Acórdão nº 01324/15.6BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução07 de Julho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório C…, LDA.

, com o NIPC 5…, e melhor identificada nestes autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 21/05/2013, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC dos anos de 2001 e 2002, no valor de €20.846,64.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “I. A taxa aplicada de RFV de 5% resultou de mera arbitrariedade, desarticulado da realidade económica e contabilística da recorrente, não constando do Relatório Final do PA quaisquer factos objectivos e concretos que justificassem a fixação daquele coeficiente, II. Donde resulta a falta de fundamentação da liquidação e da aplicação da referida taxa de rentabilidade fiscal de 5%.

  1. A recorrente viu o seu IRC dos anos de 2001 e 2002 corrigido com recurso a métodos indirectos, determinando-se a aplicação da taxa de RFV de 5%, "apurando-se, deste modo, um lucro tributável que entendemos razoável e aceitável para a actividade e de forma indirecta os custos inerentes a mesma, para os anos de 2001 e 2002", por aqui se ficando a fundamentação, no que briga com a escolha do indicado coeficiente.

  2. A fundamentação dos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos é um dever constitucional imposto a administração pelo n.° 3, do art. 268.° da CRP, devendo revelar as razões que estiveram na base da decisão administrativa, e a indicação dos pressupostos de facto e de direito que levaram a decisão.

  3. O dever de fundamentação procedimental tributário consta ainda nos arts. 77.° e 84.°, n.° 3, da LGT, 63.° RCPI e nos arts. 124.° e 125.° do CPA.

  4. A decisão de tributação por métodos indirectos é legítima apenas nos casos e com os fundamentos previstos nos arts. 87.° a 90.° da LGT, devendo especificar-se os motivos da impossibilidade da comprovação e da quantificação directas da matéria tributável, indicando os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável (n.° 4, do art. 77.°, da LGT).

  5. Decidindo-se pela aplicação de métodos indirectos, que deve ser fundamentada, a Administração Tributária (AT) deverá de seguida decidir relativamente aos critérios de quantificação escolhidos indicando-os e justificando-os, na fundamentação, em termos que permitam aferir a sua adequação e racionalidade, conforme resulta do n.° 3, do art. 84.° da LGT.

  6. Só assim se cumprirá o principal desígnio da fundamentação que é, primacialmente, o de permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, possibilitando-lhes a opção consciente e informada entre a aceitação do acto tal como foi praticado e a sua impugnação.

  7. A AT, depois de ter indicado as razões pelas quais justificou o recurso a métodos indirectos de avaliação, sustentou que “para determinarmos o resultado tributável iremos trabalhar com uma Taxa de RFV de 5%, apurando-se, deste modo, um Lucro Tributável que entendemos razoável e aceitável para a actividade", sem fornecer quaisquer outras explicações ou critérios acerca da referida taxa de 5%, não constando dos autos a exposição dos motivos que justificam a aplicação dessa taxa, no concreto caso da empresa da Impugnante, ora recorrente, ou por que razão não seria mais adequada uma taxa inferior ou superior a essa, X. Daí que se sustenta que este critério consubstancia mera arbitrariedade, constituindo um mero número percentual, completamente desarticulado da realidade económica e contabilística da sociedade, não tendo podido sequer a impugnante infirmar um juízo que não encontrou em lugar algum, tendo justamente faltado, por isso, a fundamentação.

  8. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (n.° 2, do art. 104.°, da CRP), devendo evitar-se a tributação excessiva (art. 100.º, do CPPT), bem como tributar por defeito, por força do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais (art. 30.°, n.° 2, do LGT).

  9. A AT decidiu aplicar uma taxa de 5% por "entender" que conduzia a uma tributação "razoável e aceitável", não indicando nenhum critério que levasse a entender dessa maneira, o que nos faz concluir pela falta de fundamentação, ou, quando muito, pela insuficiência da mesma.

  10. Desta feita, acha-se verificado o invocado vício de falta de fundamentação, o que implica a anulação do acto (ver, no mesmo sentido, Acórdão de 29-6-2004, proferido no processo n.° 0463/04, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz, designadamente, o seguinte: "II - Essa fundamentação, se basta para que se entenda a razão por que não foi mantida a margem de lucro considerada pela Administração, não é suficiente para que se perceba por que foi adoptada a de 9%, e não qualquer outra, abaixo de 15%"), XIV. Tendo o Tribunal a quo, decidindo como decidiu, violado o disposto no arts. 266.° da CRP, 77º, n.ºs 3 e 4 e 84.°, da LGT, 63.° RCPI, e 124.° e 125.° do CPA, disposições legais que estipulam o dever de fundamentação procedimental tributária, que inclui a obrigatoriedade de indicação dos critérios utilizados na avaliação da matéria tributável (cfr. art. 77.°, n.° 4, da LGT), só assim sendo passível aferir da sua adequação e racionalidade (cfr. art. 84.°, n.° 3, da LGT).

  11. Neste seguimento, deve a decisão sob recurso ser substituída por douto acórdão que reconheça o invocado vício, anulando consequentemente o acto impugnado.

    TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO INTEGRALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADO, DANDO-SE POR VERIFICADO O INVOCADO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E DETERMINANDO-SE A ANULAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO EM CRISE.” ****Não houve contra-alegações.

    ****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

    ****Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    ****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento no concernente ao dever de fundamentação dos critérios utilizados na avaliação indirecta da matéria tributável.

  12. Fundamentação 1. Matéria de facto Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Para apreciar as questões suscitadas, importa assentar a seguinte matéria de facto: 1 – A impugnante foi objeto de uma fiscalização por parte dos Serviços de Inspeção Tributária de Aveiro, respeitante aos exercícios económicos dos anos de 2001 e 2002, conforme relatório constante do PA de fls. 4 a 14 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

    2 – A impugnante tem por objeto social a “indústria transformadora da cortiça”.

    3 – No seguimento da ação inspetiva identificada em 1), foram efetuadas correções em sede de IRC para os anos 2001 e 2002 e ora impugnadas.

    4 – Os fundamentos para as correções em causa, encontram-se exarados no relatório identificado em 1), cujos extratos a seguir se transcrevem na parte relevante para apreciar a questão suscitada pela impugnante “(…)Constatamos que a sociedade “C…” nos exercícios de 2000, 2001 e 2002 declarou ter realizado transacções com fornecedores constantes da aludida notificação a saber: (…) E…, Lda., (…) Cork…, Lda.

    (…)Junta-se informação elaborada na sequência dos procedimentos de inspecção levados a efeito às sociedades Cork… e E…, empresas dos mesmos sócios, onde se prova que estas sociedades estão indiciadas no crime de fraude fiscal pela utilização e emissão de “Facturas Falsas”(…) e cujos pontos mais significativas passamos a descrever: (…)Prática continuada de crimes fiscais perpetrados pelos gerentes das sociedades acima identificadas; (…)As compras registadas pelas sociedades E... e Cork... nos anos de 1999 a 2002 são, na sua quase totalidade, suportadas por facturas falsas; (…)Confrontado o gerente, com o facto da quase totalidade das compras registadas estarem suportadas por facturas timbradas em nome de “pseudo-fornecedores”, o mesmo respondeu que tem a noção de que foi enganado, o que não acreditamos, pelo facto de todos eles serem já bem conhecidos no meio há bastantes anos; (…)Todas as compras suportadas por este tipo de facturas eram pagas sempre em dinheiro, apesar dos elevadíssimos montantes envolvidos; (…)Após o início do procedimento de inspecção a estas empresas, o qual durou quase um ano, não mais se registaram movimentos de entradas e/ou saídas de carros carregados com cortiça ou produtos derivados, o que evidencia bem o tipo de actividade que estas empresas desenvolviam efectiavmente.(…)Como atrás já foi referido a C… contabilizou nos exercícios de 2001 e 2002, diversas facturas das sociedades “E... e Cork...”, a saber: (…)Analisadas em pormenor as compras efectuadas pela “C...” às...

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