Acórdão nº 01974/13.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução20 de Outubro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO MJFS e AJFB vêm interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 3 de Dezembro de 2015, e que julgou improcedente a presente acção administrativa comum intentada contra o Hospital Magalhães de Lemos, e onde se solicitava que fosse o Réu condenado: “ (…) a pagar aos Autores a quantia de € 26 217,00 ( vinte e seis mil duzentos e dezassete euros) a título de indemnização pelos danos a eles causados, descritos na petição, acrescida de juros de mora, à taxa legal sucessiva em vigor, contados desse a data da citação até integral pagamento..”.

Em alegações os recorrentes concluíram assim: 1. As declarações prestadas no processo de averiguações mandado instaurar pelo Hospital de Magalhães Lemos [documento de fls. 54 a 118 / 208 a 259 do presente processo] e os depoimentos produzidos em audiência de julgamento pelas testemunhas Dr. VC, Enfermeiros VABS e JMPA e SM, sobre a matéria dos "temas da prova" [fls. 313] n.ºs 10 | – " condições físicas de acolhimento e de segurança de doentes admitidos sob mandado de condução, do Serviço de Intervenção Intensiva (SII) do Hospital R." – 11 | – "funcionamento dos serviços de vigilância e segurança do SII" - - e - 14 | – "Preparação do Hospital R. para o acolhimento de doentes com as características do VMFS" – impõem que seja dada como provada a seguinte matéria de facto: a) as câmaras de videovigilância instaladas nos Serviços do Hospital de Magalhães Lemos são fixas, não são de grande angular, apresentando ângulos mortos e não abarcando todos os espaços que visam, quer na vertical quer na horizontal, daí decorrendo situações frequentes de impossibilidade de visualização, através delas, de determinados doentes, em função da localização destes; b) em cada sala, há uma única câmara de videovigilância; c) apesar de existir uma câmara de videovigilância orientada para a zona onde se situa a porta de acesso à sala de refeições do SII, "a natural dinâmica de prestação de cuidados aos doentes internados ou em processo de admissão num Serviço com as peculiares características do SII nem sempre consente uma atenção permanente aos monitores."; d) quem observa "os vários corredores" do SII do Hospital de Magalhães Lemos, através das câmaras de videovigilância instaladas no respectivo edifício, "são os enfermeiros, que estão na sala central", "onde também estão a fazer a admissão de doentes"; e) essa observação não é permanente, porque, muitas vezes, há doentes e situações a que é preciso acorrer; f) os serviços de vigilância e de segurança das instalações do Hospital de Magalhães Lemos, à data dos factos objecto da presente acção, eram prestados por uma empresa externa a ele e consistiam no controle de entradas e saídas de doentes, visitantes, fornecedores e funcionários, "efectuado a partir da portaria principal", e no patrulhamento de toda a área hospitalar, "executado de modo aleatório no contexto dos momentos temporais de realização e dos locais de patrulhamento", não estando, para além das referidas acções de patrulhamento, prevista uma actividade de "«policiamento» permanente do recinto da instituição."; g) nos momentos imediatamente anteriores à fuga, VMFS "manifestava um «andar cambaleante, olhos fechados e postura sonolenta», efeito da medicação que lhe havia sido ministrada", sendo certo que o tipo de doentes como ele – "dependentes de drogas" – "são bastante resistentes à medicação", ao ponto de, apesar de estarem a dormir, "meia hora depois" poderem "acordar e ficar despertos"; h) a porta de entrada na sala de refeições do SII, através da qual VMFS logrou concretizar a fuga por arrombamento, "semelhantemente a todas as existentes [no] interior do SII", é de contraplacado, "facilmente vulnerável a um rápido estroncamento." 2ª A sentença recorrida não considerou provada a matéria de facto enunciada a fls. 494 v.º e segs., da qual não consta a referida nas alíneas a) a g) da conclusão anterior e julgou não provada a mencionada na alínea h) também da conclusão anterior.

  1. Assim decidindo, violou o disposto nos art.ºs 5.º/2, 410.º, 413.º e 414.º do Código de Processo Civil.

  2. Em 20-08-2010, foi admitido no Hospital de Magalhães Lemos, em cumprimento de um mandado judicial de condução, VMFS – utente exornado com um passado, entre 06-06-2010 e 20-08-2010, nos dois meses imediatamente anteriores, de cinco fugas desse mesmo estabelecimento hospitalar, "de forma violenta".

    5 º Aquando da admissão referida na conclusão anterior, VMFS foi submetido a um regime de observação intensiva – "observação de nível 1".

  3. O regime de observação prescrito para VMFS foi posteriormente alterado – ignora-se por decisão de quem, por que motivo e em que momento concreto – para um nível menos exigente.

  4. Cerca das 17:40 do dia 23-08-2010," VMFS, encontrando-se na zona social do SII do Hospital de Magalhães Lemos, arrombou a porta de entrada da sala de refeições desse Serviço, entrou para aí, estroncou uma janela, destruindoa parcialmente, e, pela bandeira, passou para o recinto exterior do estabelecimento, junto à entrada do Pavilhão Administrativo, onde se encontrava a autora (...) apoderou[-se] do seu carro, fugindo em grande velocidade" [sentença, fls. 496 e 509 v.º].

  5. O Hospital de Magalhães Lemos dispunha, então, de uma câmara de videovigilância instalada no SII, "orientada para a zona onde se situa a porta de acesso à sala de refeições do SII" – arrombada por VMFS, sem ser detectado – e transmitindo as imagens por ela captadas para monitores instalados na Sala de Trabalhos de Enfermagem do SII, sem, porém, que quem prestava serviço nessa Sala, também incumbido do visionamento desses monitores, tivesse conseguido localizá-lo.

    9.ºO denominado "sistema de videovigilância" instalado no Hospital de Magalhães Lemos compunha-se de um conjunto de câmaras instaladas uma por cada sala, mas não em todas as salas, dotadas de lentes de pequena abertura e longa distância focal.

  6. Os serviços de vigilância e de segurança das instalações do Hospital de Magalhães Lemos, à data dos factos objecto da presente acção, eram prestados por uma empresa externa a ele e consistiam no controle de entradas e saídas de doentes, visitantes, fornecedores e funcionários, "efectuado a partir da portaria principal", e no patrulhamento de toda a área hospitalar, "executado de modo aleatório no contexto dos momentos temporais de realização e dos locais de patrulhamento", não estando, para além das referidas acções de patrulhamento, prevista uma actividade de "«policiamento» permanente do recinto da instituição." 11.ª A porta de acesso à sala de refeições do SII, que VMFS arrombou, era, "semelhantemente a todas as existentes [no] interior do SII", de contraplacado, "facilmente vulnerável a um rápido estroncamento".

  7. E a janela da sala de refeições do SII, onde VMFS se introduziu, pela qual se escapou para o exterior do edifício, era frágil quanto bastasse para ser estroncada, sem recurso a instrumentos de arrombamento, demolição, desmontagem ou similares.

  8. Sobre o Hospital de Magalhães Lemos, impendia o dever de controlar VMFS, com uma permanente diligência – um dever de vigilância –, sem quebra da liberdade dele para além do justificável pelo tratamento de que carecesse, sem prejuízo do bom funcionamento dos serviços, sem violação da ordem e segurança pública e sem ofensa dos direitos de terceiros.

  9. Atentos os antecedentes de fugas de VMFS, impunha-se ao Hospital de Magalhães Lemos – ao pessoal ao seu serviço – representar o risco possível e, mais que isso, provável e, de entre os possíveis, os que, por não serem extraordinários ou fortuitos, ainda coubessem nas expectativas de um "avaliador prudente" – designadamente o dever de representar o perigo de VMFS fugir, de prever que tal poderia ocorrer com probabilidade e de prevenir a concretização desse risco assim representado, tomando as providências adequadas.

  10. Não obstante, a vigilância sobre VMFS foi diminuída e aligeirada e não se processou conforme a patologia dele exigia e segundo os desenvolvimentos previsíveis e expectáveis do seu estado psíquico.

  11. O pessoal ao serviço do Hospital de Magalhães Lemos, não prevendo nem representando a fuga de VMFS, omitiu o dever de vigilância e de cuidado que lhe incumbia.

  12. O circunstancialismo do caso e as regras de uma sã prudência impunham que o Hospital de Magalhães Lemos adoptasse uma conduta diversa.

  13. O Hospital de Magalhães Lemos incorreu, assim, em omissão ilícita e culposa [art.ºs 9.º/1 e 10.º/1, 2 e 3 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo art.º 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, e art.º 497.º do Código Civil (ex vi do estatuído no art.º 10.º do citado Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas).

    O recorrido notificado para o efeito, contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões: 1.

    A responsabilidade pretendida assacar pelo Autor ao réu é a responsabilidade por facto ilícito, designadamente por omissão do dever de vigilância; 2. São vários e cumulativos os pressupostos que condicionam a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, pelo que basta a falta de um deles para a ação improceder; 3. Sendo a culpa do lesante um elemento constitutivo do direito à indemnização, incumbe ao lesado a demonstração de dolo ou culpa grave; 4. Na opinião do réu/recorrido, os autores não conseguiram demonstrar e indubitavelmente provar esse pressuposto; 5. Concede-se que sobre os hospitais recaia ou impenda um dever de vigilância dos seus internandos por anomalia psíquica ou outra de foro psiquiátrico, protegendo-os inclusivamente de si próprios, sob pena de ser gerada uma obrigação de indemnizar.

    6. Um exercício pleno desse dever pressupõe que os doentes sejam confinados não lhes acarretem perigos e que o pessoal hospitalar os controle com uma...

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