Acórdão nº 01033/11.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente FAZENDA PÚBLICA, apela da sentença proferida em 02.05.2016, que julgou procedente a impugnação deduzida por A…, referente ao IVA dos anos de 2005 e 2006 na importância de € 106 849,84 e € 111 193,15 respetivamente.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, referentes aos exercícios económicos de 2005 e 2006, no montante de € 202.014,52, por a Administração Tributária (doravante, AT), haver concluído, resultante do apuramento de um conjunto de factos e provas, que determinadas facturas registadas na contabilidade da impugnante, não consubstanciam operações reais.

B. Considerou o Tribunal a quo que, para fundamentar a desconsideração das facturas em causa, “Daqui se conclui que não logrou a Administração Tributária fazer qualquer prova da verificação de indícios sérios que pudessem a correcção à matéria tributável ora em discussão, como lhe competia. Nestes termos, e não tendo aquela demonstrado o preenchimento de qualquer pressuposto legal que justificasse a sua actuação, não incumbirá ao impugnante, ao contrário do alegado pela AT, qualquer ónus probatório da veracidade da sua escrita, já que a presunção prevista no artigo 75º da LGT não chegou verdadeiramente a ser posta em crise.” C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que da prova produzida não é de extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, nomeadamente pela forma como valorou a prova produzida e constante do relatório de inspecção tributária (RIT), desrespeitado ainda as regras de repartição do ónus da prova, quer da matéria de direito, uma vez que não efectuou correcta subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 74º e 75º da LGT e do artigo 19.º, nº 3, do Código do IVA (CIVA), pelas razões que passa a expender.

Vejamos: D. Em primeiro lugar haverá que referir que o facto de as facturas existirem, especialmente nos presentes autos, só significa que os documentos foram elaborados.

E. Era fundamental que as transacções fossem demonstradas, o que em nosso entender não se verificou.

F. Analisada a prova testemunhal, ninguém afirma a existência em concreto de tais operações, G. Tanto assim, que a prova testemunhal não foi tida em consideração na formação da convicção do tribunal, H. pelo que nem as facturas constituem prova de qualquer aquisição de sucata.

I. Quando está em causa a correcção de liquidações de IVA por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de não consubstanciarem operações reais pela AT, tem sido entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime e sólido que, compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, J. Tendo o juízo da AT assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado nas facturas em causa não correspondem à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada.

Contudo, K. A lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à AT a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que reflectem, bastando indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade da contabilidade e dos respectivos documentos de suporte, a favor do contribuinte, L. não sendo necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do Código Civil, M. sendo bastante o recurso à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154 e Acórdão do TCAN, de 30/09/2014, processo n.º 00544/06.0 BEPNF.

N. Entendeu o Tribunal a quo que, no caso em concreto, a AT não logrou demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações constantes das facturas controvertidas não consubstanciavam operações reais, vulgo “facturas falsas”.

Todavia, O. Contrariamente ao sentenciado, entende a Fazenda Publica que a factualidade apurada e devidamente explanada no relatório de inspecção, nomeadamente, pela descrição da actividade desenvolvida pelos emitentes das facturas, incongruências evidenciadas nos documentos emitidos e analisados, declarações dos alegados “fornecedores” ou seus representantes legais e meios de pagamento utilizados, P. é convicção da Fazenda Pública terem sido reunidos factos idóneos e bastantes para se concluir que as visadas facturas não reportam custos correspondentes a operações reais.

Q. No tocante aos indícios, estes podem ser recolhidos tanto na esfera material e económica do utilizador das facturas (a impugnante) como também na esfera de quem as emite.

R. Ou seja, a constatação dos indícios de falsidade das facturas poderá ser efectuada em ambos os sujeitos das operações económicas, devendo, inclusive, direccionar-se preferencialmente ao emitente das facturas.

S. Ora, situando-se a origem da emissão das questionadas facturas nesse outrem, com quem o contribuinte fiscalizado se relacionou comercialmente, a objectiva dos serviços de inspecção tem, necessária e primeiramente, que direccionar-se para os concretos moldes em que o emitente das facturas actuou, procurando conferir a veracidade, a realidade, das operações que este inscreveu em tais documentos.

T. Ou seja, desde logo, a actuação de um emitente de factura, que se revele incompatível com a prestação de serviços ou venda de mercadorias referenciada em tal documento, consubstancia um suporte adequado a um juízo inicial de suspeita quanto à efectiva prestação desses mesmos serviços.

U. No caso de a mesma redundar na recolha de indícios fortes da ocorrência de transacções fictícias, obrigatoriamente, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desconsiderada com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro .

V. Em todo o caso, na situação sub judice, não fossem os indícios recolhidos no terreno dos emitentes das facturas desconsideradas, a factualidade apurada confronta-nos, ainda, com indícios significativos e, sobretudo, típicos dos procedimentos de utilização de “facturas falsas”, susceptíveis de serem preenchidos em função da específica e estrita actuação do aqui impugnante, factualidade essa, devidamente explanada e fundamentada no relatório da inspecção que o Tribunal a quo não atendeu na factualidade apurada pela AT.

W. Perscrutada a douta sentença, com o devido respeito por melhor opinião, deparamo-nos com uma análise da factualidade apurada pela AT, concluindo o Tribunal que por si só é insuficiente para suportar a conclusão a que chegou a AT.

Ora, X. A AT enunciou diversos factos indiciários que, em seu entender, são demonstrativos de que os emitentes das facturas em causa nos autos não venderam as mercadorias a que estas se referem.

Y. Importa salientar que, quando o que está em causa é uma análise compreensiva, e não parcelar, de todos os indícios no sentido de aferir se a actuação da AT se mostra materialmente fundamentada, é todo este conjunto de indícios que importa atender, como legitimadores da conclusão extraída pela AT.

Z. Analisados tais indícios no seu conjunto, parece-nos evidente que os mesmos são, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, claramente suficientes para suportar a conclusão pretendida pela AT.

AA. Aqui reside, com a ressalva do respeito, que é muito, o referido erro de julgamento.

BB. Recuando no iter procedimental, foi possível a AT apurar, em síntese, a seguinte factualidade com relevância para apreciação e decisão da causa, referindo, no entanto, estar a mesma devidamente explanada nos Capítulos II e III do relatório da inspecção junto aos autos, para o qual, por brevidade, remetemos, dando como reproduzido para todos os efeitos legais.

CC. A actuação do emitente de factura, que se revele incompatível com a venda de mercadorias referenciada em tal documento, consubstancia suporte adequado a um juízo inicial de suspeita quanto à efectiva realidade da venda mencionada na factura.

DD. Na verdade, a Administração Tributária, no relatório de inspecção relativo ao impugnante, ora recorrido, invoca factos, indícios concretos, relativamente aos emitentes das facturas, de que estamos perante facturas que não titularam reais operações materiais.

EE. Não produziu o Impugnante prova capaz de afastar a valia técnica e o valor probatório do Relatório da Inspecção Tributária.

FF. Se junto dos emitentes das facturas em causa nos presentes autos, a AT apurou factos, indícios fortes e concretos, acima enunciados, não pode a AT, com o devido respeito, extrair outra conclusão que não seja a de que as operações constantes das facturas descritas não correspondem à realidade.

GG. A AT, como lhe competia e, conforme comando contido no art. 74º, n.º 1 da LGT, que constitui uma transposição do art. 342º, n.º 1 do CC, cumpriu o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de actuação, i.e., do seu direito de tributar, devidamente explicitado no Relatório de Inspeção Tributária.

HH. O impugnante, por seu turno, não logrou demonstrar, como lhe competia, a materialidade das operações económicas postas em causa pela AT, i. e., que as operações tituladas pelas facturas, utilizadas para o exercício do direito à dedução efectivamente tiveram lugar, foram efectuadas pelas...

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