por não aceitarem fiscalmente como custo os valores referentes a viagens que não se encontravam relacionadas com a actividade da empresa, correcções que se cifraram em € 23.522,16 (pág. 38 in fine do RIT).

VI.

A impugnante não atacou as correcções técnicas relativas às viagens particulares, pelo que estas correcções se consolidaram na ordem jurídica, não podendo ser objecto de qualquer anulação.

VII.

Logo, não poderia o douto Tribunal considerar a impugnação totalmente procedente e ordenar a anulação total da liquidação, por força do consagrado princípio da divisibilidade do acto tributário, VIII.

Incorrendo em erro de julgamento, traduzido numa errada não aplicação do princípio do dispositivo, consagrado no n.º 1 do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos do Código de Processo Civil.

IV – A nulidade da sentença por falta de fundamentação IX.

Na fundamentação da sentença devem ser observados os requisitos previstos nos artigos 123.º e 124.º do CPPT, em conjugação com o disposto nos artigos 607.º e seguintes do CPC.

X.

A “a decisão da matéria de facto carece de ser devidamente fundamentada, em relação a cada um dos factos descriminados”, pelo que, “se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não forem suficientes para infirmar a sua convicção”.

XI.

Nesta tarefa de fundamentação – que “deve ser bastante, não demasiado vaga e imprecisa, nem excessivamente detalhada”, mas nunca podendo ser escassa – o Tribunal deve realizar um exame crítico das provas, sob pena de nulidade da sentença.

XII.

Quando estiver em causa prova testemunhal este exame crítico deve traduzir-se “na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária” (acórdão do TCAN, 30-04-2015, proc. 00036/05.5BEPNF).

XIII.

Porém, o douto Tribunal, na motivação da sua decisão, bastou-se com o vertido na pág. 35 da sentença (ponto 7 das alegações), exemplo claro de uma fundamentação escassa, não tendo realizado a imprescindível apreciação crítica da prova, dado que, em relação a cada facto que considerou provado com base na prova testemunhal, limitou-se apenas a identificar o nome ou o n.º de cada testemunha, “o que, evidentemente, nada nos diz sobre o percurso da convicção formada, as razões por que se deu valor probatório aos depoimentos, o conhecimento dos factos demonstrados e respectiva coerência, a isenção da testemunha, sem esquecer a credibilidade dos depoimentos no contexto de toda a prova produzida”.

XIV.

O que não pode deixar de conduzir à declaração de nulidade da douta sentença, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

V – A nulidade da sentença por excesso de pronúncia XV.

Por uma mera questão de sistematização do raciocínio, esta nulidade – prevista no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – será abordada no capítulo relativo ao indício de falsidade relativo à “(des)ordenação dos artigos” (conclusões XXXIV a XLIII), para o qual se remete.

Caso assim se não entenda, importa escalpelizar VI – O entendimento do douto Tribunal a quo XVI.

Tendo a AT reunido diversos indícios que lhe permitiram concluir pela realização de correcções devido à contabilização de facturas falsas, o douto Tribunal a quo entendeu que a impugnante conseguiu “produzir prova suficiente no sentido de demonstrar a fragilidade de cada um dos indícios invocados” e que a correcção não se poderia manter, já que a AT “não logrou fazer prova, que lhe era exigida, do bem fundado da formação das suas convicções acerca da existência de facturação falsa”.

XVII.

Assim, se o douto Tribunal entendeu que, não obstante a AT ter reunido aqueles indícios, a “impugnante logrou produzir prova suficiente” da sua fragilidade e inaptidão para o efeito, isto implica que esta última teria – forçosamente – alegado factos concretos, precisos e objectivos nesse sentido, em obediência às regras que regem em sede de “onus allegandi” e “onus probandi”.

XVIII.

Ademais, o douto Tribunal considerou provada a factualidade com base na análise dos documentos juntos aos autos e ao PA e, principalmente, no depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante, conjugados com as regras da experiência comum, o que justifica uma breve nota prévia sobre VII – A prova testemunhal e a livre convicção do julgador XIX.

As declarações que a testemunha prestar serão objecto de valoração e esta valoração é realizada aplicando a regra da livre apreciação da prova.

XX.

O julgador deve apreciar a imparcialidade da testemunha, ou seja, da relação existente (ou inexistente) entre a testemunha e as partes e o modo como essa relação influi no sentido do depoimento.

XXI.

O estabelecimento (anterior, coevo ou posterior aos factos) de uma relação (de conhecimento, trabalho, subordinação ou de interesses económicos ou sociais) com uma das partes é susceptível de afectar a imparcialidade da testemunha.

XXII.

Logo, deve o julgador proceder a uma avaliação casuística da posição da testemunha, sendo relevante salientar que as relações de subordinação associadas a um contrato de trabalho ou equivalente (entre uma das partes e a testemunha) poderão influenciar decisivamente – de forma negativa – o depoimento prestado em juízo.

XXIII.

Constitui tarefa do Tribunal aferir do interesse ou da vantagem que a testemunha poderá ter no desfecho da lide, devendo ser dado especial atenção à existência, no depoimento prestado, de detalhes oportunistas a favor de uma parte.

XXIV.

No caso em apreço, uma breve análise à situação de cada uma das testemunhas arroladas pela impugnante (que foram decisivas para a formação da convicção do Tribunal), permite constatar que todas elas apresentam uma intensa ligação com a D...

e/ou com as outras empresas do grupo, D… e D… (ponto 17 das alegações).

XXV.

Não obstante o princípio da livre apreciação do julgador, cada uma das testemunhas deverá ser objecto de uma valoração própria quanto aos critérios que credibilizam ou descredibilizam o seu depoimento, de molde a que o julgador possa fundadamente concluir pela atendibilidade ou não desse depoimento e, caso existam declarações contraditórias, enunciar as razões pelas quais conferiu maior credibilidade às declarações de uma testemunha em detrimento da(s) declaração(ões) de outra(s).

XXVI.

Cabe ainda ao julgador discriminar os segmentos de um determinado depoimento que são corroborados ou infirmados pelos demais meios probatórios e explicitar fundamentadamente por que motivo, num certo depoimento, apenas toma em consideração uma parte do discurso testemunhal e despreza a restante.

XXVII.

Nesta sua tarefa desempenham um papel de...

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