Acórdão nº 00022/14.4BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução07 de Julho de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO ÁGUAS DO NORTE, S.A.

, que sucedeu à “Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, S.A.”, nos termos do Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio, interpõe recurso jurisdicional da sentença do TAF de Mirandela, proferida no âmbito da acção administrativa comum proposta contra o MUNICÍPIO DE MIRANDELA, que julgando procedente a exceção peremptória de prescrição, absolveu o Réu do pedido nela formulado, de pagamento da quantia de € 207.353,28, conforme facturas datadas de Junho de 2011 a 31 de Dezembro de 2011, acrescida de juros de mora, correspondente ao valor de serviços de fornecimento de água e saneamento prestados, em resultado de contrato de fornecimento realizado entre as partes, nos termos do disposto no DL n.º 270-A/2001, de 6 de Outubro e do Contrato de Concessão celebrado entre o Estado Português e a Recorrente, em 26 de Outubro de 2001.

* Nas respectivas alegações, a Recorrente apresentou as seguintes CONCLUSÕES: a) “O Tribunal a quo, julgou a procedente a exceção de prescrição e absolveu o Réu do pedido, ora, não podendo concordar com a Douta Sentença, vem a Recorrente apresentar o seu recurso.

b) Ou seja, segundo a douta sentença, ora em crise, o regime de prescrição de dívidas dos utilizadores do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento é de dois anos a contar da data da emissão das faturas.

c) No entanto, a Recorrente não pode concordar com a Sentença, ora em crise.

d) Pois, foram emitidas as facturas, constantes neste processo, de Junho de 2011 a Dezembro de 2011, que como se constata dos documentos juntos foram enviadas ao Município, muito posteriormente, e com data de vencimento a 60 dias, após a recepção.

e) Tendo a ação dado entrada em juízo, via SITAF, a 07 de Janeiro de 2014, considera a Meritíssima Juiz a quo, que as dívidas se encontram prescritas, à luz do Decreto-lei 319/94, de 24 de Dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 195/2009, de 20 de Agosto de 2009.

f) Acresce que, não foi realizada audiência prévia, e a Meritíssima Juiz a quo promoveu despacho/sentença relativamente à matéria da prescrição, absolvendo o R. do Pedido.

g) Mais, nos termos do n.º 2, da Base XX do citado Decreto-Lei n.º 195/2009, de 20 de Agosto as faturas a emitir pela concessionária devem ter uma periodicidade mensal e um prazo de pagamento de sessenta dias, no entanto, a concessionaria e os utilizadores podem nos termos do n.º 4, da Base XX, do referido decreto-lei, acordar periodicidade diferente, para emissão de faturas e seu pagamento.

h) O que não se apurou, in casu, se tal aconteceu, ou não.

i) Nem tão pouco se apurou, quando foram enviadas as facturas ao R., data de pagamento das mesmas, e quando o utilizador, ora R., se constitui em mora, para se poder de forma cabal afirmar que as facturas prescreveram.

j) Pelo que, mais uma vez se reitera, os créditos em causa, não prescreveram.

k) Tanto mais que, a situação em concreto terá de ser avaliada, com base no contrato de concessão, bem como com base no contrato de fornecimento e recolha celebrado entre a Recorrente e Recorrido.

l) E mesmo que assim não fosse, confessa-se o R., ao longo da sua contestação, devedor daqueles valores, reconhecendo não ter pago à A., as facturas de abastecimento de água.

m) Sendo que, “I - A prescrição de curto prazo tem na base uma presunção de pagamento. (…) IV- Existe confissão quando o devedor não impugna factos alegados na acção pelo credor que conduzem ao não pagamento.” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Junho de 1992.

n) Vejamos, nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de Outubro de 2005, que dispõe”Por força do disposto no art.312º, do C. Civil, as prescrições de que trata a subsecção III fundam-se na presunção de cumprimento. Por outro lado, dúvidas não restam que, no caso dos autos, estamos perante créditos pelos serviços prestados no exercício de profissão liberal e pelo reembolso das despesas correspondentes. Logo, tais créditos prescrevem no prazo de dois anos, nos termos do art. 317º, al.c), inserido na aludida subsecção III. Tratando-se, como se trata, duma prescrição presuntiva, funda-se na presunção de cumprimento e destina-se, no fundo, conforme refere Antunes Varela, RLJ, Ano 103º, pág.254, a proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo. Daí que não se admita que o credor contrarie a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova, antes se exigindo que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor (cfr. Vaz Serra, Prescrição Caducidade, BMJ, 106º-44). Assim, para afastar tal presunção, admite a lei quer a confissão judicial, quer a extrajudicial (cfr. o art.313º, do C. Civil). Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, anotado, vol.I, 2ª ed., pág.261, «Quanto à confissão judicial, nenhuma restrição é estabelecida na lei para prova do não cumprimento, devendo assim considerar-se a matéria abrangida no ónus da impugnação especificada a que se refere o art.490º, nº1 (actual nº2) do Código de Processo Civil e excluída da ressalva contida na parte final deste preceito».

- Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de Outubro de 2005.

o) “É que, na verdade, o princípio consignado no nº 2, do citado art.490º, exprime a ideia de que cada uma das partes está sujeita ao ónus da impugnação dos factos articulados pela parte contrária, no sentido de que, ou os impugna, ou os admite como exactos, importando o silêncio quanto a esses factos confissão da veracidade deles (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, vol. III, 4ª ed., pág.51).” - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de Outubro de 2005.

p) ”Não se diga, pois, que, para se considerar confessada a dívida só existem as duas formas previstas no citado art.314º, embora haja quem entenda que a não impugnação especificada pode traduzir a prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento, ou seja, a confissão tácita de que a dívida não foi paga (cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa, de 16/6/92, C.J., Ano XVII, tomo III, 206 e o Acórdão do STJ, de 18/12/03, in www.dgsi.pt).” - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de Outubro de 2005.

q) No caso, sub judice, dúvidas não restam que o R./Recorrido não alegou expressamente o pagamento dos créditos invocados pela A./Recorrente, limitando-se a invocar o decurso do prazo de prescrição de dois anos e que os serviços e fornecimentos foram efectuados de forma incompleta. Ou seja, efectivamente, e ainda hoje, o Recorrido, utiliza evasivas diversas, para não pagar, os mínimos a que está obrigado, à Recorrente.

r) Continuando, “neste tipo de prescrições, ao contrário do que acontece nas prescrições extintivas, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, apenas fazendo presumir o pagamento, desta forma libertando o devedor do ónus da prova que pagou. Isto é, o verdadeiro escopo das prescrições presuntivas é libertar o devedor da prova do cumprimento. Mas não o liberta, a nosso ver, do ónus de alegar que pagou. É certo que há quem aceite que o réu não tenha de impugnar o incumprimento, por entender que a invocação da prescrição presuntiva já traz consigo, implícita, a alegação de que cumpriu (cfr. o Acórdão do STJ, de 17/11/98, C.J., Ano VI, tomo III, 121 e J. Sousa Ribeiro, Rev. Direito e Economia, Ano V-2º-402 e segs., citado naquele Acórdão, bem como, os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 29/6/00 e de 23/11/00, in www.dgsi.pt).” - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de Outubro de 2005.

s) Só que, no caso dos autos, essa tese não pode lograr acolhimento, tendo em conta, desde logo, a alegação feita pelo Recorrido, ao longo da sua Contestação.

t) Na verdade, como é que se pode aceitar que o Recorrido refira que os serviços foram prestados, mas que se recusa a pagar tais serviços.

u) Nem tão pouco se pode falar em prescrição presuntiva, pois, “O que nos parece é que a ré, ora recorrente, confundiu prescrição extintiva com prescrição presuntiva, esquecendo que esta não foi criada para libertar o devedor do cumprimento da sua obrigação, mas, tão só, como já vimos, para o libertar do ónus de provar que pagou. Aliás, já Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág.453, entendia que as prescrições presuntivas não eram prescrições verdadeiras, pois que, enquanto nestas, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas, se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira, não funcionando a prescrição, embora ele a invoque.” - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de Outubro de 2005.

v) ”Haverá, deste modo, que concluir que não se verifica, no caso, a excepção da prescrição de dois anos, a que alude a al.c), do art.317º, do C.Civil, já que, se considera ilidida a presunção de cumprimento de que a ré beneficiava pelo decurso daquele prazo, ficando, assim, provada a prestação dos serviços e o seu preço, e não provado o respectivo pagamento. Isto é, devem ser considerados como admitidos por acordo, porque não especificadamente impugnados, os factos alegados pelo autor acerca da não satisfação atempada pela ré devedora dos créditos reclamados e das respectivas interpelações para cumprimento.” - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de Outubro de 2005.

w) Pelo que, deveria a Meritíssimo Juiz a quo ter decidido exactamente em sentido contrário, ou seja, determinado e julgado a exceção peremptória de prescrição alegada pelo R. totalmente improcedente, por não provada.

x) Não obstante, ainda que assim não se entendesse, e tratando-se de matéria controvertida, a mesma...

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