Acórdão nº 00171/14.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução04 de Outubro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Ministério da Educação e Ciência, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada pelo Instituto Politécnico de Coimbra, em que este peticionou a impugnação da ordem que determinou a cessação do “abono a titulo de horas extraordinárias pagas por serviço letivo prestado por titulares de órgãos de gestão” do Instituto, inconformado com o Despacho Saneador e Sentença proferida em 27 de fevereiro de 2017, que julgou a ação procedente, veio interpor recurso jurisdicional face à mesma, em 3 de abril de 2017, no qual concluiu (Cfr. fls. 284 a 301 Procº físico): “1. O presente recurso visa o teor do douto despacho saneador proferido nestes autos no qual foi decidido que deveria improceder a exceção invocada pelo Réu Ministério no que se refere quer à falta de objeto da presente ação quer quanto à não impugnabilidade do ato impugnado nos presentes autos.

  1. Bem como o teor da douta sentença proferida pelo Tribunal que declarou procedente o pedido do Autor e, em consequência, determinou a anulação do ato por este impugnado com fundamento quer na violação do direito de audiência prévia prevista no artigo 103º do CPA, quer no vício de violação de lei, com referência ao que se dispõe no artigo 11º do RJIES, quer ainda por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito em que se baseava o ato praticado.

  2. Entende o ora Recorrente que em ambos os casos o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento e consequentemente numa errada aplicação do direito relativamente à apreciação e interpretação do enquadramento jurídico que fez da matéria de facto e de direito em causa, padecendo por isso, ambas as decisões, de vários vícios.

    I.A. Quanto ao teor do despacho saneador: 4. Após os articulados, foi proferido despacho saneador o qual, apreciando a exceção suscitada pelo Réu relativa à falta de objeto da ação por inexistência de ato administrativo impugnável, considerou que “o ato impugnado encerra um conteúdo decisório e tende a produzir efeitos externos, pelo que estão reunidas as características essenciais para ser impugnado um ato da administração, nos termos do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA”.

  3. Não se conformando com tal segmento decisório, o ora Recorrente apresentou reclamação para a conferência, fundada no n.º 2 do artigo 87.º do CPTA, por aplicação do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, e do n.º 2 do artigo 596.º do CPC ex vi do artigo 1.º do CPTA.

  4. Ou seja, tendo em consideração que este processo se reporta a uma ação administrativa especial intentada ao abrigo do CPTA aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, e atendendo às regras processuais vigentes, entendeu-se que caberia lugar à reclamação para a conferência, pese embora a alteração que o Decreto-lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro operou no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e que entrou em vigor logo a 3 de outubro p.p..

  5. Sucede, porém, que já após a apresentação das alegações escritas ao abrigo e nos termos do n.º 4 do artigo 91.º do CPTA, veio o Tribunal a quo, por despacho de 22 de fevereiro, referir que: “Com a entrada em vigor das alterações ao ETAF pelo DL nº 214-G/2015, de 2 de outubro, deixou imediatamente de haver “conferência” na primeira instância. Com exceção dos casos especiais em que se prevê a formação alargada, o tribunal administrativo de primeira instância funciona com juiz singular em todas as formas de processo. Cf. artigos 4º e 15º nº 4 do citado Decreto lei e 40º do ETAF. Como assim, está prejudicada a reclamação para a conferência, pelo que a não admito.” 8. Não se conformando com o decidido, o Ministério da Educação e Ciência, interpôs recurso desse despacho já que, no seu entender, o Tribunal a quo poderia ter convolado oficiosamente o articulado apresentado em requerimento de interposição de recurso, em conformidade com o que vem sendo decidido por outros tribunais.

  6. Não obstante, por despacho de 5.04.2016, foi o Réu notificado da não admissão do referido recurso já que o despacho de não admissão do recurso proferido em 22.02.2016 deveria considerar-se um mero despacho interlocutório e como tal “apenas impugnável no recurso que se interpuser a final”.

  7. Com tal decisão, o Tribunal a quo terá incorrido em erro de julgamento quando, após a prolação do despacho saneador e atenta a apresentação da reclamação ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 87.º CPTA, por força do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro e do n.º 2 do artigo 596.º do CPC ex vi do artigo 1.º do CPTA, não apreciou como reclamação ou então não convolou em recurso jurisdicional, considerando que estavam reunidos os respetivos pressupostos para o efeito.

  8. Pelo que outra deveria ser a decisão de não admissão da reclamação, designadamente ser a mesma convolada em recurso com a consequente apreciação do mesmo no que respeita à exceção de inimpugnabilidade do ato.

  9. Nesta conformidade, é patente que o despacho saneador onde foi decidido que as exceções invocadas pelo Réu não mereciam acolhimento ainda não transitou em julgado, constituindo esta sede de recurso o meio processual adequado para o Réu suscitar a legalidade do ali decidido.

  10. O Réu não se conforma com a decisão de improcedência da exceção alegada.

  11. O Autor, Instituto Politécnico de Coimbra, é uma pessoa coletiva de direito público que goza de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, mas que se encontra sujeito à tutela do membro do Governo responsável pelas áreas da educação e ciência de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 11º da Lei n.º 67/2007, de 10 de setembro.

  12. No exercício do referido poder de tutela incumbe, em especial, ao órgão tutor, no cumprimento da lei e na defesa do interesse público, como salientado pelo disposto no artigo 150º do referido diploma legal, fiscalizar o cumprimento da lei pelo órgão tutelado e aplicando as sanções que se justificarem em caso de infração, tal como resulta do preceituado na al. g) do n.º 2 do artigo 27º do RJIES.

  13. Esta tutela é, no caso concreto, exercida pela Inspeção-Geral da Educação e Ciência enquanto serviço da administração central do Estado a quem incumbe assegurar a legalidade e regularidade dos atos praticados pelos órgãos, serviços e organismos integrados nos Departamentos Governamentais das áreas da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior ou sujeitos à tutela do membro do Governo, de acordo com o n.º 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 125/2011, de 29 de dezembro.

  14. Atenta a natureza da relação jurídica existente entre o Autor e o Réu, ora Recorrente, é patente que a este último está vedada a possibilidade de dar ordens, impor iniciativas, ou mesmo modificar ou revogar os atos praticados por aquele embora lhe assista o poder de fiscalizar a legalidade e regularidade dos atos praticados pelo Autor.

  15. Assim, no caso concreto dos autos, e tendo tomado conhecimento de factos que, no entender do órgão de tutela, indiciavam a existência de ilegalidades quanto ao modo de organização e funcionamento da entidade tutelada, designadamente relacionados com o teor do Regulamento que define o regime de prestação de serviços dos docentes do Instituto Politécnico de Coimbra, não poderia deixar de diligenciar no sentido de repor a legalidade, exercendo para o efeito as suas competências.

  16. É pois, neste contexto que deve ser objeto de interpretação por esse Douto Tribunal o despacho impugnado nestes autos, proferido pelo Senhor Inspetor-Geral da Educação e Ciência e consubstanciado no ato de, em 15.11.2013 ter aposto sobre a informação I/03745/SC/13, de 14.10.2013 – cf. factos provados 5 e 6 – as afirmações “concordo” e “proceda em conformidade”.

  17. Ora, na parte conclusiva da referida informação elaborada pela IGEC, e sobre a qual recai o referido despacho, constata-se que ali era apenas proposto à consideração do Inspetor-geral que “…fosse dado conhecimento ao Senhor Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra…” do “…teor da informação elaborada pela Secretaria-Geral” (com o objetivo de…) “…de modo a fazer cessar, de imediato, o abono a título de horas extraordinárias, pagas por serviço letivo prestado por titulares de órgãos de gestão deste Instituto e das respetivas escolas que o integram, repondo a legalidade da situação em apreço…”.

  18. Nestes termos, deve ter-se por inegável que o primeiro objetivo do referido despacho era o de dar a conhecer ao Presidente do Autor a posição jurídica do órgão de tutela sobre a situação controvertida e que aquele entendia ser desconforme à lei.

  19. Ora, se quanto à prossecução de tal objetivo não se vislumbra como possa, por alguma forma, ter o ora Recorrente infringido quaisquer normas jurídicas que regulam o exercício do seu poder de tutela relativamente à conduta prosseguida pelo Autor… 23. Com o aditamento do segundo segmento - “e.g. “…de modo a fazer cessar de imediato o abono…” – pretendeu-se apenas esclarecer e especificar o sentido útil da transmissão ao Autor da referida posição jurídica sobre a situação controvertida, não encerrando a mesma qualquer ordem suscetível de ser entendida como reflexo de uma situação de hierarquia entre o órgão de tutela e o órgão tutelado ou qualquer outra que colocasse em causa a autonomia deste último.

  20. Milita a favor deste entendimento a circunstância de se extrair do facto provado 7, que o teor do ofício pelo qual foi transmitido o despacho impugnado não faz qualquer referência à necessidade de fazer “…cessar de imediato o abono…”, como seria curial se efetivamente aquele despacho consubstanciasse uma ordem.

  21. De facto, a menção ao “…solicitado na informação” em que era requerido fosse comunicado “… a esta Inspeção-Geral, com a máxima brevidade”, referia-se apenas ao segmento conclusivo da referida informação – cf. facto provado 6 – que se...

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