Acórdão nº 00764/13.1BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução10 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 30/06/2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M… e F…, titulares dos NIF 1…e 1…, respectivamente, com domicílio fiscal na Rua…, Valongo, contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada quanto à liquidação adicional n.º 2012 4004859414, relativa ao IRS do ano fiscal de 2008, no montante de €5.305,62, que compreende a liquidação de juros compensatórios no montante de €587,50.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “A. Julgou a douta sentença recorrida procedente, a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2008, identificada com o n.º 2012 4004859414 e respectivos acréscimos legais - que compreende o valor do imposto de € 4.718,12 e dos juros compensatórios de € 585,50, por haver concluído, enfermar o acto tributário de vício de violação de lei consubstanciado na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo impugnante a título de ajudas de custo.

  1. Para assim decidir entendeu o Tribunal a quo, que «O entendimento propugnado pela AF, que originou o ato de liquidação impugnado, enferma de vício de violação de lei (…) face à fundada dúvida sobre a qualificação do facto tributário, determina-se a anulação da liquidação oficiosa de IRS referente ao ano e 2008 e respectivos juros compensatórios, no que respeita ao ora impugnante (…) O ato de liquidação impugnado enferma dos vícios que lhe são imputados pelo que se reconhece a ilegalidade do mesmo por insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo impugnante a título de ajudas de custo.» C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não se conforma a Fazenda Pública com o assim doutamente decidido, na senda aliás do propugnado pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público que se pronúncia pela improcedência desta acção, porquanto considera existir erro de julgamento de facto e de direito, carecendo de sentido a(s) apontada(s) ilegalidade(s).

  2. A Autoridade Tributária (doravante, AT) considera, que o montante em causa - no total de € 25.940,38, pago ano de 2008 -, constitui remunerações provenientes de trabalho por conta de outrem, prestado ao abrigo de um contrato de trabalho, sendo por isso considerado como rendimento de trabalho dependente, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS, que não foi declarado, e por isso ocorreram as correcções designadas de técnicas ou aritméticas.

  3. Ao contrário da decisão recorrida, considera a Fazenda Pública que a AT não se limitou a determinar o enquadramento fiscal daquela verba, tendo alegado e provado os factos fundamentadores ou enformadores do acto tributário como se percebe pelo teor do Relatório de Inspecção Tributária, corolário do procedimento inspectivo credenciado pelo Ordem de Serviço n.º OI201202406, constante de fls. 30 e sgs. do PA., donde decorre a consideração, como rendimento de trabalho, dos montantes recebidos pelo Impugnante marido a título de ajudas de custo, no ano de 2008.

  4. Na verdade, apuraram os Serviços de Inspeção que “…os locais de trabalho, determinados nos contratos (…), coincidiam com os locais onde o trabalhador prestou o serviço…”, inexistindo fundamento para o pagamento de qualquer importância a título de ajudas de custo.

  5. Apuraram ainda, que faltavam muitos dos documentos justificativos de tais ajudas de custo - mormente os boletins de itinerários - e, bem assim, que a empresa C... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços, Lda. (doravante, C..., Lda.), entidade patronal do Impugnante marido, suportava encargos relacionados com a deslocação, alojamento e alimentação dos seus trabalhadores deslocados, (i) contabilizando tais valores como deslocações e estadas, (ii) contabilizando igualmente os valores de ajudas de custo pagos aos trabalhadores, independentemente da apresentação de documentos comprovativos dessas despesas.

  6. Primordialmente, cabe realçar, que após o cotejo dos dados coligidos em sede inspectiva foi entendido que os montantes atribuídos ao Impugnante marido/recorrido não podiam ser aceites como ajudas de custo, na medida em que o local de trabalho era o constante do contrato laboral, inexistindo as deslocações que justificavam o pagamento de qualquer importância a título de ajudas de custo.

    I. Pese embora, viesse afirmado (vide artigos 33.º da PI) que o Impugnante marido foi contratado para exercer funções em Amora, Seixal, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton), a mesma não é corroborada com o conteúdo dos documentos recolhidos pela AT, aquando da ação inspectiva.

  7. Com efeito, no confronto entre o Contrato de Trabalho celebrado entre o Impugnante marido e a C..., Lda., junto como Documento 3 à PI e o “Mapa de Pagamentos por Empregado (Resumo)”, junto a fls. 23 a 25 do PA., surgem diversas incongruências, que de seguida de elencam, à semelhança do que em momento oportuno se deixou expresso na Contestação.

  8. No referido “Mapa de Pagamentos por Empregado (Resumo)”, percebe-se que os montantes pagos ao Impugnante como sendo de ajudas de custo pressupõem a laboração em dias não úteis (31 dias em julho, 29 dias em outubro e 29 dias em novembro, etc.) mas, estranhamente, não ocorreu qualquer pagamento pela prestação de trabalho suplementar naqueles meses. Ademais, o contrato celebrado previa, expressamente, que o Impugnante devia respeitar as leis do Estado “…em que se encontrar destacado…”, denotando que ab initio a sua vigência não estava pensada para Portugal. (cf. Cláusula Oitava do contrato junto à PI de impugnação, sob a forma de Documento 3).

    L. E, na verdade, no ano de 2008, e ao serviço da C..., Lda., o Impugnante apenas trabalhou em Inglaterra (Southampton).

  9. Não sendo junto pelos Impugnantes, qualquer documento que indicie que o Impugnante marido tenha prestado serviço em Amora durante o ano de 2008, um único dia, o que só por si põe por terra a argumentação de que o seu domicílio profissional seria no Seixal e, que a ser assim redundaria na improcedência da argumentação usada.

  10. Por outro lado, como referido supra, os Serviços de Inspeção no decurso da acção inspectiva verificaram que muitos dos boletins de itinerários estavam em falta e alguns dos existentes não se encontravam sequer assinados, o que coarta a possibilidade de admissão das quantias alegadamente pagas a título de ajudas de custo como custos de exercício, na esfera jurídica da C..., Lda..

  11. Ora, a inexistência de elementos de prova que permitam concluir à AT, no exercício do seu poder - dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, por parte dos contribuintes, pela realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, será suficiente para que englobe os respetivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.

  12. Para que assim não sucedesse, sempre os aqui Recorridos, poderiam demonstrar que tais quantitativos correspondiam, efectivamente, à compensação por despesas de deslocação que o marido suportou, fazendo-o mesmo em substituição da sua entidade patronal, sendo a forma mais direta de se proceder a tal demonstração é através da prova documental, designadamente, através dos respetivos boletins de itinerário, cf. se decidiu no Acórdão do TCAS de 29.03.2011, proferido no Processo n.º 04592/11.

  13. Ante a ausência de prova que contrariasse a veracidade das correcções prosseguidas no procedimento de inspecção e, depois em sede da reclamação graciosa e sede judicial, bem andou a AT.

  14. Segundo a Jurisprudência e da Doutrina, é entendimento de que “as ajudas de custos visam compensar o trabalhador por despesas efetuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado e daí que não sejam tributadas em sede de IRS”, cf. o Acórdão do STA de 23.04.2008, proferido no Processo n.º 01055/07, de entre muitos outros.

  15. A característica essencial das ajudas de custo é o seu caráter compensatório, visando o reembolso ao trabalhador das despesas que foi obrigado a suportar, em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ocasionais ao serviço desta. Esse caráter compensatório tem subjacente a existência, por parte do trabalhador, de “deslocações do seu domicílio necessário por motivos de serviço”, vide n.º 1, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril.

  16. Como o domicílio necessário do ora Impugnante foi, durante todo o ano de 2008, Southampton, em Inglaterra e, verificando-se que este não foi deslocado do seu domicílio profissional, porque na verdade, nunca teve outro domicílio profissional senão naquela cidade inglesa, não fazia qualquer sentido o pagamento de quaisquer importâncias a título de ajudas de custo pela entidade patronal, visto que o ora Recorrido/Impugnante foi contratado, precisamente, para exercer funções num local previamente determinado, fixado no contrato de trabalho e que deve ser considerado como o seu domicílio necessário.

  17. Visualizando, o “Mapa de Pagamentos por Empregado (Resumo)”, confirma-se que todos os meses em que esteve ao serviço da C..., Lda., no ano de 2008, o Impugnante marido recebeu sempre Ajudas de Custo, o permite concluir que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular, sem qualquer interrupção o que claramente lhes retira o caráter ocasional, pois que as verdadeiras...

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