Acórdão nº 0844/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução27 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1- O MUNICÍPIO DE LOURES [ML] veio requerer a providência cautelar de suspensão de eficácia da Resolução do Conselho de Ministros nº30/2014, de 03.04 [RCM - publicada na I Série, nº69, de 08.04.2014], «que aprovou o Caderno de Encargos do concurso público para reprivatização da A……….., SA [A……….], e determinou a abertura do respectivo concurso público, previsto no nº2 do artigo 2º do DL nº45/2014, de 20.03, bem como do anúncio do procedimento nº1988/2014 que, em cumprimento da referida RCM, foi publicado no DR, 2ª Série, nº71, de 10.04.2014, praticados pela Presidência do Conselho de Ministros».

    1.1- O Requerente pede, a título principal, a atribuição da providência sem mais indagações, se o Tribunal considerar preenchida a previsão da alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA, e, subsidiariamente, a sua concessão ao abrigo da alínea b) do mesmo número e artigo.

    Indicou como contra-interessados os Municípios da Amadora, Lisboa, Vila Franca de Xira, Odivelas e a Associação de Fins Específicos - ………., todos devidamente identificados.

    1.2- Quanto ao fumus boni iuris, o Requerente alega que é manifesta a ilegalidade do procedimento de reprivatização da A……….. verificando-se o requisito do artigo 120º, nº1, alínea a), do CPTA, com base, em resumo, no seguinte:

    1. Inconstitucionalidade orgânica, por extinção de uma empresa pública e alteração unilateral dos seus Estatutos, através do DL nº104/2014, de 02.07, numa matéria que é da exclusiva competência da Assembleia da República; b) Inconstitucionalidade material, por tais alterações unilaterais ocorrerem ao arrepio do que estabelecem imperativamente as bases gerais das empresas públicas, definidas no DLnº133/2013, de 03.10, e por vedarem aos Municípios a possibilidade de, nos órgãos próprios [assembleias gerais das sociedades concessionárias], defenderem os seus próprios interesses e das respectivas populações; c) Violação de lei de valor reforçado, pois um processo material ou substancialmente extintivo de empresas públicas, como o que sucede no caso, não encontra habilitação no decreto-lei autorizado que estabelece as bases gerais das empresas públicas - nem sequer, antes disso, na respectiva lei de autorização [Lei nº18/2013, de 18.02]; d) Ilegalidade da transmissão da representação pública no capital social das empresas concessionárias, por violação da regra obrigatória de 51% de capital público, imposta pelo DL nº68/2010, de 15.06, e os estatutos por ele aprovados, relativamente à B…………, SA, pois qualquer alteração estatutária exigiria a convocação da assembleia-geral, advindo dos mesmos estatutos [artigo 8º nº2] a nulidade da transmissão; e) Ilegalidade por violação das regras que regulamentam a alteração dos estatutos da B……… [artigo 6º, nº3, do DL nº68/2010], que teria de ocorrer de acordo com a lei comercial, não gozando o Estado do poder de modificação unilateral de tais estatutos, fora do procedimento próprio de decisões societárias e alterações estatutárias; f) Ilegalidade por violação das regras imperativas relativas às acções que a A…… detém no capital social das entidades concessionárias, estabelecidas pelo legislador designadamente no que respeita à violação dos limites à transmissão de acções [ver artigos 7º do DL nº68/2010, 5º e 8º dos Estatutos da B……, SA]; g) Ilegalidade por alteração unilateral dos pressupostos que estiveram na base da fusão de dois outros sistemas multimunicipais o de Lisboa e C………., já que não obstante a constituição da B………, SA, ter operado por DL nº68/2010, o Município de Loures aderiu voluntariamente e consentiu na fusão; h) Ilegalidade por a alteração dos estatutos da B……….., SA, ser efectuada à margem e contra a vontade dos accionistas, com a violação do dever de lealdade que impende sobre o Estado e configura verdadeiro abuso de direito na modalidade de «venire contra factum proprium»; i) Violação do princípio da protecção da confiança e da boa-fé, por a alteração dos estatutos da B……….., SA, ter sido efectuada à revelia dos accionistas pondo em causa a base que sustentou a adesão do município ao sistema multimunicipal; j) Ilegalidade por violação do direito de preferência dos Municípios accionistas da B………, atribuído pelos estatutos; K) Violação dos princípios de certeza e segurança jurídica de um Estado de Direito [artigo 2º da CRP], da boa-fé e transparência; l) Violação do princípio da autonomia local [artigo 235º da CRP].

    1.3- No respeitante ao «periculum in mora», considera o Requerente que o mesmo é evidente, em especial o decorrente da insusceptibilidade de reconstituição da situação anterior à reprivatização, daí advindo o fundado receio de produção de «prejuízos de difícil reparação».

    Para o Requerente, os factos concretos por si alegados inspiram um fundado receio de que se a providência for recusada, no caso da acção principal ser julgada procedente, será depois impossível proceder à reintegração da situação conforme a legalidade e, por outro lado, inspiram um fundado receio de produção de «prejuízos de difícil reparação».

    Acrescenta ainda que a tutela do interesse público não é beliscada com a requerida suspensão de eficácia dos actos, pois ponderando o interesse público, os resíduos sólidos constituem uma fonte de matéria-prima com elevado interesse económico-social, pelo que a transferência da sua gestão para interesses privados representa um prejuízo do interesse público e respectivo favorecimento de interesses particulares.

    Assim, segundo o Requerente, «a ponderação dos interesses em causa revela que a defesa dos interesses e direitos do requerente enquanto accionista da B………., SA, sofrerão lesão irreparável com a reprivatização da A…………, SA, merecendo, pois, tutela do direito, pela sua inegável relevância».

    2- A entidade demandada, Conselho de Ministros, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 128º, nº1, do CPTA, aprovou a «Resolução Fundamentada» [folhas 221-229 e dada por reproduzida], na qual reconhece que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.

    2.1- A mesma entidade deduziu oposição [folhas 237-293], na qual defende, em primeiro lugar, por excepção, que o litígio está excluído do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, uma vez que o que o Requerente verdadeiramente pretende obter com os presentes autos é a suspensão de eficácia das normas legislativas contidas no DL nº45/2014, de 20.03, e a opção política que as mesmas encerram.

    Na defesa por impugnação, a entidade demandada responde, alegando, em resumo, que os actos suspendendos não enfermam de qualquer dos vícios que lhe são imputados, daí resultando uma manifesta falta de fundamento da pretensão do Requerente, não existindo «periculum in mora», e que devem recusar-se as providências requeridas, uma vez que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

    3- O Município de Odivelas veio requerer [folha 234], na sua qualidade de contra-interessado, o incidente de «intervenção espontânea» [conforme artigo 311º e seguintes do CPC], aderindo ao articulado do ML.

    4- O Município de Lisboa deduziu requerimento [folhas 407-409] onde declara ter todo o interesse no decretamento da providência, aderindo à fundamentação do Requerente, e o Município de Vila Franca de Xira apresentou procuração [folhas 414 e seguintes].

    5- O Município da Amadora veio apresentar o seu articulado [ver folhas 421-442], pugnando pelo deferimento da providência requerida.

    6- O Requerente deduziu, nos termos do disposto no artigo 128º, nº4, do CPTA, o incidente de «declaração de ineficácia de actos de execução indevida», requerendo que fosse a «Resolução Fundamentada» considerada improcedente e declarada a ineficácia das Resoluções do Conselho de Ministros nºs 47-B/2014, de 25.07, e 55-B/2014, de 18.09 [ver folhas 522 a 537].

    7- Notificada do incidente, veio a entidade Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 128º, nº6, do CPTA, pronunciar-se sobre o mesmo, defendendo a sua recusa liminar dado tratar-se de «pretensão manifestamente ilegal», por os actos cuja declaração de ineficácia vem requerida não constituírem actos de execução dos actos suspendendo, ou, caso assim não se entenda, o seu indeferimento por «não se verificarem quaisquer vícios que pudessem assacar-se à resolução fundamentada, designadamente a deficiente fundamentação».

    8- Em sede de contraditório, no quadro do incidente, «Parpública-Participações Públicas, SGPS, SA», «Águas de Portugal, SA», «A……………., SA», «B……………., SA», vieram responder, ao abrigo do mesmo dispositivo legal, defendendo o indeferimento do mesmo.

    9- Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, cumpre decidir.

  2. De Facto Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos: a) No Diário da República, 1ª Série, nº69, de 08.04.2014, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros nº30/2014, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e na qual, nos cinco primeiros pontos, o Conselho de Ministros resolveu: 1- Determinar que são alienados 100% das acções da A………….., SA [A……….] e que o concurso público previsto no nº2 do artigo 2º do DL nº45/2014, de 20 de Março, tenha por objecto acções representativas de 95% do capital social da A………… 2- Aprovar o caderno de encargos do concurso público, constante do anexo I à presente resolução, da qual faz parte integrante, no qual se estabelecem os termos e condições específicos a que obedece o concurso público previsto no número anterior.

    3- Aprovar os termos do exercício pelos municípios da opção de alienação das participações sociais por aqueles detidas no capital das entidades gestoras de sistemas multimunicipais nas quais a A………. é accionista, bem como do exercício do direito de preferência pelos restantes municípios da mesma entidade gestora, relativamente à referida alienação, os quais constam do caderno de encargos a que se refere o número anterior.

    4 - Determinar a...

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