Acórdão nº 00190/09.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução04 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Município do Porto veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 17.06.2011, pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa especial intentada por MGAA contra o recorrente, tendo-se anulado o acto impugnado, a deliberação proferida pela Câmara Municipal do Porto, em 7 de Outubro de 2008, nos termos da qual foi decidido aplicar à Autora a pena disciplinar de inactividade pelo período de um ano, por padecer de falta de fundamentação e julgado improcedente o pedido de condenação do Réu ao arquivamento dos autos.

Invocou para tanto, em síntese, que o acto impugnado não padece do vício de forma – falta de fundamentação – que lhe foi assacado.

Foram apresentadas contra-alegações pela Autora a defender a manutenção da anulação por vício de forma como decidido pela primeira instância.

MGAA veio por seu turno interpor também RECURSO JURISDICIONAL da referida sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação do Réu no arquivamento dos autos.

O Município do Porto contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão nesta parte.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional do Município do Porto:

A) O dever de fundamentação dos actos administrativos é um dever relativo, cuja exigência se deve adequar ao acto administrativo em concreto, mas também ao seu destinatário, de forma a apurar-se se este último estava em condições de compreender os motivos que levaram à emissão do acto e o sentido que este tomou.

B) Estando em causa a aplicação de uma sanção disciplinar, na sequência de procedimento disciplinar, não pode ser comparada a um cidadão médio, uma arguida que era jurista interna do Recorrente, com mais de 20 anos de antiguidade nas suas funções, tendo já tido inúmeras intervenções em procedimentos disciplinares, inclusive, na qualidade de instrutora, e que estava, assim, amplamente familiarizada com o enquadramento legal aplicável ao caso em concreto, nomeadamente o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local e as penas disciplinares aplicáveis.

C) O acto administrativo que aplicou à Recorrida a pena disciplinar de inactividade remetia para o relatório final elaborado pelo instrutor, onde constavam todas as circunstâncias factuais e jurídicas (apreciação da culpa, gravidade da conduta, personalidade da arguida, funções exercidas, circunstâncias atenuantes e agravantes) que conduziram à apreciação do acto, divergindo somente deste último no que diz respeito à pena disciplinar a aplicar, que considerou excessiva e, assim, decidiu-se aplicar uma não extintiva do vínculo funcional.

D) Nas hipóteses em que a pena disciplinar se situa dentro de um círculo de penas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu, pelo que, sendo legalmente aplicável a pena disciplinar de demissão, seria também aplicável, com base nos mesmos fundamentos, pena disciplinar de menor gravidade, designadamente a pena de inactividade.

E) Face à hierarquia das penas disciplinares, tal como as mesmas estavam elencadas no artigo 11.º do Estatuto Disciplinar, sob a epígrafe “escala das penas”, estando fundamentada a aplicação de uma pena disciplinar mais gravosa, a aplicação de uma pena disciplinar menos gravosa não carecerá de fundamentação acrescida, porque mais favorável ao arguido.

F) Quando a fundamentação é apta para fundamentar a aplicação de pena que provoque ruptura na relação funcional (como o Recorrente sempre entendeu e o Tribunal também entendeu em face do juízo que fez acerca da gravidade das infracções), não releva alteração decisória em favor do funcionário, quando a alteração se traduz em transformar ruptura definitiva em ruptura transitória.

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional da Autora MGAA: A. O teor da defesa apresentada, no âmbito do processo disciplinar D/26/07, é da exclusiva responsabilidade do Advogado signatário.

B. Um dos princípios fundamentais da advocacia é o da independência e daí o carácter eminentemente pessoal do exercício da mesma.

C. Assim, as expressões e inferências que constam da defesa subscrita pelo Advogado não podem servir de base ao levantamento de um novo processo disciplinar contra a Recorrente.

D. O entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, nesta matéria, coloca em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais: (i) da demandada, ao atentar contra o disposto no artigo 20.º, n.º 2 da Constituição e (ii) do seu Advogado ao restringir o direito ao livre exercício da profissão, consagrado constitucionalmente nos artigos 47.º, n.º 1 e 208.º; E. Com efeito, há que reconhecer ao Advogado uma ampla liberdade de expressão e actuação na defesa da causa que lhe está confiada, sob pena da ameaça constante de reacções criminais em nome da tutela da honra.

F. Em concreto, o Advogado signatário limitou-se a descrever, de forma genérica, um determinado ambiente de trabalho que lhe foi relatado pela cliente e do qual retirou as suas próprias ilações.

G. Por conseguinte, não faz sentido penalizar a cliente pelo modo como o seu Advogado entendeu conduzir o mandato forense.

H. Acresce que a índole das declarações em causa não consubstancia qualquer atentado grave à honorabilidade dos superiores hierárquicos, dado não terem sido ultrapassados quaisquer limites de decoro ou dignidade.

I. Isto porque, estão apenas em causa um conjunto de juízos interpretativos sobre contextos e motivações psicológicas, que jamais podem enquadrar uma conduta injuriosa.

J. Aliás, a propositura de um processo disciplinar com tais fundamentos configura um abuso de poder dos seus proponentes por manifesta falta ou insuficiência de motivação.

K. Por outro lado, o mandato judicial não pode ser equiparado ao contrato típico e nominado regulado no Código Civil, em virtude do interesse público da catividade em causa como participante activa na administração da justiça.

L. Como tal, não tem cabimento a tese segundo a qual a não revogação do mandato por parte da constituinte constitui uma aceitação tácita dos moldes em que o patrocínio judiciário foi exercido.

M. Não havendo, deste modo, a prática de qualquer ilícito disciplinar deve ser julgado procedente o vício de erro nos pressupostos de direito do ato administrativo que determinou a aplicação da sanção de inactividade, pelo período de um ano, à Recorrente; N. Em consequência, o ato pretendido de arquivamento dos autos é um ato predominantemente vinculado, pelo que assiste ao Tribunal o poder de condenar a Administração na prática do ato administrativo devido, em ordem ao princípio da plenitude dos poderes jurisdicionais.

* II – Matéria de facto.

Ficaram provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem reparos nesta parte (reproduzindo-se aqui mais extensamente alguns dos documentos ali dados por reproduzidos):

  1. A Autora é técnica superior consultora jurídica do Município do Porto – facto admitido por acordo das partes.

  2. No dia 6 de Maio de 2008 foi proferido despacho pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto, nos termos do qual foi determinado a instauração de processo disciplinar à Autora – cfr. fls. 3 do processo administrativo.

  3. No dia 11 de Junho de 2008 foi elaborada acusação – cfr. fls. 42 a 52 do processo administrativo que se dão por reproduzidas – e da qual se extrai o seguinte: “(…) No presente processo disciplinar, a que foi atribuído o n.° 0/14/08, instaurado por decisão do Exmo. Senhor Presidente da Camara Municipal do Porto proferida em 6 de Maio de 2008, no qual fui nomeado Instrutor, deduzo acusação contra MGAA, funcionária municipal, n.º mecanográfico 4..., técnica superior consultora jurídica principal.

    Porquanto se mostram suficientemente indiciados nos referidos autos que:1.ºA arguida é funcionária municipal desde 5 de Dezembro de 1988, exercendo, desde essa data, as suas funções de Técnica Superiora Consultora Jurídica.

    1. No passado dia 10 de Abril de 2007, a arguida foi afecta ao Julgados de Paz do Porto para aí desempenhar as funções de técnica de atendimento no contexto das obrigações municipais relativas aos recursos humanos daqueles, nos termos do disposto no artigo 11.° do Decreto-lei 9/2004, de 9 de Janeiro.

    2. Na sequência de participação disciplinar dirigida ao Município do Porto por um dos Juízes de Paz do Porto, a Sra. Dra. FM, foi instaurado contra a Sra. Dra. MGAA um processo disciplinar, que correu termos sob o n.° D/26/07 e que já se encontra findo, tendo desaguado na aplicação de uma sanção disciplinar pelo período de 120 dias.

    3. No âmbito desse processo disciplinar, a referida funcionária apresentou, no final do mês de Janeiro, uma defesa escrita em cujos artigos 48º a 55º se podiam ler afirmações de enorme gravidade, seja contra o Juiz de Paz que lavrou a participação disciplinar que dera origem a esse processo, seja contra o Departamento Municipal, Jurídico e de Contencioso (doravante DMJC), seja contra a sua directora, seja, ainda, contra o departamento de recursos humanos, as quais são aqui transcritas: “48Foi então - a 23.Outubro.2007 - que a Directora do DM.IC foi ao Julgado de Paz, pelas 12h30, reunir com a Dra FC.

      49E fê-lo com o objectivo de pedir a elaboração de uma participação disciplinar contra a Arguida...

      50Na verdade, como decorre do teor da participação, esta não foi redigida espontaneamente, mas a pedido (‘conforme solicitado”..).

      51Aparentemente, caíra mal, no DMJC, a impugnação judicial, deduzida pela Arguida em Setembro de 2007, do resultado do concurso para Assessora...

      52Outros actos revelam essa má vontade: ainda não foi notificado à Arguida o despacho de homologação da classificação de serviço do ano...

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