Acórdão nº 01877/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução26 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso JurisdicionalDecisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa . 25 de Setembro de 2013. - Julgou a impugnação procedente e, em consequência condenou a Fazenda Pública no pedido de anulação dos actos de retenção na fonte de IRC impugnados, e consequente restituição do imposto indevidamente pago, bem como no pagamento dos respectivos juros indemnizatórios.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no âmbito do processo de impugnação n.° 1692/12.3 BELRS que Stichting Pensionenfonds ABP, e, Stichting Pensionenfonds Zorg en Welzijn, deduziram contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa que tinha por objecto o reembolso da retenção na fonte em sede de IRC sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2009 e 2010, no montante de 1.575.325,37€., tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: I. Quanto ao regime legal interno relativo à retenção na fonte à taxa liberatória dos dividendos distribuídos por sociedades residentes a sociedades não residentes e a sua alegada violação do Direito Comunitário, o Tribunal a quo concluiu que os actos tributários impugnados nos presentes autos padecem de vício de violação de lei, por considerar que a retenção na fonte em IRC dos dividendos distribuídos por sociedades anónimas residentes em Portugal aos ora Recorridos enquanto Fundos de Pensões não residentes, efectuada nos termos do art. 16.º, n.º 1 do EBF conjugado com os arts. 87.º, n.º 4, al. c), 94º, n.º 1, al. c) e 98.º, n.º 1 do CIRC (na redacção vigente à data dos factos), viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56.º do TCE e, consequentemente, o art. 8.º, n.º 4 da CRP.

  1. Considera a AT que, no caso em apreciação, o diferente regime fiscal aplicável aos Fundos de Pensões estrangeiros não lesa os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais ínsito no Direito Comunitário (arts. 12.º e 56.º do TCE e actuais arts. 18.º e 63.º do TFUE), pelo que a retenção em sede de IRC em discussão não enferma de qualquer ilegalidade.

  2. A fim de concluir pela legalidade dos actos impugnados face às disposições do direito comunitário supra mencionadas importa atender, em primeiro lugar, aos preceitos legais internos em vigor na data dos factos tributários: - O regime dos Fundos de Pensões plasmado no Decreto-Lei 12/2006, de 20/01, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 03/06, relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, designadamente, o seu art. 38.º, n.º 1, al. a), que refere que, entre outros requisitos, as sociedades gestoras de fundos de pensões devem constituir-se sob a forma de sociedades anónimas e ter a sede social, e a principal e efectiva da administração, em Portugal; - O art. 16.º, n.º 1 do EBF que estatuía que nos exercícios em apreciação “[s]ão isentos de IRC os rendimentos dos fundos de pensões e equiparáveis que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional” (realce e sublinhado nossos); - Os arts. 87.º, n.º 4, al. c), 94.º, n.º 1, al. c) e 98.º, n.º 1 do CIRC (na redacção vigente à data dos factos) por força dos quais o regime de tributação aplicável aos Fundos de Pensões residentes era diferente do aplicável aos não residentes, na medida em que os rendimentos destes obtidos em Portugal estavam sujeitos a retenção na fonte a uma taxa liberatória de 20%.

    - A Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Holanda, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, de 12-07-2000.

  3. A nível comunitário relevam, além dos arts 12.º e 56.º do TCE já acima mencionados, o art. 58.º do mesmo Tratado, na parte que ora se transcreve: “1. O disposto no artigo 56.º não prejudica o direito de os Estados-Membros: a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido; b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

    1. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.º. (...)”.

  4. Refere o citado art. 58.º do TCE que a proibição de restrições aos movimentos de capitais não constitui um impedimento a que um EM consagre um regime diferente para os contribuintes que não se encontrem em idêntica situação.

  5. Posto isto, antes de concluir pelo carácter discriminatório de uma determinada norma nacional (no caso está em discussão a admissibilidade à luz do direito comunitário do disposto no art. 16.º, n.º 1 do EBF) e da existência ou não de causas de justificação que legitimem o carácter discriminatório da mesma, importa determinar, em primeiro lugar, se estamos perante situações comparáveis. Isto porque, só existe discriminação quando o direito interno de um EM aplica regras diferentes a situações comparáveis ou sujeita situações diferentes a um regime idêntico.

  6. Assim, é necessário proceder à comparação concreta dos casos em litígio a fim de saber se uma situação caracterizada por um tratamento diferente é ou não constitutiva de discriminação proibida pelo Tratado, colocando os não residentes de outros Estados Membros em desvantagem face aos residentes. Ora, tal apreciação não foi considerada na sentença do Tribunal de 1ª Instância.

  7. A sentença em crise limita-se a remeter, neste ponto, para os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais previstos, respectivamente, nos arts. 12.º e 56.º do TCE (actuais arts. 18.º e 63.º do TFUE) e para acórdãos do TJUE, nos quais são mobilizados esses mesmos princípios, sem apurar se o imposto retido pelas Recorridas é recuperado no Imposto devido no país do seu domicilio fiscal ou se se encontram sujeitas a um nível de tributação idêntico aos Fundos de Pensões residentes em Portugal (cfr. 1.º da p. 14).

  8. Não ficando demonstrado que, em concreto, se verifica a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais não se pode concluir tout court pelo carácter discriminatório da norma interna em discussão (art. 16.º do EBF). Neste sentido, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no Acórdão de 29/02/2012, proferido no Processo n.° 01017/11.

  9. Acresce que, a este respeito, importa ter em conta o firmado na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Holanda, designadamente o seu art. 24.º, nºs 2 e 4, que permite que o imposto pago em Portugal, relativamente a elementos do rendimento ou do capital, seja deduzido na Holanda, permitindo às ora Recorridas recuperar a parte do imposto retido em Portugal e não reembolsado. E os próprios objectivos visados com a CDT — evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital — que constituem fundamentos igualmente tidos em conta a nível comunitário, motivo pelo qual o TJUE revela uma maior abertura na aceitação das disposições das convenções de dupla tributação celebradas pelos EMs.

  10. O que fica dito permite refutar as seguintes premissas acolhidas na sentença em apreciação: i) que as Recorridas se encontram numa situação objectiva comparável à dos Fundos de Pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa; ii) que a presente situação controvertida envolve um tratamento discriminatório das Recorridas face às sociedades residentes em Portugal.

  11. No que tange à primeira premissa, a M. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa em nenhum ponto da sua decisão se refere à origem da globalidade dos rendimentos das Recorridas e ao regime de tributação a que se encontram sujeitas no Estado de residência, não tendo igualmente em consideração o mecanismo da eliminação da dupla tributação consagrado na CDT (u., em especial o seu art. 24.º, n.ºs 2 e 4).

  12. Ora, neste contexto, convém ter em conta que, no plano fiscal, um tratamento diferenciado, de residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo Tratado, uma vez que não...

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