Acórdão nº 00470/15.2BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução23 de Setembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.RELATÓRIO.

Herança aberta por óbito de PSFF, contribuinte número 7..., representada pela cabeça de casal MCOSSF, que age também em seu nome próprio, residente na Rua…, interpõe recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 26/06/2015, que julgou improcedente a providência cautelar por si intentada contra o MUNICÍPIO DE I..., em que pedia a ratificação de embargo de obra nova, com a expressa condenação da Entidade Requerida ao pagamento da sanção pecuniária compulsória que o tribunal tenha por adequada a assegurar a efetividade da providência decretada.

*A Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem: «1 – A sentença fez uma errada apreciação da prova (ao não dar como indiciariamente provados o vertido nos artigos 47.º e 58.º da oposição) e procedeu a uma incorrecta valoração e aplicação das normas contidas nas al. a), b) e c) do n.º 1, do artigo 120.º do CPTA.

2 – A Recorrente não sufraga do entendimento plasmado na sentença de que são complexas as questões fáctico-jurídicas e técnicas na presente lide e que, por isso, não é perfunctoriamente evidente e manifesta a ilegalidade praticada pelo Requerido.

3 – Conforme decorre do ponto f) da matéria de facto indiciariamente provada: “ A zona do MB, durante muitos anos teve uma configuração aberta, permitindo a circulação pedonal nos sentidos Nascente/Poente ou vice-versa, a qualquer hora do dia e em qualquer dia da semana, pretendendo o Requerido executar (e encontrando-se a executar) as referidas obras de requalificação daquele Mercado, naquele local, até às respectivas extremas daquela zona (confissão)”.

4 - De notar ainda, que o Requerido no artigo 58.º da sua oposição confessa que se encontra a proceder ao fecho do mercado de rua pelos lados Nascente e Poente, impedindo assim a circulação pedonal, a qual, como reconhece no artigo 47.º da oposição, se processa naquele arruamento desde tempos imemoráveis.

5 – Nessa medida, deverá ser aditada à matéria de facto indiciariamente provada os factos confessados pelo Requerido nos artigos 47.º e 58.º da oposição.

6 – Ora, de acordo com o artigo 84.º, n.º 1, al. c), da Constituição da República Portuguesa (CRP), as estradas pertencem ao domínio público.

7 – A R... é um arruamento público com as características que vêm enunciadas no artigo 14.º do requerimento inicial (passeios; postes de iluminação; prédios urbanos, com números de polícia, portas e janelas viradas para a Rua).

8 - Esse carácter de dominalidade das estradas encontra-se reflectido na lei ordinária através da lei n.º 2110, de 19/08/1961, alterada pelo DL n.º 360/77, de 1 de Setembro, em cujo artigo 2.º, n.º 1, se consagra que é das atribuições das câmaras municipais “a construção, conservação, reparação, polícia, cadastro e arborização das estradas e caminhos municipais.”.

9 - Acresce que o artigo 50.º da Lei n.º 2110 dispõe que não é permitido o estabelecimento de qualquer nova feira ou mercado em local que, no todo ou em parte, esteja a menos de 30 m e 20 m da zona, respectivamente, das estradas e caminhos municipais.

10 - Essas distâncias nunca foram respeitadas no mercado de rua a que aludem os autos, mercado esse que tal como confessa o R. no artigo 49.º da oposição à providência cautelar foi instalado no início dos anos 70 do século passado.

11 – Encontra-se, assim, demonstrado o carácter manifesto da ilegalidade praticada pelo Requerido, consubstanciado em nulidade por vício de violação de lei.

12 – Aliás, o carácter evidente e manifesto da ilegalidade encontra-se plasmado e assumido pelo Requerido no artigo 50.º da oposição quando declara que a R... (ou como este lhe chama, o LM) é do “domínio privado da pessoa colectiva de direito público sua proprietária, entra no comércio jurídico-privado e torna-se alienável e prescritível”.

13 - Assim, ao arrepio da lei constitucional e da lei ordinária, para o Município de I... é legítimo tomar posse de um arruamento e aliená-lo, no todo ou em parte, a terceiros, transmitindo a respectiva propriedade.

14 – Termos em que se deverá concluir pela verificação do requisito previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, 15 – E, em consequência, ser revogada a sentença ora em crise e ser decretada a ratificação do embargo de obra nova.

16 – No que concerne às alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, não obstante a Requerida não desconhecer os requisitos legais e jurisprudenciais normalmente exigidos para o preenchimento do periculum in mora, impõe-se dizer que, 17 – O embargo de obra nova é uma providência cautelar com funções preventivas ou conservatórias, na medida em que almeja estabilizar uma situação de facto até decisão da acção principal de que depende ou há-de depender, a fim de evitar a ocorrência de danos ou o agravamento de uma situação remediável.

18 – Não obstante a Requerente ter procedido ao embargo extra-judicial de obra nova, o facto é que o Requerido prosseguiu os trabalhos, desrespeitando a ordem de suspensão dos trabalhos.

19 – Foi essa “desobediência” que veio a contribuir para a existência de uma situação de facto consumado.

20 - Tendo em conta o carácter dominial das estradas, julga-se que as Requerentes encontram-se dispensadas de alegar “que não existe qualquer outro acesso ou passagem pelo qual as Requentes ou os peões possam passar, não alegando sequer que aquela construção impediria o acesso àquele prédio”, como se refere na sentença.

21 - Bastava à Requerente ter alegado, o que manifestamente o fez, que o Requerido irá proceder ao encerramento de quase metade da R... ao trânsito de peões, facto esse que o Requerido aceitou em 58.º da oposição.

22 - Assim, é apodíctico que tal encerramento obriga a que os peões, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção principal, se encontrem impedidos de circular na R..., o que o vêm fazendo desde tempos imemoráveis, e o que se torna ainda mais crítico para as pessoas de mobilidade reduzida.

23 - Por outro lado, em face daquele carácter dominial encontra-se vedado ao Requerido ocupar a Rua encimando um muro ao muro delimitador da propriedade da Requerente, razão pela qual o prédio desta, caracterizado como lote de construção urbana, fica desvalorizado, seja do ponto de vista da capacidade construtiva futura, seja do ponto de vista da mera comercialização do lote de terreno no estado em que se encontra.

24 - Nesses termos, a desvalorização do valor comercial do prédio da Recorrente é um facto notório, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 412.º, n.º 1, do CPC.

25 – Termos em que se deverá igualmente concluir pela verificação dos requisitos previstos nas al. b) e c) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, 26 – E, em consequência, ser revogada a sentença ora em crise e ser decretada a ratificação do embargo de obra nova.» * O Recorrido não apresentou contra-alegações.

*O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para os efeitos previstos no nº 1 do art.º 146º e 147.º do CPTA, emitiu o parecer que constitui fls. 208/215, pugnando pelo não provimento do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

*Na sequência da notificação do parecer do Ministério Público aos sujeitos processuais, a Recorrente pronunciou-se contra o mesmo, nos termos que constam de fls. 219/221, concluindo que deve ser dado provimento ao recurso jurisdicional.

*Com dispensa de vistos, nos termos do disposto no art.º 36º, nºs 1 e 2 do CPTA, os autos foram submetidos à Conferência para julgamento.

*2.

QUESTÕES DECIDENDAS-DO OBJETO DO RECURSO As questões a decidir nesta instância recursiva passam por saber se a decisão recorrida que indeferiu o decretamento da providência cautelar requerida enferma de: I- erro de julgamento sobre a matéria de facto, por não ter dado como indiciariamente provada a matéria que consta dos itens 47.º e 58.º da oposição à providência cautelar; II- erro de julgamento de direito por ter recusado a concessão da providência requerida ao abrigo da alínea a) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA, com fundamento na falta de evidência da procedência da pretensão a formular em sede de ação principal, e bem assim por ter considerado não verificado o pressuposto do periculum in mora, estabelecido na alínea b) do n.º1 do mesmo preceito legal.

**3.FUNDAMENTAÇÃO.

3.1.DE FACTO Independentemente do objeto do recurso, na parte em que versa sobre a reapreciação da matéria de facto, que adiante conheceremos, deixamos transcritos, desde já, os factos que a 1.ª instância deu como indiciariamente provados: «A) O prédio urbano, constituído por lote de terreno destinado a construção urbana, com a área de 497 m2, sito na Avenida FL, freguesia da GN, concelho de I..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5..., da dita freguesia, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóvel de I..., encontra-se registado em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de MCOSSF (viúva) e MASSF (casada), por meação e sucessão hereditária de PSFF (cfr. documento n.º 1 e 2, juntos com o requerimento inicial); B) Em 04.03.2015, a Câmara Municipal de I..., deliberou adjudicar a empreitada de “Requalificação do MB” à firma JAP, Lda, pelo valor de 192 636,56€ (cfr. documento n.º 5, junto com o requerimento inicial); C) Em 16.03.2015, a Câmara Municipal de I... e a firma JAP, Lda, outorgaram o contrato relativo à empreitada identificada na alínea anterior, “Requalificação do MB”, de onde consta que os trabalhos a que à mesma dizem respeito têm início a partir da data de consignação da obra e que devem estar concluídos no prazo de 100 dias (cfr. fls. 116 e ss, do processo físico); D) No âmbito da empreitada supra identificada estão a ser levadas a cabo obras no espaço confinante com o prédio identificado em A), supra, nas quais se inclui a construção de um muro em...

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