Acórdão nº 00374/12.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução01 de Julho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: JAS, id. nos autos, interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Viseu, que julgou improcedente acção administrativa especial - tendo por objecto (originariamente e em ampliação) a impugnação de deliberações que renovaram suspensão preventiva - contra Grupo de Gestão da Comissão para a Eficácia das Execuções [Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça – Lei nº 77/20013, de 21/11].

Conclui da seguinte forma: 1ª Nos presentes autos está em causa a impugnação das decisões que, depois de terem suspendido preventivamente o arguido por três meses, prorrogaram essa medida cautelar por mais seis meses, num total de nove meses de suspensão preventiva.

2ª Salvo o devido respeito, os actos impugnados – que procederam às prorrogações das medidas cautelares foram proferidos ao abrigo de uma norma orgânica e materialmente inconstitucional – o nº 4 do artº 165º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores -, pelo que o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento, tendo, em violação do disposto no artº 204º da Constituição, aplicado norma inconstitucional.

3ª Na verdade, o nº 4 do artº 165º do ECS foi introduzido pelo DL nº 226/2008, o qual, por sua vez foi emanado ao abrigo da autorização legislativa dada pela Lei nº 18/2008, a qual, no entanto, não permitiu que fosse estabelecido um regime desviante em matéria de medidas cautelares relativamente ao regime comum dos trabalhadores públicos ou mesmo relativamente ao regime que já constava do nº 1 do artº 165º do ECS – que limitavam a medida cautelar de suspensão preventiva a um máximo de três meses -, pelo que é notória a inconstitucionalidade do nº 4 do artº 165º por ausência de autorização legislativa.

Acresce que, 4ª O nº 4 do artº 165º do ECS é ainda materialmente inconstitucional por violação do princípio da presunção da inocência, consagrado no nº 10 do artº 32º da Constituição, uma vez que legitima que quem se presume inocente possa estar suspenso preventivamente - e, como tal, privado do seu trabalho e do seu meio de subsistência - ad eternum ou, pelo menos, por mais de três anos - v. que o estatuto nem sequer estabelece um prazo máximo para a dedução da acusação ou para o encerramento do procedimento disciplinar, para além dos prazos ali enunciados serem meramente ordenadores, como é jurisprudência pacífica - o que, em muitas situações, é mais tempo do que aquele pelo qual pode ser punido com uma pena disciplinar, razão pela qual tal preceito é inconstitucional até por as medidas cautelares não poderem deixar de ter um prazo definido e previamente determinado (v., neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA, in A Privatização da Função Pública, 2004, pag. 316).

Acresce que, 5ª É pacífico que “…é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido…” (v. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, pág. 363), pelo que também a medida cautelar de suspensão de funções só será admissível se for acautelada a prévia audição do arguido (v., neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA, in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, 2º ed., pág. 234).

Consequentemente, 6ª É ainda notório o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso ao não anular os actos impugnados por violação do nº 1 do artº 165º do ECS – que impõe que a medida cautelar de suspensão preventiva seja precedida da audiência do arguido -, sendo, aliás, verdadeiramente caricato que o Tribunal a quo assim tenha decidido com o argumento de que tal norma não é aplicável aos agentes de execução, sobretudo quando esse mesmo Tribunal fora bem claro ao reconhecer que lhes era aplicável o nº 4 daquele mesmo preceito – o que significaria que a parte desfavorável da norma era aplicável mas a parte favorável já não o era – e quando em parte alguma resulta da lei qualquer intenção de só aplicar aos agentes parte da normação ali consagrada.

Para além disso, 7ª A suspensão preventiva só pode ser decretada se a infracção imputada ao arguido puder ser punida com pena de suspensão ou superior (por força do disposto no nº 2 do art.º 165º do ECS, que remete para o art.º 142º do EC), pelo que sendo as deliberações impugnadas completamente omissas quanto à infracção que em abstracto poderia ser aplicável ao Recorrente – a qual, inclusive, até poderia ser inferior à pena de suspensão ou apenas legitimar uma suspensão por prazo inferior ao da duração das medidas preventivas -, é por demais manifesto não estarem reunidos os pressupostos exigidos pelos artºs 142 e 165º do ECS para se poder suspender preventivamente ou para prorrogar a medida cautelar de suspensão preventiva do Recorrente, pelo que o aresto em recurso enferma de erro de julgamento ao considerar improcedente semelhante vício.

Por fim, 8ª Mesmo que por hipótese se entendesse que era constitucional a norma que permitia a prorrogação de uma medida cautelar para além dos 90 dias e que tal medida pudesse perdurar ad eternum ou por vários anos, a verdade é que, no mínimo, sempre se teria de considerar que a aplicação de tal medida e as suas prorrogações teriam de demonstrar estarem preenchidos no caso concreto os pressupostos de que depende a sua aplicação, o que é o mesmo que dizer que se teria de demonstrar que a infracção em causa era, em abstracto, punível com pena igual ou superior à pena de suspensão e, para além disso, ainda de demonstrar a razão pela qual se estava a prolongar por mais tempo essa mesma medida cautelar.

9ª Porém, as decisões impugnadas não só não referiam qual a pena que em abstracto podia corresponder à infracção imputada ao arguido – e que era pressuposto essencial para se saber se podia tal medida cautelar ser aplicável - , como nem sequer indicam um único motivo pelo qual se considera fundamental que se prolongue a medida cautelar por mais três meses e depois por outros três meses -, limitando-se a referir que “subsistirem dúvidas” e que há factos que “necessitam de esclarecimentos adicionais” (e que nem sequer se enunciam quais sejam) – pelo que era notório não estarem tais actos fundamentados em conformidade com o prescrito nos artºs 268º/3 da Constituição e 124º e 125º do CPA, daí resultando o erro de julgamento e que incorreu o Tribunal a quo ao julgar improcedente o vício de falta de fundamentação.

Foram apresentadas contra-alegações, que assim finalizam: 1.º - As deliberações da Entidade Requerida, de suspensão preventiva de funções do Recorrente como Agente de Execução e de bloqueio das movimentações a débito das contas clientes, foram tomadas ao abrigo do disposto nos arts. 124º, 125.º e 131.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS).

  1. - Tais deliberações fundaram-se na existência de fortes indícios da prática de ilícitos disciplinares pelo Recorrente.

  2. - Do relatório elaborado após a 1.ª diligência de fiscalização extraordinária presencial à atividade do Recorrente – ordenada na sequência de participação relativa à conduta do Recorrente enviada pelo DIAP de Coimbra -, em 17/11/2011, resultaram fundadas dúvidas sobre a regular gestão das contas-clientes, falta de conciliação bancária entre as contas clientes de que o agente de execução é titular no Millennium BCP, e foi detetada a aplicação de multas ao Recorrente por diversos Magistrados Judiciais.

  3. - A Comissão de Fiscalização notificou o Recorrente para que este esclarecesse, por escrito, os movimentos a débito e a crédito assinalados nos extratos bancários, movimentos de € 31.223,67 (referente aos movimentos sinalizados da “Conta-clientes Executados2) e de € 220.556,30 (referente aos movimentos sinalizados da “conta-cliente antiga”).

  4. - A 16/12/2011, realizou-se a 2.ª diligência de fiscalização extraordinária presencial, tendo a Comissão de Fiscalização detetado novas irregularidades, como a existência de processos com saldo que seria insuficiente para liquidação das obrigações decorrentes do processo judicial, designadamente do processo n.º 76/07.0TBRSD.

  5. - A 12/01/2012, o Grupo de Gestão da Requerida analisou os 3 Relatórios Preliminares e Parciais da Comissão de Fiscalização (diligências de fiscalização de dias 17/11/2012, 09/12/2011 e 16/12/2011), e deliberou, por unanimidade instaurar processo disciplinar ao Recorrente.

  6. - Mais deliberou conceder ao Recorrente o direito ao contraditório, para esclarecer, corrigir ou sanar a irregularidade na movimentação relativa à eventual existência de saldo contranatura verificado na conta-cliente do Millennium (conta-cliente antiga) decorrente do Processo Judicial n.º 76/07.0TBRSD, sob pena de imediata suspensão preventiva de exercício das suas funções de Agente de Execução.

  7. - A resposta do Recorrente não foi considerada bastante para cumprimento da correção e sanação da acima referida falta de provisão/saldo contranatura da conta-corrente do Processo Judicial n.º 76/07.0TBRSD, porque o Recorrente não repôs a quantia em falta, nem remeteu à CPEE os comprovativos e/ou a justificação dos movimentos que efetuou, apesar de notificado para tanto.

  8. - Confessou o Recorrente que no âmbito da sua atividade não pratica qualquer conciliação bancária, e que o saldo bancário da conta-cliente n.º 45248027568, do Millennium BCP, em 31/10/2011, era de apenas € 79.548,62, faltando o remanescente até perfazer, pelo menos, os € 130.000,00 afetos ao referido processo judicial n.º 76/07.0TBRSD.

  9. - Mais confessou o Recorrente que utilizara dinheiro recebido no âmbito do referido processo judicial para, alegadamente, pagar quantias em outros três processos judiciais, afirmando que tal diferença seria “compensada” porque os pagamentos desses processos judiciais estariam “assegurados”, o que se veio a constatar ser falso.

  10. - Pelas razões descritas, a 19/01/2012, o Grupo de Gestão deliberou por unanimidade, aplicar ao Recorrente a medida cautelar...

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