Acórdão nº 01107/06.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução07 de Outubro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO O Município do Porto interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum, com processo ordinário, proposta pela sociedade M&SS, S.A., com sede na Rua …, e, em consequência, o condenou no pagamento a esta da quantia de € 1,149.505,89, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Nas alegações concluiu assim: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum proposta pela sociedade M&SS, SA contra o Município do Porto, condenando o Réu ao pagamento da quantia de € 1.149.505,89, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

  1. Fundou-se o tribunal recorrido em acordo celebrado entre a Autora e o então Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, por via do qual este último se terá obrigado a envidar todos os esforços necessários para a “(…) isenção de quaisquer taxas de compensação de loteamento pela eventual não cedência de áreas ao domínio público” (cláusula 5.ª) e para a “(…) aplicação as taxas de loteamento e construção previstas no RGTL publicado na II.ª Série do DR n.º 237, Apêndice 121, de 11 de Outubro de 1999 e demais diplomas em vigor à data de 15 de Outubro de 2001” (cláusula 6.ª).

  2. Em concreto, entendeu que a liquidação das taxas municipais promovida pelo Réu, no valor de € 1.435.843,60, configura um incumprimento por este das mencionadas cláusulas do acordo na parte em que excede € 286.337,72, que constitui o que seria devido pela Autora, a título de taxas municipais pela realização operação urbanística, ao abrigo do acordo celebrado, com o que condenou o Réu no respectivo pagamento.

  3. Como precedente prévio, julgou o tribunal a quo não se tratar o acordo em causa – como então alegado pelo Réu, aqui Recorrente – de contrato nulo, 5. Andou mal o tribunal a quo na sentença posta em crise, quer quanto à consideração de que o acordo invocado não é nulo, quer ainda, e também, quanto a ter declarado existir incumprimento contratual por parte do Réu, mais propriamente, de incumprimento do disposto nas cláusulas 5.ª e 6.ª do dito acordo.

  4. A sentença recorrida, aludindo à diferença entre os casos de actos objecto juridicamente impossível e os casos de actos geradores de efeitos proibidos pela ordem jurídica, afirma que “no presente caso, não estamos em boa verdade numa situação de impossibilidade jurídica, mas sim perante um contrato cujo vínculo jurídico envolveu a assunção de obrigações por parte do Réu, alegadamente, não passíveis de serem autorizadas pelo Vereador do Pelouro do Urbanismos e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto” (página 15 da sentença recorrida), 7. Segundo o decidido, enquanto no caso dos primeiros – de objecto juridicamente impossível – estaria em causa nulidade enquadrável no artigo 133.º, n.º 2, alínea c) do CPA), relativamente aos segundos – de objecto proibido – o mesmo já não se verificaria, pois que, quanto a esses, não estará propriamente em causa uma impossibilidade jurídica, mas a desconformidade com a lei, em relação aos quais há que apurar em concreto a sanção cominada pela lei para a sua verificação.

  5. Considerando o facto de o contrato aqui implicado constituir contrato com objecto passível de acto administrativo, para o qual a lei estabelece o regime da invalidade próprio dos actos administrativos (cfr. artigo 185.º, n.º 3, alínea a) do CPA), e de no direito administrativo a invalidade dos contratos contrários à lei não revestir, por regra, a nulidade, mas a anulabilidade (cfr. artigo 133.º e 135.º do CPA), o tribunal a quo sustenta que as desconformidades legais invocadas pelo Réu ao acordo implicado nos autos, constituindo vícios de violação de lei que “(…) a verificarem-se seriam cominados com a forma mais ligeira de invalidade, ou seja, anulabilidade”.

  6. Se do ponto de vista abstracto nada há apontar ao percurso lógico empreendido pelo tribunal a quo, o mesmo não se verifica quanto à conclusão formulada de que as específicas desconformidades legais especificamente invocadas pelo Réu não ferem o referido acordo de nulidade.

  7. De resto, apesar de literalmente apontar para que tenham sido representados todos os vícios assacados pelo Recorrente ao acordo, o tribunal a quo acaba por os reconduzir à mesma e única questão de estarmos perante “um contrato, cujo vínculo jurídico envolveu a assunção de obrigações por parte do Réu, alegadamente, não passíveis de ser autorizadas pelo Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade da Câmara Municipal do Porto”.

  8. As questões postas pelo aqui Recorrente, não se quedam, porém, no facto de o Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade não ter competência para assinar o acordo em questão, o que, efectivamente, implicaria a anulabilidade do contrato, nem de o Município não poder resultar vinculado às obrigações ali vertidas, designadamente nas cláusulas 1.º, 5.º e 6.º.

  9. Para lá da questão relativa ao órgão autárquico que outorgou o acordo e da respectiva competência, não pode ter lugar - senão com a violação grave, muito grave, de vários princípios e normas jurídicas. a vinculação de uma pessoa colectiva pública à não adopção, por um lado, e à adopção, por outro, de actos administrativos desconformes com os regulamentos municipais.

  10. De facto, o regime de isenção e redução do pagamento de taxas, estabelecendo as situações e entidades potencialmente beneficiárias, a competência para a sua concessão/redução, bem como, os requisitos e procedimentos a observar, encontra-se taxativamente previsto no Capítulo III do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais, e do mesmo modo, a liquidação das taxas devidas deve ser feita de acordo com as normas regulamentares em vigor à data em que ocorreu o facto tributário.

  11. Ao obrigar-se num caso concreto a desaplicar o aludido regulamento - seja por via da concessão a isenção (cláusula 5.ª), seja pela aplicação ao facto tributário de regras diferentes, no caso mais favoráveis, que as previstas no regulamento municipal em vigor (cláusula 5.ª) -, o Recorrente estaria, não só, mas desde logo, a violar o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, segundo o qual “(o) que à administração não é permitido fazer, no que toca a regulamentos externos, é derrogá-los sem mais em casos isolados, mantendo-os em vigor em todos os restantes casos”.

  12. Ademais, resultariam também violados os princípios legalidade (artigo 3.º do CPA) e da igualdade (artigo 4.º do CPA), na medida em que o princípio da legalidade, como defendeu Afonso Queiró, quanto à Administração “(…) só lhe permite agir nos termos da lei geral e naqueles que ela mesma fixe, segundo habilitação legal, em termos genéricos” e o princípio da igualdade impede que “(…) aplicar um regulamento a todos os casos possíveis menos a um ou dois pode redundar em situações de desigualdade sem fundamento material bastante”.

  13. Os serviços municipais estavam, aliás, por força dos aludidos princípios, e muito particularmente por força do princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), legalmente impedidos de dar cumprimento às mencionadas cláusulas 5.ª e 6.ª do acordo.

  14. A violação flagrante – como ocorre no caso - dos sobreditos princípios não pode cominar-se senão com a invalidade mais grave, a nulidade.

  15. Não obstante a invalidade regra no direito administrativo ser a anulabilidade, a nulidade não se reconduz ao elenco meramente exemplificativo de casos descritos no n.º 2 do artigo 133.º do CPA e o n.º 1 do mesmo artigo 133.º do CPA estabelece uma cláusula geral de nulidade que destaca os actos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, mas também “aqueles a que falte qualquer dos elementos essenciais”.

  16. Entendendo-se como tais não só “os actos administrativos que careçam de elementos que, no caso concreto, devam considerar-se essenciais, em função do tipo de acto em causa ou da gravidade do vício que o afecta (…), mas também “(…) o acto que esteja inquinado com o vício anormal ou particularmente grave (…)”, 20. Consagram as alíneas a) e c) do número 2 do artigo 95.º da Lei n.º 169/99, de 11 de Janeiro, que “são igualmente nulas”: a) As deliberações de qualquer órgão dos municípios e freguesias que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas ou mais-valias não previstas na lei; (…) c) Os actos que prorroguem ilegal ou irregularmente os prazos de pagamento voluntário dos impostos, taxas, derramas, mais-valias, tarifas e preços.

  17. Sendo nulas as deliberações de qualquer órgão municipal que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas ou mais-valias não previstas na lei e, além disso, sendo nulos os actos que prorroguem ilegal ou irregularmente os prazos de pagamento voluntário dos impostos, taxas, derramas, mais-valias, tarifas e preços, não pode, igualmente, deixar de reputar-se nulo o acordo no qual um município garante, em primeiro lugar, a isenção, sem se estribar em qualquer das isenções previstas no respectivo regulamento municipal, de certas taxas municipais devidas por determinada operação urbanística e, em segundo lugar, a aplicação de taxas diferentes das vigentes à data do ocorrência do respectivo facto tributário.

  18. Andou mal o tribunal recorrido ao julgar que o acordo visado nos autos não seria nulo, mas anulável.

  19. Ainda que o acordo em questão não fosse nulo e se encontrasse consolidado na ordem jurídica - o que não se concebe, nem aceita, senão por escrúpulo de patrocínio, nem assim poderia o tribunal ter concluído pela existência de incumprimento contratual por parte do Réu.

  20. De facto, infere-se do comportamento da Autora que a mesma se conformou com...

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