Acórdão nº 00080/03-Porto de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório C..., S.A.

, com o NIPC 5…, e melhor identificada nestes autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 29/10/2010, que julgou improcedente a impugnação judicialcontraa liquidação adicional de IRC do ano de 1996.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzemde seguida: 1. “O presente recurso vem interposto da douta sentença que negou provimento ao pedido da impugnante, ora recorrente, sendo que esta entende, em total oposição, que os pedidos formulados na petição inicial merecem integral provimento.

  1. Está em causa o facto de a douta sentença em recurso ter acolhido a posição da AF de desconsideração para efeitos fiscais dos seguintes custos, que a recorrente havia como tal contabilizado e incluído na respectiva declaração de rendimentos mod/22: (i) seguros de acidentes pessoais – Esc. 321 371$; (ii) deslocações e estadas – Esc. 334 927$; e (iii) trabalhos especializados – Esc. 3 100 000$ 3. A sentença considerou que “Não se provou que os custos contabilizados a título de deslocações e estadas e avaliação imobiliária, tenham sido suportados pela impugnante, porque nenhuma prova foi apresentada nesse sentido”, quando, na realidade, nunca a AF sequer levantou a questão de os custos terem ou não sido suportados.

  2. Ao contrário (nas diversas fases dos procedimentos administrativos e nos próprios autos) sempre a AF procedeu e alegou (quanto a todas as verbas que estão em causa) como se os custos tivessem sido suportados pela recorrente – no que aliás foi corroborada pelo Ministério Público – sustentando antes a sua posição, ao abrigo do art.º 23.º do CIRC, na alegada não indispensabilidade dos custos.

  3. Aliás, na mesma secção do mesmo TAF do Porto (no processo n.º 79/03.22 – onde, quanto à mesma matéria de facto estabelecida por via do mesmo relatório da IT, se discutia a liquidação de IVA) foi precisamente reconhecido, quanto aos custos relativos a trabalhos especializados, que “a AF questiona, apenas, a necessidade do custo suportado pela impugnante para a sua actividade e obtenção dos proveitos”.

  4. De resto, sendo certo que os custos em causa estão contabilizados (por isso é que a AF levantou problema do apuramento do lucro tributável), acontece que a AF não questionou minimamente a verdade da escrita – limitando-se a desconsiderar a relevância fiscal de determinados custos, pelo que a presunção de verdade de que a mesma goza nos termos do art.º 75.º da LGT não foi minimamente beliscada; e tanto bastaria, se necessário fosse, para dever considerar-se provado que os custos foram suportados.

  5. Assim, tendo a sentença errado no estabelecimento dos factos, deve ser alterado o probatório, fixando-se que os custos foram suportados pela recorrente, e reconhecer-se que a fundamentação da liquidação impugnada não tem nada a ver com qualquer hipótese de os custos não terem sido suportados.

  6. Os custos com seguros de acidentes pessoais devem ser considerados para efeitos fiscais porque o beneficiário em caso de morte é a própria empresa, condições em que os custos são efectivamente indispensáveis à potencial obtenção dos proveitos, que, se efectivos, serão efectivamente tributados.

  7. Os custos com deslocações e estadas dizem respeito à deslocação a Itália de trabalhadoras da M..., associada da C…, sendo que esta, enquanto representante da marca Benetton em Portugal tinha de facto trabalhos a executar em Itália (desde logo os contactos com os titulares da marca e a assistência à apresentação de novas colecções), o mesmo não acontecendo com a M....

  8. O aproveitamento do pessoal da M... no quadro dos interesses do grupo consubstancia uma acertada decisão de gestão, que numa perspectiva global melhora o nível de utilização dos recursos.

  9. Estes custos foram suportados no quadro dos interesses empresariais da C... e são notoriamente necessários à formação dos seus proveitos, numa perspectiva global de relacionamento com o fornecedor, com o mercado e com as condicionantes e potencialidades do negócio.

  10. A circunstância de as trabalhadoras pertencerem aos quadros da M... (ou a qualquer outra sociedade) não determina que os custos suportados por causa de trabalhos realizados para a C... não possam ser considerados por esta para efeitos fiscais.

  11. Os custos com trabalhos especializados referem-se a uma avaliação imobiliária que foi encomendada pela C... à J..., com vista a sustentar uma reorganização empresarial por si encabeçada e para a qual, aliás, o Ministro das Finanças chegou a conceder à C... (a requerimento desta) os benefícios fiscais previstos no DL 404/90, reconhecendo assim o interesse económico que a reorganização tinha para o desenvolvimento da actividade da requerente (a C...) – conforme os documentos que se juntaram em fotocópia, invocando em acréscimo que a própria AF possui uma versão dos mesmos.

  12. A C... encomendou a avaliação em causa à J..., enquanto promotora do projecto de reorganização empresarial, e era a si que, como contratante com o prestador dos serviços, tinha que ser emitida a factura, sendo que, quando muito, poderia pôr-se, depois, a questão da repartição dos custos pelas restantes sociedades do grupo.

  13. A própria AF, logo de início no Relatório que fundamenta a liquidação que vem impugnada, entende que o que está em causa é a medida em que custo deveria (na sua maneira de ver) imputado a cada uma das empresas envolvidas no projecto de reestruturação, quando escreve que “continua por comprovar o custo que efectivamente deveria ser incorrido por cada uma das empresas do grupo” 16. Mesmo que não fosse caso de a C... suportar em definitivo a totalidade dos custos do serviço que encomendou e pagou à J..., seria sempre a C... que responderia perante a J..., só ela podendo contabilizar os custos facturados pela J... e deduzir o IVA constante das facturas, que nunca poderiam ser emitidas para quaisquer outras entidades, sendo, quando muito, caso de a seguir ela própria facturar a cada uma das outras empresas a parte que cometeria a cada uma destas – e isso quando as empresas existissem, se viessem de facto a existir, porque a reorganização incluía mesmo a criação de novas entidades.

  14. Mas se fosse caso de repartir dos custos da avaliação imobiliária pelas diversas entidades do grupo, o eventual erro da ora recorrente só poderia ser corrigido pela AF, com se alegou na petição inicial, por via do recurso ao regime dos preços de transferência regulado nos pelo art.º 58.ºdo CIRC (na numeração ao tempo vigente), dadas as relações especiais entre as entidades e a circunstância de, efectivamente, os custos serem suportados pela C...

    .

  15. E esse regime também teria que ser aplicado, como igualmente foi alegado na petição inicial, quanto ao caso das deslocações e estadas, por causa das relações especiais entre a M... e a C....

  16. Porém, nunca seria caso de aplicar o regime dos preços de transferência, em termos de correcta decisão de gestão da AF, dado que na situação de prejuízo da C..., o Estado só teria saído beneficiado se tivesse havido transferência indevida de custos para a C....

  17. A douta sentença incorreu em erro quanto ao estabelecimento da matéria de facto e bem assim quanto ao julgamento da efectiva fundamentação da liquidação, pelo que deve ser revogada.

    TERMOS EM QUE Com o sempre douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se acórdão que reconheça a total procedência do pedido da impugnante ora recorrente no sentido da anulação da liquidação impugnada, por violação, especialmente, dos art.ºs 15.º, 17.º e 23.º do CIRC.

    ”****Não houve contra-alegações.

    ****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    ****Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    ****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, tendo em vista averiguar se os custos em causa [(i) seguros de acidentes pessoais – Esc. 321 371$; (ii) deslocações e estadas – Esc. 334 927$; e (iii) trabalhos especializados – Esc. 3 100 000$)] devem ser considerados pela AT.

    1. Fundamentação 1. Matéria de facto Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “1 - A ora impugnante, foi objecto de uma acção inspectiva interna por parte dos Serviços de Inspecção e Prevenção Tributário do Porto.

    2 - Da acção de inspecção referida em 1), resultaram correcções aos rendimentos declarados no modelo 22 de IRC conforme fundamentos exarados no relatório constante do PA de fls.17 a 22 que aqui se dão por reproduzidas e cujos extractos a seguir se transcrevem: “Em resultado da análise interna da declaração modelo 22 do exercício de 1996 constatou-se que o sujeito passivo contabilizou diversos custos que não estão directamente relacionados com a actividade e que como tal não são custos fiscais (...): Seguro de acidentes pessoais: 321.371$00 (...) Não acresceu ao lucro tributável o custo com Seguro de Acidentes Pessoais registado pelo valor de 321.371$00 respeitante à Apólice n° 34.818 a favor de Miguel…, que não sendo a favor da generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa, não cumpre as condições do art° 38° do CIRC e como tal não é custo fiscal nos termos do n°3 do art° 23° do mesmo código. (…) Deslocações e Estadas: 334.927$00 (...) relativamente a esta rubrica, corrigem-se as importâncias não justificadas em consequência dos elementos solicitados ao contribuinte por amostragem e apenas esses. (…) A correcção aqui proposta ao abrigo do disposto no art° 23° do...

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