Acórdão nº 00282/14.0BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução09 de Setembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO FDRM instaurou acção administrativa comum com processo ordinário contra o Estado Português e o Centro Hospitalar do Nordeste, EPE, todos já melhor identificados nos autos, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia global de € 891 500.00.

Por decisão proferida pelo TAF de Mirandela foi decidido assim: Absolve-se o Estado Português da instância; e Absolve-se o R. Centro Hospitalar do Nordeste, EPE do pedido.

Desta vem interposto recurso.

Nas alegações a Autora formulou as seguintes conclusões: 1. O acórdão de que se recorre dita de forma materialmente injusta e injustificada, além de surpreendente, o desfecho de uma ação particularmente delicada, nomeadamente pela envolvência marcadamente humana que encerra; 2. Atentas as particularidades do presente processo – advindas da magnitude das consequências que resultaram da conduta denunciada nos autos, refletidas na estropiação de toda uma vida, motivada por erros grosseiros na prestação de cuidados de saúde a cargo da Ré Unidade Local de Saúde do Nordeste, E.P.E. –, choca a forma desapegada, abrupta, ligeira e insensível como o mesmo foi liminarmente decidido; 3. O Tribunal a quo limitou a fundamentação da decisão proferida, sem mais, a um juízo conclusivo retirado da análise de apenas parte da factualidade alegada pelas partes e, em todo o caso, com absoluto desprezo pelas razões que, no entender da Autora, obviavam (e obviam) à procedência da exceção invocada; 4. Ancorando-se a ratio do instituto da prescrição na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável (em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado), 5. Impunha-se ao tribunal averiguar se o facto de a aqui Apelante ter proposto a ação aqui em causa na data em que o fez (19/06/2014) resultou de puro laxismo e/ou conformação da mesma – circunstância em que faria todo o sentido que tal instituto (pela ratio que encerra) fosse chamado a ser aplicado ao caso –, 6. Ou se, pelo contrário, existem motivos sérios, concretos e justificáveis para se considerar que a Apelante não foi negligente ao não exercer o seu direito em tempo razoável, nomeadamente por não se encontrar em condições mentais e físicas de o fazer; 7. Pese embora haja acolhido o requerimento de resposta às exceções apresentado pela Autora (aqui Apelante) em 03.10.2014, o Tribunal ignorou em absoluto os respetivos fundamentos – quer de facto, quer de direito –, não lhes dispensando, sequer (e em nenhum caso), qualquer menção na decisão proferida; 8. A decisão proferida não se pronuncia quanto aos factos vertidos nos pontos 44) e 45) do art. 180º da P.I., os quais – com incontornável importância para a apreciação da prescrição invocada – deveriam ter sido dados como provados atenta a expressa aceitação (ou, pelo menos, a ausência de contestação) por parte de ambos os Réus; 9. A decisão proferida também não se pronuncia quanto aos factos vertidos nos arts. 4º e 5º da P.I. nem quanto aos factos constantes dos arts. 10º a 30º do requerimento de resposta às exceções apresentado pela Autora (todos supra transcritos), os quais se afiguram essenciais à aferição da “data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete” e, como tal, ao apuramento do momento a partir do qual começou a correr o prazo de prescrição, nos termos do disposto no art. 498º, nº 1 do C.C.; 10. A decisão proferida, no que tange à apreciação dos factos trazidos aos autos é violadora das disposições contidas nos arts. 607º, nº 4 e 608º, nº 2, ambos do C.P.C., padecendo da nulidade prescrita no art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C. – todos aplicáveis ex vi art. 42º, nº 1 do C.P.T.A. (na redação aplicável); 11. Para além (e independentemente) da omissão cometida nos termos expostos nas conclusões que antecedem, a factualidade tida por provada nunca poderia, por si só, ter-se por adequada a determinar, sem mais, a conclusão pela prescrição do direito da Autora e pela consequente falência da ação proposta; 12. A interpretação da reclamação descrita no ponto 45) dos factos provados não pode – como foi – ser alheada da circunstância em que foi protagonizada (a este propósito, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte proferido em 08.10.2010, disponível em www.dgsi.pt - vide excerto supra transcrito); 13. O envio da reclamação em causa foi da iniciativa de um amigo da autora que, sensível ao calvário em que se encontrava, a procurou ajudar, redigindo-a e aconselhando a Autora à sua subscrição e submissão (tudo conforme oportunamente alegado).

14. A reclamação em causa não alude a qualquer direito ou pretensão indemnizatória de que a Autora pudesse achar-se detentora; 15. O inquérito aberto na sequência de tal reclamação concluiu pela inexistência de irregularidades na conduta dos clínicos envolvidos, circunstância que cimentou na Autora a crença de que a respetiva situação clínica se devia a mero infortúnio e que, consequentemente, nenhum direito haveria a exercer; 16. A Autora, no período entre 2008 e 2012, encontrava-se no epicentro de um longo e penoso percurso terapêutico que incluiu a realização de mais de 75 intervenções cirúrgicas e tratamentos associados, 17. Em tal período a Autora não tinha (nem podia ter) disponibilidade física e mental adequadas à ponderação do enquadramento da atuação dos clínicos que a acompanhavam.

18. A Autora só teve consciência do direito que reclama no ano de 2012, na sequência da elaboração do Relatório Médico junto com a P.I. como doc. nº 20 – elaborado que foi, por sua vez, na sequência da notificação dos Serviços da Segurança Social junta como doc. nº 1 da resposta às exceções apresentada; 19. A Autora é pessoa de formação mediana e não possui conhecimentos clínicos e científicos (ou, sequer jurídicos) adequados a percecionar a ocorrência de uma eventual conduta ilícita ou legalmente desconforme suscetível de justificar e sustentar um pedido indemnizatório por danos.

20. Inexiste qualquer suporte fáctico idóneo a justificar a sucumbência da presente ação com fundamento na prescrição do direito reclamado – pelo menos, até que discutida e apreciada toda a factualidade trazida aos autos pela Autora a tal propósito, conforme se crê impor a boa aplicação do art. 498º, nº 1 do C.C., o qual deveria ter sido interpretado e aplicado como exigindo, para a apreciação da prescrição aí prevista, a demonstração efetiva da “data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”; 21. Além do exposto, em nenhum caso deveria ser aplicado à pretensão da Autora o referido prazo prescricional de 3 anos, mas sim o prazo de 20 anos previsto no Código Civil para a prescrição da responsabilidade civil contratual; 22. Não obstante a conduta médica em causa nos autos ter ocorrido ao abrigo de uma relação jurídico-administrativa – prestação de cuidados médicos no âmbito de estabelecimentos que integram o Serviço Nacional de Saúde – entendem vários autores, conforme o explanado em sede de P.I. (art. 200º a 205º) que tal circunstância não afasta a caracterização da relação jurídico-administrativa como contratual; 23. Dispõe o art. 1º, nº 2 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE) que correspondem ao exercício da função administrativa as ações e omissões adotadas no exercício de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo; 24. O estado realiza a tarefa fundamental de proteção na saúde através do Serviço Nacional de Saúde (art. 64º da C.R.P.), assentando a prestação de cuidados de saúde no contexto do SNS em contratos que o estado celebra com entidades públicas ou com parceiros privados (Base IV da Lei de Bases da Saúde – Lei 48/90, de 24 de Agosto); 25. Advogam Figueiredo dias e Sinde Monteiro ser “o quadro do contrato” o mais apropriado para “vazar a relação, caracterizada por uma ideia de confiança entre o doente e a entidade prestadora de serviços de saúde”; 26. A prestação de cuidados de saúde no quadro dos estabelecimentos integrados no SNS engloba um conjunto de deveres específicos a observar cujo incumprimento ou cumprimento defeituoso gera responsabilidade civil contratual (Base XIV da lei de bases da saúde); 27. Uma vez que o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo – D.L. nº 18/2008, de 29.01 (Código dos Contratos Públicos) – não contém normas relativas à responsabilidade contratual, remete o art. 325º, nº 4 daquele diploma para os termos da responsabilidade contratual prevista no Código Civil, 28. Diploma este que, para além de prever os pressupostos comuns da responsabilidade civil, define um regime próprio para alguns aspetos específicos da responsabilidade contratual, de entre os quais a presunção de culpa, o ónus da prova e o prazo ordinário de prescrição do direito à indemnização (20 anos – art. 309º do C.C.); 29. Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo (também) violou a disposição conjugada da Base XIV da lei de bases da saúde, do citado art. 325º, nº 4 do Código dos Contratos Públicos e do art. 309º do C.C., normativos que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de fixarem para o direito reclamado pela Autora o prazo prescricional prescrito para a responsabilidade contratual, de 20 anos; NESTES TERMOS, REQUER-SE SE DIGNEM CONCEDER INTEGRAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, declarar a nulidade DA DECISÃO PROFERIDA NA PARTE EM QUE JULGA PRESCRITO O DIREITO DA AUTORA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA, REQUER-SE SE DIGNEM REVOGAR A MESMA DECISÃO, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE DECLARE TOTALMENTE IMPROCEDENTE A INVOCADA PRESCRIÇÃO OU, SUBSIDIARIAMENTE, QUE REMETA O JULGAMENTO DA MESMA PARA A DECISÃO FINAL A PROFERIR NOS AUTOS, EM FUNÇÃO DA APRECIAÇÃO QUE AO TRIBUNAL VENHA A MERECER TODA A FACTUALIDADE...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT