Acórdão nº 00752/08.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelPedro Vergueiro
Data da Resolução30 de Setembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO L...

, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 05-03-2010, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e juros do exercício de 2003.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 454-552), as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) 1. Vem o presente recurso apresentado da douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial, padecendo, todavia, a mesma, no entendimento do recorrente, de flagrante erro de julgamento.

  1. A douta sentença recorrida, depois de configurar e enquadrar correctamente a questão, errou ao conhecer da legalidade do acto de liquidação fora dos pressupostos de direito e de facto sobre os quais o acto impugnado foi praticado, ou seja, por violação da regra de que o tribunal apenas poderá sindicar a legalidade do acto a partir da correcção jurídica dos pressupostos de facto e de direito sobre a consideração dos quais o mesmo foi praticado, pois, de contrário, o tribunal passa a ser um órgão da administração activa e viola o princípio constitucional da separação de poderes (art.º 111.º da CRP).

  2. A decisão recorrida apenas poderia apreciar se, atenta a fundamentação de facto e de direito que foi invocada pelo Fisco no relatório, o acto era legal ou ilegal como o ora recorrente alegou na sua petição inicial.

  3. Conforme esse Supremo Tribunal tem vindo a entender uniformemente, os recursos contenciosos são de mera legalidade (art.º 6.º da LPTA), visando-se neles apreciar a legalidade da actuação da Administração tal como ela ocorreu, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, mesmo que invocados a posteriori na pendência do recurso contencioso.

  4. O Tribunal recorrido ao conhecer da legalidade do acto de liquidação fora dos pressupostos de direito e de facto sobre os quais o acto impugnado foi praticado incorreu em manifesto erro de julgamento.

  5. Em parte alguma do relatório consta o enquadramento do acto tributário de IRS como a prática de um acto isolado; o que consta do relatório é o referido no ponto D-2 da matéria de facto, constituindo esta a fundamentação formal e substancial do acto e não aquela que o Tribunal recorrido erradamente ditou, sendo que no n.º 2 do art.º 77.º da LGT estabelecem-se os requisitos da fundamentação dos actos tributários que, pelos termos utilizados, serão, para este efeito, apenas os actos de liquidação dos tributos. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. LGT, anotada e comentada, Diogo Leite de Campos e outros, Vislis Editores).

  6. Aliás, veja-se que nem a própria AF tratou da determinação do rendimento tributável de um acto isolado, em que apenas estava obrigada a deduzir os encargos devidamente comprovados e necessários à obtenção do rendimento bruto, até à sua concorrência e com as limitações previstas no artigo 33.º (artigo 30.º CIRS).

  7. Na verdade, no relatório da inspecção tributária assumem-se determinados factos com relevância ao nível determinação de rendimentos inseridos na Categoria B do IRS e que a Administração Fiscal considera sujeitos a imposto, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 3, do CIRS, “desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente”.

  8. Das normas legais em causa, resulta com meridiana clareza que o facto gerador do imposto coincide com o lapso temporal que o legislador reserva para a emissão da factura, ou seja, até cinco dias úteis após a prestação do serviço em causa.

  9. Contudo, o regime não será o mesmo no caso do sujeito passivo de IRS não estar obrigado a emitir a factura a que se refere o artigo 28.º do CIVA, seja pela possibilidade de ocorrer, para os sujeitos passivos de IVA, uma situação de dispensa de facturação (vide artigo 39.º), seja pura e simplesmente pelo facto do sujeito passivo de IRS não poder considerar-se qua tale sujeito passivo para efeitos de IVA, designadamente por estar abrangido por um regime especial de isenção.

  10. Nos termos do disposto no artigo 53.º, do CIVA, beneficiam da isenção do imposto os sujeitos passivos que, não possuindo nem sendo obrigados a possuir contabilidade organizada para efeitos de IRS ou IRC, nem praticando operações de importação, exportação ou actividades conexas, nem exercendo actividade que consista na transmissão dos bens ou prestação dos serviços mencionados no Anexo E ao presente Código, não tenham atingido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a (euro) 10000.

  11. A aplicação deste regime especial de isenção determina quanto aos sujeitos por ele abrangidos uma dispensa das obrigações previstas no Código do IVA, com excepção das que impõem a declaração de início e cessação de actividade e de alterações (artigos 30.º a 32.º do CIVA), não se encontrando, por isso, obrigados a emitir factura para efeitos de IVA porquanto não se consideram sujeitos passivos do imposto, estando apenas obrigados, pelo regime do artigo 115.º do CIRS, “a passar recibo (…) de todas as importâncias recebidas dos seus clientes (…)”.

  12. Nestes casos, como resulta expressamente do critério estabelecido no citado artigo 3.º, n.º 6, do CIRS, o momento em que se verifica o nascimento do facto gerador do imposto refere-se ao “pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares”, ou seja, de acordo com o princípio da exigibilidade de caixa.

  13. Não estão preenchidos os pressupostos legais de imposição em sede de IRS, porquanto no período de tributação considerado não existe, de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 3.º, n.º 6, do CIRS, facto gerador do imposto, razão pela qual não se está perante um rendimento sujeito a tributação no período relevado pela AF.

  14. Vertendo o regime legal recortado pela AF para o caso em análise, verifica-se que a operação que gera a correcção em sede de IRS, ainda se enquadra dentro do regime especial de isenção, uma vez que até à sua verificação o sujeito passivo não havia ultrapassado os limites que lhe permitiam beneficiar desse regime.

  15. Mas mesmo que a AF tivesse qualificado e tributado o acto em causa como de um acto isolado se tratasse, como afinal veio o Tribunal recorrido erradamente a fazer, ainda assim não se mostravam nem mostram preenchidos os requisitos legais para o efeito.

  16. Acompanhando José Guilherme Xavier de Basto em “IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 163 e segs.:” O CIRS no n.º 3 do artigo 3.º tenta uma definição operacional de acto isolado, começando por estabelecer um limite quantitativo para os rendimentos a imputar a actos únicos ou isolados: eles não podem nunca representar mais de 50% dos restantes rendimentos do sujeito passivo”.

  17. No caso em apreço, verifica-se, desde logo, que os rendimentos imputados ao pretenso acto isolado representam muito mais de 50% dos restantes rendimentos, constatando-se que conforme consta da matéria de facto provada (C-1-IRS) o ora recorrente declarou em 2003 rendimentos da categoria A no montante de 28.331,51 € e rendimentos de categoria B no valor de 6.000,00 €.

  18. Por outro lado, “não é tudo, porém, para a definição legal de acto isolado, porque nesta intervém um elemento qualitativo ou material: os proventos não devem provir de uma prática previsível ou reiterada” (A. e obra citada).

  19. No caso em apreço, como da matéria de facto assente consta: De acordo com a Cláusula 7.ª do acordo, a B… pagará a A… 5% do investimento realizado em cada projecto imobiliário que tenha sido por este desenvolvido e acompanhado; Por seu turno, o n.º 2 desta cláusula prevê o pagamento mensal de 3.000 €, estando ainda previsto no n.º 8 da mesma o pagamento mínimo de 500.000 €/ano em função dos projectos viabilizados, verifica-se, ao contrário do referido na douta sentença recorrida, que o carácter da actividade não é meramente esporádico ou casual, esclarecendo-se que a facturação intercalar efectuada pela sociedade C…, Lda., não afasta aquele conteúdo contratual, pois caso assim fosse também não seria o recorrente o eventual devedor do imposto, mas sim aquela sociedade.

  20. Nos termos do art.º 74.º da LGT, cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação e, face a tal dispositivo, aquela não provou que a actividade fosse meramente esporádica ou casual, antes resultando provado a existência de um contrato que foi gerador de rendimentos em 2002 e mesmo em 2003 (no âmbito da actividade de prestação de serviços que exercia na altura, o montante de 3.000 € em 2002 e de 6.000 € nos primeiros 2 meses de 2003) e que prevê a continuidade de uma prestação de serviços na área do desenvolvimento e acompanhamento e viabilização de projectos imobiliários e que foi a base do direito a receber a comissão de 5% sobre o valor de transacção do edifício, conforme previsto no n.º 1 da cláusula sétima, de acordo com a própria fundamentação da AF.

  21. Cabia à Fazenda Pública o ónus da prova da existência do facto tributário, o que quer dizer que, naquele caso concreto, lhe cabia demonstrar a existência do acto isolado de comércio e do lucro ou rendimento obtido (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil), o que não fez.

  22. “Só nestas condições os rendimentos terão o tratamento próprio de rendimentos de actos isolados, o qual, como veremos, tem especialidades pelo que respeita à determinação da matéria tributável e também em matéria de deveres acessórios. A...

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