Acórdão nº 03717/15.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelH
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: CCM Recorrido: Município de Viana do Castelo Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 05-02-2016, que decidiu pela rejeição liminar do requerimento inicial de adopção de providência cautelar, pela manifesta falta de um pressuposto processual – patrocínio judiciário – que o requerente não supriu, mesmo depois de notificado para o efeito.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “i) A Sentença recorrida viola, mormente, o comando conjugado dos artigos 202.°, n.° 2, e 205.°, n.° 2, da Constituição, estatuindo a incumbência dos tribunais de assegurarem a defesa dos direitos legais dos cidadãos contra, sendo disso caso, as decisões ilegais de qualquer outra autoridade; ii) E viola, consequentemente, o princípio fundamental do processo equitativo, de par com a garantia de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, estatuídos no artigo 20.° também da Constituição; iii) Viola assim, sistematicamente, os princípios jusprocessuais da igualdade substancial das partes e do contraditório, estabelecidos no artigo 4.° e no artigo 3.°, respectivamente, do Código de Processo Civil, aplicável supletivamente por remissão do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Nessa esteira, iv) omite pronúncia sobre questões que deviam ser plenamente apreciadas, dessarte caindo sob a alçada da nulidade adjectiva prevista na alínea d), 1.ª parte, do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil: as questões decidendas subtraídas à tutela judicial efectiva são todas as seguidamente apontadas; v) A deliberação, datada ora de 1993 ora de 1995, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados publicitada através dos Editais n.° 449/2000 e n.° 2051/2001 do Bastonário constitui um acto administrativo nulo de pleno direito, porquanto desprovido de suporte em qualquer norma de direito público: contrário, portanto, ao preceituado no artigo 120.° do Código do Procedimento Administrativo então vigente. Com efeito, vi) em qualquer daquelas datas, o Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor (decretado em 1984) especificava, no n.° 1 do artigo 69.°, as actividades e funções incompatíveis com o exercício da advocacia, entre as quais não figura a função de revisor oficial de contas, e previa residualmente, na última alínea do mesmo preceito, outras incompatibilidades criadas por lei especial (o que, positivamente, nunca se verificaria), e não, em absoluto, por acto do conselho geral ou dalgum outro órgão da Ordem dos Advogados. Aliás, vii) desde Janeiro de 2014, à invalidade de tal deliberação no plano de jure acresce a falta de fundamentação de facto, porquanto o advogado em mira, exercitando um direito estatutário potestativo, suspendeu então voluntariamente aqueloutras funções ditas incompatíveis, até à requerenda declaração da nulidade apontada. Por consequência, viii) ao omitir pronúncia sobre a nulidade ex tunc dessa deliberação, alegada nos autos, a Sentença recorrida violou outrossim o artigo 162.°, o n.° 1 e o n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo actualmente em vigor; ix) Além de nula, a mesma deliberação tem a sua (ficta) eficácia suspensa por decretum judicial desde 2001, estado esse que, por força do disposto, em conjugação, nos artigos 28.°, n.° 1, a contrario, e 79.°, n.° 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos ao tempo aplicável, permanece actual. Por consequência, x) ao não reconhecer a ineficácia jurídica da deliberação em causa, alegada nos autos, a Sentença recorrida violou, ademais, essa dupla norma substantiva; xi) Independentemente da ineficácia e da invalidade da mesma deliberação, o advogado com a inscrição suspensa por incompatibilidade poderá encontrar-se (ilicitamente) impedido de exercer a advocacia a título profissional, não de advogar em causa própria: conforme assente pelo Supremo Tribunal de Justiça em 2000, no caso de autopatrocínio a incompatibilidade é de ter por inoperante. Por consequência, xii) ao desconsiderar este julgado de tribunal superior, documentado nos autos, a Sentença recorrida violou, ademais, o artigo 8.°, n.° 3, do Código Civil; xiii) Independentemente de inscrição activa no quadro geral da Ordem dos Advogados, qualquer advogado inscrito na vigência do primeiro Estatuto interno pode — nos precisos termos do artigo 164.°, n.° 1, desse diploma, estabelecendo um direito legalmente adquirido qua tale expressamente resguardado pelo artigo 81.° do Estatuto actual, decretado em 2005 — praticar, desde o início do estágio, actos próprios da profissão de advogado em causa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes. Por consequência, xiv) ao recusar este direito pessoal do advogado signatário, expressamente invocado, a Sentença recorrida violou, ademais, o normativo estatutário indicado; xv) Independentemente de inscrição activa no quadro geral da Ordem dos Advogados, qualquer advogado — mercê do princípio hermenêutico da identidade de razão, argumento a pari — pode advogar pro domo sua, tal-qualmente o podem os magistrados judiciais e do Ministério Público, nos termos dos respectivos estatutos, sem necessidade de inscrição na ordem profissional em causa. Por consequência, xvi) ao recusar este direito pessoal ao advogado signatário, que expressamente o invocou, a Sentença recorrida aplicou a norma do n.° 1 do artigo 61.° do vigorante Estatuto da Ordem dos Advogados segundo uma dimensão materialmente inconstitucional, por violação do princípio fundamental da igualdade, ou não discriminação, consagrado no artigo 13.° da Constituição da República; xvii) Todo o cidadão civilmente capaz goza, universalmente, do direito fundamental à autodefesa judiciária, densificado desde o processo penal — por alcance dos tratados internacionais e supranacionais englobados na previsão do artigo 8.° da Constituição Portuguesa — no sentido de que é o acusado quem exerce efectivamente o direito de defesa, limitando-se o eventual advogado da sua parte a assisti-lo tecnicamente, sem que a aceitação ou solicitação dessa assistência qualificada envolva renúncia ou impedimento do próprio para se defender per se. Tal direito — em virtude do princípio hermenêutico da maioria de razão, argumento a fortiori — é extensivo a todo e qualquer processo judicial. Por consequência, xviii) ao não conceder ao cidadão e advogado intervindo nos autos em causa própria esse direito processual fundamental, de conhecimento oficioso obrigatório, a Sentença recorrida viola, supinamente, os artigos 6.°, n.° 3, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 14.°, n.° 3, do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos e 48.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, xix) todos e cada um de per si consagrando um direito, de teor absoluto nuclearmente idêntico, que — pela dupla via do valor supralegal dos respectivos diplomas e, mormente, pela sua recepção in totum como direito fundamental de natureza análoga a constitucional, no artigo 17.°, directamente aplicável na ordem interna, por força do n.° 1 do 18.°, ambos da Constituição — derroga, tácita mas inquestionavelmente, todo o normativo infraconstitucional doméstico — designadamente, os artigos 64.° e 70.° do Código de Processo Penal, 40.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, 11.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 83.°, n.° 1, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional — que preceituam o patrocínio judiciário obrigatório, quod erat demonstrandum.

Fundadas razões por que, tudo visto, fazendo no caso, como é seu apanágio, sã e inteira justiça, o augusto Supremo Tribunal ad quem dignar-se-á, em sucessão: A) Revogar liminarmente a indouta Sentença recorrida; B) Admitir, acto contínuo, o Advogado portador da cédula profissional n.° 3613-P, abaixo-assinado, a, de todo legitimamente, pleitear nos presentes autos, onde intervém em causa própria, expressamente reconhecendo, erga omnes, que: a) a suspensão administrativa da inscrição dele procede de acto nulo ipso jure et ipso facto, tolhido, em acúmulo, pela suspensão judicial da sua eficácia aparente decretada ad perpetuum; b) a suspensão do exercício da advocacia por motivo de incompatibilidade é inoperante em caso de autopatrocínio, e, em geral, o impedimento de advogar em causa própria seria discriminatório dos advogados relativamente aos magistrados e outros licenciados em Direito, que não carecem de inscrição em ordem profissional alguma para poderem legalmente advogar pro domo sua ou em acção oficial; e, c) muito principalmente, a proibição indiscriminada do exercício do jus postulandi pro se, ainda que prevista na legislação ordinária ou até com valor reforçado nacional, jaz totalmente abatida pelo atinente direito internacional de ordem constitucional primando na ordem interna; C) Determinar, consequentemente, ao Tribunal a quo que, com a citação para o procedimento cautelar em pendência, competentemente, mande outrossim notificar a Entidade Requerida para, em prazo também urgente a fixar, promover o imediato levantamento da suspensão da inscrição do senhor Advogado requerente.”.

O Requerido Município foi citado e deduziu oposição e apresentou contra-alegações de recurso, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo elaborado conclusões, aqui se vertem: “I. Existem inúmeras decisões judiciais anteriores que apreciaram e se pronunciaram sobre o caso do recorrente – umas apenas quanto à questão processual sobre a qual se pronunciou a decisão recorrida, e outras sobre a própria validade da deliberação que determinou a suspensão da respectiva inscrição na Ordem dos Advogados - e que não podem deixar de ser consideradas.

  1. A última delas data de há menos de um mês e foi proferida por este Venerando Tribunal, mais concretamente, através de Ac. de 19/2/2016, P. 02579/15.3 BEBRG, sumariado nos seguintes termos: “I -...

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