Acórdão nº 01008/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução19 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A……………………, Lda., identificada nos autos, interpôs recurso no TAF do Porto, da decisão de aplicação de uma coima, no valor de € 3.725,22, acrescido das custas processuais no montante de € 51,00, a cujo pagamento foi condenada por falta de entrega de prestação tributária de IVA, relativa ao mês de Dezembro de 2009, juntamente com a Declaração Periódica de IVA.

  1. Naquele Tribunal, o recurso foi julgado improcedente, mantendo-se a condenação da arguida na coima aplicada, por não se verificarem os condicionalismos para a dispensa da mesma e por não se encontrarem reunidos os pressupostos em que assenta a atenuação especial.

  2. Inconformada, a recorrente veio interpor recurso para este STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações: “1. A Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, da decisão do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim que lhe aplicou uma coima no montante de 3.725,22 €, acrescido das custas processuais no montante de 51,00 €, por falta de pagamento do IVA referente ao mês de Dezembro de 2009, no valor de 17.739,15 € (após dedução do imposto suportado), dentro do prazo de pagamento voluntário, o qual terminou no dia 10/02/2010.

  3. O presente recurso circunscreve-se à aplicação do artigo 114.° do RGIT e à interpretação do artigo 114.°, n.° 1, alínea a) do RGIT, na redacção dada pelo artigo 113.° da Lei n.° 64-A/2008 de 31/12.

  4. Em sede de recurso, a Recorrente alegou que o IVA, não entregue à Administração tributária dentro do prazo de pagamento voluntário, não havia sido recebido pelos seus clientes e, como tal, a sua conduta não seria susceptível de ser punida como contra-ordenação.

  5. O Tribunal a quo, porém, entendeu que com a Lei de Orçamento de Estado para 2009, o legislador optou por clarificar o artigo 114.° do RGIT, no sentido de considerar que basta que o IVA seja liquidado em factura ou documento equivalente, mesmo que não tenha sido recebido pelo contribuinte, deve ser por ele entregue ao Estado, sob pena de incorrer em ilícito contra-ordenacional.

  6. Ora, o que aqui está em causa é punir a Recorrente com uma coima, pela falta de entrega de IVA, quando esse montante não foi efectivamente recebido dos seus clientes.

  7. No entanto, para haver responsabilização do agente não basta a realização por este de um tipo de ilícito, sendo também necessário que aquela realização lhe possa ser censurada em razão da culpa - princípio da culpabilidade (nulla poena sine culpa).

  8. Mas, para que exista culpabilidade do agente no cometimento de um facto é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou de negligência.

  9. No caso sub judice, a falta de entrega do IVA, dentro do prazo de pagamento voluntário, foi motivado pela falta de pagamento dos bens e prestação de serviços e, consequentemente, pela falta de pagamento do IVA referentes aos mesmos, por parte dos seus clientes.

  10. Quem criou e despoletou a situação de incumprimento da Recorrente foram aqueles que verdadeiramente têm que suportar o imposto, pois, ao não efectuarem o pagamento dos bens fornecidos e dos serviços prestados, nem o IVA correspondente aos mesmos, a Recorrente ficou sem meios económicos para conseguir pagar o valor do IVA, tendo, aliás, sido forçado a requerer à Administração tributária o pagamento em prestações do IVA, já que no prazo de pagamento voluntário era incomportável pagar valores não recebidos.

  11. O não pagamento do IVA não derivou da vontade da Recorrente, mas tão só pelo facto de não ter dinheiro “para adiantar” à Administração tributária um imposto que não havia ainda recebido. Apraz não esquecer que, num contexto de crise financeira em que se vivia e se vive, em que as instituições bancárias simplesmente cortaram o crédito bancário às empresas, desamparando-as no momento que mais necessitavam, a Recorrente nem sequer pôde recorrer a empréstimos bancários para pagar uma “conta que não era sua”, tendo sido compelida a deixar transitar para cobrança coerciva, para aí, pedir o pagamento em prestações.

  12. O comportamento da Recorrente foi uma consequência inevitável, fruto do incumprimento dos verdadeiros responsáveis pelo pagamento do imposto.

  13. Por conseguinte, não se pode entender que a Recorrente agiu com falta de cuidado que lhe era devido, nem pode ser censurável a sua conduta.

  14. Portanto, não tendo agido com culpa, a conduta da Recorrente não pode ser punida nos termos do artigo 114.º do RGIT.

    Ademais, 14. A interpretação dada pelo Tribunal a quo ao artigo 114.º, n.° 5, alínea a) do RGIT, com a redacção dada pelo artigo 113.º da Lei n.° 64-A/2008 de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009, estribada num acórdão deste Tribunal, no sentido de que basta que o IVA seja liquidado em factura ou documento equivalente, mesmo que não tenha sido recebido pelo contribuinte, deve ser por ele entregue ao Estado, sob pena de incorrer em ilícito contra-ordenacional, com o devido respeito e salvo melhor opinião, é manifestamente inconstitucional.

  15. A Constituição da República Portuguesa é o garante dos direitos dos...

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