Acórdão nº 02720/14.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução26 de Maio de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A Cruz Vermelha Portuguesa - Centro Humanitário de Macieira Rates veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 03.02.2016, pela qual foi julgada parcialmente procedente a providência cautelar intentada pela T... - Construções, S.A.

para, no essencial, a requerida se abster de executar as garantias bancárias feitas a favor da Requerida, no valor global de 145.312,65 euros.

Invocou para tanto, em síntese, que: existe erro de julgamento da matéria de facto na alínea DD) dos factos provados, devendo aí dar-se como provado o valor de cerca de 145.000 euros como o necessário para a reparação dos defeitos existentes na obra em apreço, em vez do valor de 92.250 euros que aí consta e que foi fixado com base numa estimativa grosseira feita pelo Senhor Perito; em todo o caso o pedido cautelar deveria ter sido julgado improcedente em relação às duas garantias bancárias que totalizam o valor de 139.073,91 euros, única que assegura o cumprimento da obrigação de reparar as deficiências detectadas na obra levada a cabo pela Requerente.

A T... – Construções, S.A.

, por seu turno, interpôs também RECURSO JURISDICIONAL da mesma decisão.

Invocou, pelo seu lado, que: não tendo sido apurado o valor da reparação do que se considerou na sentença como defeito, mas por correspondência aos trabalhos previstos no caderno de encargos, o Tribunal não poderia ter fixado e admitido sem mais o valor de 92.500 euros; assim como não podia ter concluído pela culpa exclusiva do empreiteiro; por mal fundada a decisão em recurso, deverá a mesma ser revogada, sendo proferida decisão que ordena a baixa do processo para a) apurar ainda que sumariamente, os custos de reparação, considerando os termos de execução previstos no caderno de encargos e no projecto e b) definir, ainda que sumariamente, a culpa a atribuir pela escolha de materiais e ou soluções de projecto apontadas.

A Cruz Vermelha Portuguesa apresentou contra-alegações no recurso interposto pela T... – Construções, S.A. defendendo, em síntese e para o que ora interessa, a improcedência deste recurso.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso interposto pela Cruz Vermelha Portuguesa e negado provimento ao recurso interposto pela T....

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I.I. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional interposto pela Cruz Vermelha Portuguesa: 1. O objecto do presente recurso cinge-se à discussão da sentença da primeira instância na parte em que julgou «procedente o pedido de decretamento da providência no que respeita à garantia bancária n.º 36..., no valor de € 69.373,91 (sessenta e nove mil trezentos e setenta e três euros e noventa e um cêntimos)», deixando-se intocada a restante matéria em apreciação, que assim fica coberta pelo caso julgado e deve ter-se por irrepetivelmente decidida.

  1. A Recorrente impugna, desde logo, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre a matéria de facto julgada como provada, com vista à sua reapreciação e modificação pelo Tribunal ad quem (cf. artigos 690.º-A e 712.º do Código de Processo Civil).

  2. Concluiu o Tribunal, exclusivamente com base nos esclarecimentos orais prestados pelo Perito, que, «tendo em conta os valores de mercado, as obras de reparação de todas as situações referidas na alínea anterior rondarão os € 92.250,00, com IVA incluído» (alínea DD) dos factos provados), “devendo acrescer o valor aproximado pela reparação do poço de bombagem de águas residuais domésticas de € 1.250,00, o que perfaz, no total, € 93.500,00 (noventa e três mil e quinhentos euros)».

  3. Para fixar o valor de € 92.250,00, correspondente a € 75.000,00 acrescido de IVA à taxa de 23%, o Tribunal atendeu exclusivamente aos esclarecimentos orais prestados pelo Perito em sede de audiência de julgamento, sendo certo que o custo das obras não integrava o objecto da perícia, tendo tal valor sido aventado, numa estimativa grosseira e sem a necessária reflexão e cálculo, a instâncias dos mandatários, no contexto de tensão que é típico de uma audiência de julgamento.

  4. É a prova deste último facto, constante da alínea DD) dos factos provados, que merece a discordância da Requerida/Recorrente, devendo a resposta a tal ponto da matéria de facto ser alterada no sentido de se dar como provado que: «Tendo em conta os valores de mercado, as obras de reparação de todas as situações referidas na alínea anterior, incluindo ainda as relativas ao poço de bombagem de águas residuais domésticas, rondarão os € 145.000,00».

  5. A prova de que o valor das reparações necessárias orça cerca de € 145.000,00 resulta de prova documental apresentada aos autos pela Requerida, concretamente a estimativa orçamental provisória apresentada pela F... Group que, por referência aos defeitos encontrados até 07.05.2014, apontava para custos de reparação de € 103.205,90, valor que, aplicando-lhe o IVA à taxa em vigor, se cifraria em € 126.943,26, nele não se incluindo as despesas com projectos e serviços de fiscalização da obra.

  6. Porém, mesmo que se pudesse atribuir valor de prova plena às declarações do Perito sobre o custo das obras ¯ e não pode, porque a matéria em causa não era objecto da perícia, tendo o alvitre do Perito sido dado no contexto das instâncias dos mandatários, sem preparação ou estudo prévio ¯ sempre importa considerar que o referido Perito, Eng. MAVD, declarou expressamente não se incluir no indicado valor o custo a despender com a equipa de fiscalização ou com os projectos de execução, de pormenor e de execução que se revelariam necessários na identificação, conhecimento e resolução eficiente dos problemas detectados (vulgo os custos administrativos), assim como não estava incluído o custo da reparação do poço de bombagem de águas residuais.

  7. As despesas de elaboração de projectos e fiscalização das obras de reparação, não contempladas pelo Perito na sua estimativa, constituem custos obrigatórios e necessários à reparação dos defeitos encontrados e que se incluem no âmbito de responsabilidade da Requerente da providência (construtor).

  8. Estes custos acrescidos não existiriam caso a Requerente/construtora tivesse cumprido escrupulosa e escorreitamente as suas obrigações, destinando-se a caução a assegurar o exacto e pontual cumprimento das obrigações de reparação dos defeitos que sejam diagnosticados e reclamados durante o prazo de garantia, incluindo as atinentes à elaboração de projectos e a fiscalização das obras de correcção/reparação.

  9. Não tendo a Requerente logrado fazer prova de que entregou a obra sem vícios e que efectuou uma eficiente, adequada e correta aplicação dos materiais, necessariamente terá de ser responsável não só pela correcção das anomalias/defeitos detectados como pelos custos adicionais, administrativos que tal correcção importe (seja com a equipa de fiscalização, seja com os projectos de execução, de pormenor e de execução que se revelariam necessários na identificação, conhecimento e resolução eficiente dos problemas detectados), os quais terão necessariamente ser suportados à custa das garantias bancárias, aqui em causa.

  10. A conclusão de que tal obrigação de custeamento à custa das garantias bancárias prestadas é a que se extrai da correta e melhor interpretação do artigo 112.º, n.º 2, parte final do Decreto-Lei n.º 59/99 de 02.03.

  11. Em conformidade, tendo em conta a prova documental produzida, criticamente articulada com os esclarecimentos do Perito em audiência, sempre se teria que dar como provado que o custo da reparação de todos os defeitos diagnosticados à data da decisão da providência cautelar, incluindo a reparação do poço de bombagem e os custos administrativos (elaboração de projectos e fiscalização da obra), se cifra em quantia próxima dos € 145.000,00, alterando-se em conformidade a alínea DD) dos Factos Provados.

  12. Para o caso de o Tribunal entender que não havia elementos aptos a fixar tal valor com a segurança necessária à formulação do seu juízo cautelar, impunha-se a produção de prova adicional para o efeito - veja-se que não obstante ter sido Requerida, o Tribunal a quo indeferiu a produção de prova testemunhal na audiência de 30.11.2015 -, designadamente ordenando que sobre tal matéria se pronunciasse expressis verbis o Perito e procedendo à inquirição das testemunhas arroladas para se pronunciarem sobre tal matéria, devendo no cálculo desse valor ter-se em conta o preço dos serviços da equipa de fiscalização, bem como com os projectos de execução, de pormenor e de execução que se revelem necessários na identificação, conhecimento e resolução eficiente dos problemas detectados, julgando-se serem tais valores suportados à custa das garantias bancárias aqui em causa, que foram legitimamente accionadas 14. A decisão recorrida enferma ainda de erro na interpretação e aplicação do artigo 334.º do Código Civil ao caso em apreço.

  13. As garantias bancárias «à primeira solicitação» nos contratos de empreitada produzem uma espécie de «inversão do contencioso», deslocando o ónus da interposição da acção para o construtor que terá que agir judicialmente para reaver do dono da obra o que tenha desembolsado perante o banco na sequência do accionamento das garantias, se considerar que não há defeitos ou que não é por eles responsável.

  14. Por força da natureza típica das garantias autónomas «à primeira solicitação», a providência cautelar só estaria em condições de proceder se a Requerente (construtora) tivesse logrado apresentar «prova líquida e inequívoca de fraude manifesta ou abuso evidente do beneficiário» (o dono da obra).

  15. Não é esse manifestamente o caso, já que está amplamente provada nos autos a existência de graves defeitos de construção imputáveis à deficiente execução da obra por parte da construtora (Requerente), podendo concluir-se que a...

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