Acórdão nº 00509/12.3BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução15 de Julho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO Nos autos acima referenciados em que são Autores JOMA e esposa, MDRP e Ré EDP Distribuição-Energia, S.A., todos neles melhor identificados, foi proferido Despacho Saneador que julgou o Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos formulados na alínea B) da petição inicial e, em consequência, absolveu a Ré da instância quanto aos mesmos.

Desta decisão vem interposto recurso pelos Autores.

Alegando, formularam as seguintes conclusões: 1ª. No despacho ora em análise o Tribunal “a quo” apoia a sua posição na decisão do Tribunal de Conflitos de 19.06.2014, processo n.º 9/14. Contudo, a situação retratada nos autos não pode ser comparada àquela que esteve na base da decisão daquele acórdão, mas sim à situação objecto do litígio subjacente ao Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 10/07/2012, proferido no processo n.º 03/12.

  1. No caso daquele acórdão de 19.06.2014, o que está em causa é uma acção de condenação contra a EDP Distribuição de Energia, SA, peticionando-se uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos, pela constituição de uma servidão administrativa aérea de passagem de energia eléctrica de alta tensão sobre um prédio de que os autores são proprietários, acrescida dos juros de mora. Nesse caso, entendeu o Tribunal dos Conflitos que a competência material compete aos tribunais judiciais.

  2. Na situação retratada nos presentes autos o que se pretende não é o mero arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário do prédio serviente pela oneração imposta ao seu direito de propriedade, implicando substancial degradação do valor venal do imóvel, mas sim uma acção contra a concessionária de serviço público fundada na ilegalidade da sua actuação, ao instalar postes de alta tenção num prédio dos AA, cabendo, nestes casos, a competência aos Tribunais Administrativos (acórdão do Tribunal dos Conflitos de 10/07/2012, proc. 03/12).

  3. O objecto da presente acção não se reporta exclusivamente à efectivação de pretensão indemnizatória fundada na obrigação de indemnização de danos causados por facto lícito.

  4. Assim, o pedido principal tem como pressuposto a qualificação da actuação da entidade demandada como ilegal e atentatória do direito de propriedade dos AA.

    Significa isto que a acção proposta não é uma acção destinada a efectivar, em exclusivo, a obrigação de indemnizar, resultante de um acto lícito.

  5. É pois a legalidade da sua actuação como concessionária que se discute na presente acção, o que a insere no âmbito da competência dos tribunais administrativos, nos termos do disposto na al. d) do n° 1 do artigo 4° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

  6. Segundo o Tribunal “a quo”, resulta do DL 43335 que os danos resultantes da constituição da servidão administrativa são indemnizáveis, cabendo recurso da decisão quanto ao valor da indemnização para os tribunais judiciais.

  7. Retiramos daquele preceito legal que o valor da indemnização é fixado por arbitragem, cabendo da decisão que derivar da arbitragem recurso para os tribunais judiciais.

  8. Contudo, aquele dispositivo legal, neste concreto, não pode ser aplicado, porque o mesmo vale apenas para o recurso judicial da decisão proveniente da arbitragem, o que não está aqui em causa, visto não ter havido nenhuma arbitragem, uma vez que nem sequer se aceitou a actuação da Ré como lícita.

  9. A Ré é concessionária do serviço público de transporte de energia eléctrica, sendo as suas actividades consideradas, para todos os efeitos de utilidade pública [art. 16º nº 2 e art. 30º do Dec. Lei nº 185/95, de 27/7 (diploma este alterado pelo art. 4º do Dec. Lei nº 56/97, de 14/3), e Base IV das bases da concessão da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctric].

  10. A RÉ actuou como concessionária do serviço público de transporte de energia eléctrica.

  11. Pela lógica seguida pelo Tribunal “a quo”, entendendo o mesmo não ser competente para o julgamento dos pedidos subsidiários feitos pelos AA, considerando que tal competência cabe aos tribunais judiciais, esses pedidos deveriam ser remetidos para aquela jurisdição (pedido que por precaução já foi feito pelos AA, nos termos do n.º 2, do art. 99.º do CPC, caso o presente recurso não proceda).

  12. Os AA quando elaboraram a sua acção fizeram os pedidos subsidiários precisamente para salvaguardar que, caso não se considerasse a actuação da Ré ilegal, sempre lhes seria fixada a indemnização correspondente aos danos sofridos pela prática do acto lícito.

  13. Não podem agora os AA/Recorrentes verem coarctado o seu direito a serem indemnizados, passado já tanto tempo do momento em que propuseram a acção, só porque o Tribunal “a quo”, após os articulados e diversas diligências, ter declinado a sua competência.

  14. Daí que os mesmos não abdiquem que, caso os pedidos subsidiários não sejam julgados pelo Tribunal “a quo”, o possam ser pela jurisdição (alegadamente) competente.

  15. O Tribunal “a quo” esquece-se que os Tribunais Judiciais só poderão arbitrar a indemnização por acto lícito, se se concluir que a expropriação ocorrida é lícita. Pelo que sempre estarão dependentes da decisão daquele tribunal relativamente ao pedido principal.

  16. De qualquer forma sempre se dirá que a decisão do Tribunal “a quo” viola ostensivamente as normas do nº 1 do artigo 20º e do nº 4 do artigo 268º, conjugadas com o disposto no nº 2 do artigo 18º da CRP, na medida em que restringe, de forma desproporcional, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.

  17. Esta acção começa por dar entrada nos Tribunais judiciais, tendo estes declinado competência. Os autos são remetidos à jurisdição administrativa que se considerou competente para o julgamento da causa. Só passados cerca de dois anos é que o Tribunal “a quo”, apoiando-se numa decisão do Tribunal de Conflitos posterior a interpretação à entrada em juízo da presente acção (acórdão de 19/06/2014, no processo n.º 9/14) decide julgar-se incompetente em razão da matéria para a apreciação dos pedidos subsidiários.

  18. Vêem-se agora os AA numa situação que lhes coarcta o seu direito de acesso aos tribunais, uma vez que os pedidos subsidiários realizados não são apreciados, não por negligência sua (muito pelo contrário: intentaram a acção nos cíveis e depois nos administrativos), mas sim porque, volvidos dois anos do processo ter sido remetido para os Tribunais Administrativos tendo os mesmos se declarado competentes e tendo sido realizadas várias diligências, este Tribunal veio agora decidir que já não é competente.

  19. É fundamental ter em conta que os AA, com a decisão recorrida, podem ficar privados de ver reconhecido o seu direito a uma indemnização pelos danos sofridos pela actuação da Ré (caso o pedido principal não proceda), à qual sempre teriam direito por via da servidão administrativa.

  20. Esta violação do princípio da proporcionalidade e do direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos, constitucionalmente garantido é ainda mais notória se tivermos em conta que esta acção já deu entrada na jurisdição comum, dessa foi remetida para a administrativa, que se declarou competente e que agora, apoiando-se numa decisão posterior não só à propositura da acção, mas também à remessa da mesma para os tribunais administrativos, decide declinar a competência para conhecer dos pedidos subsidiários, apesar de estes não existem separadamente do pedido principal, desde logo porque os mesmos só podem ser analisados se e na medida em que este pedido não proceda.

  21. Já nem sequer se coloca a possibilidade de, caso o presente recurso não seja procedente, o que só por mero dever de raciocínio se equaciona, o Tribunal “a quo” não remeter aos tribunais judiciais os pedidos subsidiários para que aí possam ser julgados, uma vez que, nesse caso, o segmento ou interpretação normativa que seriam extraídos pelo Tribunal “a quo” do artigo 4.º do ETAF [n.º 1, al. d)], conjugado com o artigo 42.º do DL 43335, no sentido de que, tendo a acção sido inicialmente proposta nos tribunais judiciais, que se declararam incompetentes em razão da matéria, o tribunal administrativo não deve admitir a remessa do processo para os tribunais judiciais, num momento em que a acção já não pode ser intentada naqueles tribunais, seria inconstitucional por violar os artigos 18.º/2 e 20.º/1 da Constituição, ou seja, por constituir um restrição do direito a uma tutela jurisdicional efectiva desrespeitadora das exigências associadas ao princípio da proporcionalidade.

  22. Sem prescindir, sempre se dirá que é hoje dominante, na Doutrina e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, a interpretação no sentido que o art. 212º da Constituição consagra uma reserva relativa, um modelo típico, que deixa à liberdade do legislador ordinário a introdução de alguns desvios, aditivos ou subtractivos, desde que preserve o núcleo essencial do modelo constitucionalmente definido, segundo o qual o âmbito regra da jurisdição administrativa deve corresponder à justiça administrativa em, sentido material.

  23. Ora, a entrega aos tribunais administrativos da competência para conhecer os pedidos de indemnização por danos emergentes de actos de gestão...

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