Acórdão nº 00007/17.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | Joaquim Cruzeiro |
Data da Resolução | 07 de Julho de 2017 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO Ministério da Administração Interna vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 4 de Fevereiro de 2017, e que concedeu providência cautelar intentada por CMFHS e onde era solicitado que: “ deve a presente providência ser julgada procedente, por provada, e em consequência ser suspensa a eficácia do acto em apreço, intimando-se o requerido a não obstar e a provisoriamente permitir que, até á decisão da acção principal, o requerente retome funções na PSP (Comando Distrital de Coimbra), com todas as consequências legais”.
Em alegações o recorrente concluiu assim: I. A Sentença recorrida incorre em erro de direito.
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Ao ter decidido pela verificação de uma nulidade insuprível por violação do direito de audiência e defesa do Arguido, ao não terem sido ouvidas as testemunhas por si arroladas em sede de defesa.
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É certo que o direito de audiência e defesa é um direito sagrado dos arguidos, quer em sede disciplinar, quer em sede criminal.
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Contudo, o exercício de qualquer direito tem limite. E o artigo 84.º, n.º 1, do RDPSP fixa, precisamente, limites nesta situação.
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Em questão semelhante pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 12 de janeiro de 2017, Processo n.º 13342/16.
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O facto de o Recorrido “(…) ao longo de mais de dois anos de serviço efectivo após a condenação no processo penal (…)” ter tido um percurso profissional exemplar, tal não pode relevar para efeitos de determinação da medida da pena.
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A não ser assim, os autores de infrações disciplinares nunca seriam punidos, pois bastava-lhes ter um comportamento sem mácula a seguir à prática dos factos, que esta fosse avaliada de forma diferente, e no limite deixasse de ser considerada infração disciplinar.
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Em situação de algum modo semelhante, o novo CPA, no artigo 163.º, n.º 5, vem acolher uma linha da jurisprudência administrativa, dominante, que defendia que nem todas as irregularidades do ato administrativo conduzem à invalidade do mesmo.
O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. Compulsando as aliás doutas alegações do Recorrente, afigura-se que as mesmas se limitam a sustentar um suposto erro de direito da sentença, sem que, no entanto, sejam expressamente indicadas, como era seu indefetível ónus, as normas jurídicas violadas pela decisão, nem sequer o sentido com que, no entender do Recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da sentença deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
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Na verdade, nas alegações recursivas sustenta-se apenas – e de uma forma vaga, conclusiva e genérica –, um suposto erro de direito, tentando fazer-se uma analogia com uma outra decisão judicial (que ainda não é definitiva) e apelando-se a uma norma do CPA, que nem sequer é aplicável ao procedimento disciplinar em causa, pelo que, salvo o merecido respeito, o Recorrente não cumpriu o ónus de alegação que sobre si impendia, no que respeita à matéria de direito, mormente nos termos do disposto no art. 639.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º e 140.º do CPTA, devendo o recurso improceder.
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Se bem percebemos, o Recorrente sustenta que a sentença incorreria em erro de direito, pois que o direito de audiência e defesa, que qualifica como sagrado, estaria (absolutamente, diremos nós) limitado pelo artigo 84.º, n.º 1 do RDPSP, que permitiria – assim à outrance e sempre que a Administração o entendesse, num verdadeiro quadro de insuportável arbitrariedade –, recusar as diligências requeridas pelo arguido por alegadamente serem dilatórias e, de seguida, formal e inexoravelmente, aplicar a pena suprema (como, aliás, sucedeu no presente caso).
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Como todos sabemos, tal argumentação é não apenas insustentável como também é inconstitucionalmente insuportável, por obliterar violentamente garantias fundamentais de defesa e de audiência do arguido, que são verdadeiros esteios do Estado de direito democrático dos cidadãos – cfr. arts. 2.º, 18.º, 30.º, n.º 2 e 10, 269.º, n.º 3 da CRP.
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Relativamente ao recente aresto do TCA Sul de 12/01/2017, tirado no âmbito do processo n.º 13342/16, a dogmática do mesmo não é aplicável ao caso dos autos, não apenas porque ainda nem sequer transitou em julgado, como ainda porque foi prolatado no âmbito de uma acção administrativa especial e não num processo cautelar, como o presente, cuja natureza é necessariamente urgente, sumária e perfunctória.
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Em terceiro lugar mas sem prescindir, a factualidade que entretece essa decisão do TCA Sul é absolutamente díspar do caso sub judice, posto que naquela situação provou-se que o arguido executou factos que consubstanciam a prática, "em autoria material e na forma consumada, de um crime de corrupção passiva para ato ilícito”, sendo o crime de corrupção passiva punido com pena até 8 anos, tendo o arguido aí sido condenado a 3 anos de prisão, posteriormente suspensa, enquanto que, no caso dos autos, o recorrido foi condenado pela prática de falsificação de documento, numa pena de multa, posteriormente substituída por trabalho a favor da comunidade (cumprido, aliás, de forma altamente zelosa), avultando que o recorrido dedicou toda uma vida de 25 anos à instituição PSP e que gozava e continua ainda hoje a gozar de excelente informação do serviço, que assim reiteradamente o avalia, sendo que a hierarquia considera que continua a merecer o estatuto de bom profissional e pessoa séria e honrada que merece uma segunda oportunidade, como se encontra provado nos autos.
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Por outro lado e do ponto de vista jurídico, temos que, decisivamente, naquele aresto não foi sequer invocada nem decidida qualquer violação do fundamental direito de audiência e defesa do arguido, como sucede no caso sub judice, pelo que é evidente e manifesto que não há réstia de analogia com o presente caso que se possa colher daquele aresto.
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Mas ainda que à tort assim não se julgasse, o que não se concede, a verdade é que, ao contrário do que pretende fazer passar o Recorrente, é o próprio Aresto do TCA Sul que refere, expressamente e sem margem para dúvidas, que deve o arguido ser punido com pena de demissão, em certos casos e verificando-se determinados pressupostos, "salva a existência de factos concretos que diminuam seriamente o grau de censura jurídica e social em relação à infração praticada pelo agente da PSP" – sendo justamente a prova dessa factualidade que o arguido, aqui recorrido, foi ilegalmente cerceado de produzir no processo disciplinar, pelo acto suspendendo, devido à omissão de diligências essenciais, que gera nulidade, como bem demonstrou a sentença e como veremos melhor infra.
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Aqui chegados, temos que é pacificamente defendido pela dogmática e pela jurisprudência que, no processo disciplinar, há um ponto apenas que é considerado essencial: “a faculdade de defesa ampla do arguido”, sendo que a falta de inquirição de testemunhas oferecidas pelo arguido consubstancia sempre nulidade insuprível ou absoluta – cfr. dogmática e jurisprudência citada no corpo das alegações.
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Depois e relativamente à suposta desnecessidade de ouvir as testemunhas, temos que em palavras simples, o que a Administração parece entender é que o arguido cometeu um crime (não importa qual, nem em que circunstâncias de vida, nem por quê…), enquadrável no normativo relativo à pena de demissão, pelo que tão-somente isso basta para confirmar que o mesmo é indigno da confiança necessária para a manutenção da relação profissional e, então, a decisão capital (de demissão) está, inexorável e inarredavelmente, tomada, não importando sequer o que o arguido pudesse dizer na sua defesa ou quisesse provar com as testemunhas que arrolou.
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Estamos assim (perplexos, na verdade!) perante uma perspectiva profundamente errónea dos direitos fundamentais da audiência e da defesa, já supra citados, e que oblitera ainda o disposto no art. 43.º do RDPSP, mormente quando se refere a "todas as circunstâncias que militem a favor do arguido" – o que, salvo o merecido respeito, demonstra, entre o mais, uma patentemente errada concepção das garantias do arguido e da culpa como medida da pena disciplinar e fundamental na escolha da pena, não podendo, portanto, jamais proceder o recurso.
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Devendo ser confirmada a douta sentença, que andou bem quando concluiu, pois e assim, pela nulidade procedimental insuprível prevista no artigo 86.º, n.º 1 do RD/PSP e pela violação do direito fundamental ao exercício de defesa, consagrado nos normas constitucionais vertidas nos artigos 18.º, 32.º (nº 10) e 269.º, n.º 3, ao contrário do que, vaga, conclusiva e genericamente, advoga o Recorrente.
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Porquanto o direito de participação do arguido em processo sancionatório – "right to be heard”, caracterizador do "due process" – não se cinge ao oferecimento de prova, dado que enquanto princípio intimamente conexionado com a ideia de Estado de direito democrático (artigos 2.º e 9.º, alínea b), da Constituição), como salientado nos Acórdãos do TC n.º 1010/96, 499/2009 e 413/2011, exige que se assegure ao arguido a possibilidade de ser ouvido, realizar prova e participar em todas as provas e sobre todas as questões jurídicas a ponderar na decisão final.
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Em suma e salvo o merecido respeito, deve o recurso improceder, sendo que decisão de sentido distinto sempre padeceria de violação do art. 86.º, n.º 1 do RD/PSP, e sempre seria agravadamente ilegal, por violação das fundamentais garantias de defesa previstas nos arts. 18.º, 32.º, n.º 2 e 10 e 269.º da CRP, e ou pelo menos, a norma vertida no artigo 84.º, n.º 1 do RDPSP e ou a interpretação que a hipotética decisão judicial levasse a efeito e concretizasse sempre seria inconstitucional, mormente por afronta daquelas mesmas fundamentais garantias de defesa previstas nos arts. 18.º, 32.º, n.º 2 e 10 e 269.º da CRP, bem como dos igualmente fundamentais direitos à segurança...
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