Acórdão nº 00810/05.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução11 de Setembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório RJOP e VMLP, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação ordinária, que intentaram contra a EP - Estradas de Portugal, SA, fundada em responsabilidade civil extracontratual por facto licito, pretendendo obter a sua condenação a pagar-lhes uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da realização das obras de reconversão da Estrada Nacional – EN 109 – sublanço Madalena/EN 109, local no qual exploravam um estabelecimento de venda de automóveis, inconformados com a Sentença proferida em 28 de Fevereiro de 2013, no TAF do Porto, que julgou “a ação improcedente”, vieram interpor recurso jurisdicional da referida Sentença (Cfr. fls. 1031 a 1050 Procº físico).

Formulam os aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 1045 a 1050 Procº físico).

“1- Os recorrentes instauraram uma Ação Administrativa Comum, com processo na forma ordinária contra o então INSTITUTO DE ESTRADAS DE PORTUGAL (agora EP-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.), fundada em responsabilidade civil extracontratual por facto lícito prevista no artigo 9º, do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, pretendendo obter a condenação do R. a pagar-lhes uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrente do sacrifício que para eles representou a reconversão da Estrada Nacional - EN 109 - em perfil de autoestrada (execução da via IC1 – sublanço Madalena/EN109) e à face da qual os AA. exploravam um estabelecimento de venda de automóveis e comercialização de peças auto.

2- Proferida a douta sentença da qual agora se recorre, o Tribunal a quo determinou a absolvição do R. do pedido “por não se verificarem os pressupostos da “especialidade” e da “anormalidade” dos prejuízos que tivessem decorrido daquela atuação lícita da Administração”.

3- Como resulta do artº 9º, nº 1, do DL 48051, de 21.11.67, "O Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais". Os pressupostos em que assenta esta responsabilidade são, assim, resumidamente, os seguintes: (i) a prática de um ato lícito; (ii) para satisfação de um interesse público; (iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal"; (iv) existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo (acórdãos STA de 21.1.03 no recurso 990/02, de 10.10.02 no 48408, de 16.5.02 no recurso 509/02 e de 25.5.00 no recurso 41420, entre muitos outros).

4- No caso vertente, a questão fundamental reside em saber-se se em consequência das obras realizadas na via à face da qual se situava o estabelecimento comercial dos AA. resultaram para estes danos que possam ser classificados de “especiais” e “anormais” e, concomitantemente, se existe um nexo de causalidade entre o ato e os prejuízos do mesmo decorrentes, uma vez que os restantes pressupostos não são postos em crise pelo Tribunal.

5- A respeito da noção de prejuízo especial tem-se destacado na doutrina e jurisprudência a teoria da intervenção individual que “põe o seu enfoque na especialidade do resultado da intervenção, ou seja, na incidência do ato sobre uma só pessoa ou grupo de pessoas, de forma que será especial aquele prejuízo que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa ou a grupo de pessoas certo e determinado, em função de uma específica posição relativa dessa pessoa ou desse grupo” (cfr. Acórdão proferido pelo TCA Norte no processo 00219/05.8BEPRT, em 23.03.2012, disponível em www.dgsi.pt).

6- Ora, resulta provado que os AA. se dedicavam à atividade comercial de venda de automóveis e comercialização de peças auto, sendo que o respetivo estabelecimento de venda se situava à face da EN109, num local de forte procura de veículos usados para compra e num local estrategicamente benéfico em termos comerciais, pois atraía bastante clientela (cfr. factos assentes E a H, Z e FF). Por outras palavras, o local onde se situava o estabelecimento dos AA. dependia fortemente, senão praticamente em exclusivo, da sua especial localização estratégica em termos comerciais.

7- Em resultado e consequência das obras levadas a efeito – as quais visaram a alteração do perfil da via de Estrada Nacional para Autoestrada -, o estabelecimento dos AA. foi irremediavelmente afetado, pois que, foi encerrada uma das vias de circulação da EN 109 em frente ao estabelecimento; deixou de ser possível a paragem e o estacionamento de veículos de potenciais clientes, o que dificultou o acesso de clientela ao mesmo; a circulação automóvel, em frente ao estabelecimento dos AA. passou a registar estrangulamentos e a formação de enormes congestionamentos de tráfego, que se mantiveram nesse local durante três anos; foram colocadas barreiras em frente ao estabelecimento comercial; o local ficado transformado num autêntico estaleiro de obras e o acesso das pessoas e veículos ao estabelecimento ficou ainda mais dificultado (cfr. factos assentes Q a X).

8- As obras de conversão da EN 109, no local onde os AA. tinham o seu estabelecimento, tiveram a duração de 3 anos, tendo início efetivo em Agosto de 2001 (cfr. factos assentes S).

9- Ora, sabendo-se que o local onde se situava o estabelecimento dos AA. era estrategicamente benéfico, pois atraía bastante clientela, ressalta desde logo à evidência que o facto de ter ficado sujeito, durante 3 anos, a todos os constrangimentos acima referidos teve como consequência direta a perda da sua atratividade para os potenciais clientes que diariamente se deslocavam na EN 109 e a consequente diminuição das vendas, (conforme resulta, de resto, do facto assente AA e EE).

10- Ou seja, para além da alteração do perfil da via, o que só por si seria passível de retirar ao estabelecimento a maior valia estratégica que possuía em termos de localização (uma vez que ao deixar de passar de Estrada Nacional para Autoestrada deixariam necessariamente de existir as condições de acessibilidade pré-existentes ao dito estabelecimento), os AA. tiveram ainda de suportar durante três anos uma situação absolutamente insustentável decorrente dos constrangimentos que as obras provocaram e que resultaram na diminuição drástica das condições de acessibilidade ao estabelecimento e consequente perda da clientela.

11- Neste quadro, forçoso será concluir que, no caso específico dos AA., a R. para além de não ter acautelado minimamente os efeitos nocivos da realização daquelas obras, procurando manter condições minimamente aceitáveis de acesso ao estabelecimento, as mesmas mantiveram-se durante um período excessivo, o que inviabilizou completamente qualquer pretensão que os AA. ainda alimentassem, mesmo que aceitando algumas perdas, de manter a laboração do estabelecimento, que encerrou definitivamente em 2004 (cfr. factos assentes DD).

12- Analisada a matéria de facto provada, dúvidas não restam que os AA. foram especialmente penalizados pela intervenção na via, quer porque deixaram de ter as condições de exercício da atividade comercial de que anteriormente o estabelecimento beneficiava, quer porque tal situação perdurou no local em frente ao estabelecimento dos AA. durante três anos.

13- Nestas circunstâncias os AA. sofreram efetivamente um prejuízo especial uma vez que a realização das obras de execução do IC1, teve em vista a satisfação de um interesse geral que ultrapassou largamente o universo de moradores, proprietários e arrendatários de imóveis e estabelecimentos comerciais situados na zona de intervenção, o que importou para os AA. um sacrifício que não ocorreu em relação à generalidade das pessoas, bem como, relativamente aos demais proprietários de imóveis ou estabelecimentos situados naquele local, os quais, na sua generalidade foram indemnizados pelas expropriações efetuadas.

14- Em consequência da profunda alteração das condições de normal desenvolvimento da atividade comercial, os AA. acumularam prejuízos avultados, tendo baixado imenso o volume de faturação (cfr. facto assente GG), diminuído o volume de receitas resultantes de gratificações (comissões) obtidas em razão da intermediação na celebração de contratos de crédito (cfr. facto assente II), tendo o estabelecimento perdido totalmente o seu valor intrínseco de trespasse (cfr. factos assente KK e LL), o que conduziu ao surgimento de dificuldades por parte dos AA. em cumprirem os seus compromissos com o pagamento das rendas (cfr. facto assente BB), dos empréstimos bancários (cfr. facto assente J), tendo também ficado impossibilitados de fazer investimentos, de tal modo que se viram obrigados a encerrar o estabelecimento.

15- O impacto de todo este estado de coisas levou a que os AA., cuja idade era já próxima dos 60 anos à data dos factos, não mais tenham conseguido recuperar a sua condição financeira e laboral tendo inclusivamente, já em 2011, sido declarados insolventes (cfr. facto assente MM).

16- Os prejuízos sofridos pelos AA. foram de molde a que estes deixassem de ter as condições básicas para laborar normalmente no estabelecimento comercial que exploravam e que constituía o seu modo de vida e o seu sustento, pelo que, ultrapassam largamente os pequenos transtornos que são inerentes à atividade administrativa e/ou à vida em sociedade.

17- Os danos sofridos pelos AA. são danos que só eles suportaram; danos que especialmente os oneraram e sobrecarregaram e que não foram impostos à generalidade dos cidadãos. São danos que se repercutiram de forma definitiva na sua esfera jurídica pois viram arruinar-se completamente a atividade comercial que constituía o seu modo de vida profissional e sustento.

18- A douta sentença, ao concluir que da matéria assente “não resulta que exista uma incidência seletiva dos encargos e sacrifícios gerados pelo ato lícito da Administração, através da qual se possa concluir que os mesmos foram impostos...

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