Acórdão nº 01474/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | PEDRO DELGADO |
Data da Resolução | 05 de Novembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A……………, SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra o despacho que indeferiu o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IRC, referente ao exercício de 1997.
Termina as suas alegações de recurso, formulando a seguinte conclusão: «I - Como ressuma dos autos, a AF decidiu convolar a revisão oficiosa numa reclamação graciosa para, posteriormente, decidir pela extemporaneidade da mesma, sendo que a Recorrente nunca chegou a ser notificada do despacho que ordenou a convolação oficiosa no procedimento de reclamação graciosa.
II - Tal significa, inelutavelmente, que a Recorrente não estava em condições de exercer cabalmente o seu direito de audição prévia, uma vez que não estava na posse de todos os elementos que estiveram na base do projecto de decisão notificado.
III - Entende o Tribunal a quo que a não notificação à Recorrente do despacho que determinada a convolação da revisão oficiosa em reclamação graciosa, “se degrada em não essencial”.
IV - Com efeito, refere o Tribunal a quo que a Recorrente havia sido notificada para exercer direito de audição prévia em relação ao projecto de relatório inspectivo, e que, portanto, não tinha de ser notificada para exercer o direito de audição prévia antes da liquidação — com base no disposto no artigo 60º n.º 3 da LGT.
V - Salvo o devido respeito, verifica-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão - o que constitui nulidade da sentença (art. 668, n.º 1, c), do CPC e 125º. n.º1 do CPPT).
VI - Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, verifica-se erro de julgamento da matéria de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 60.º n.º 1 b) da LGT.
VII - Estamos perante um autêntico venire contra facto próprio da AF: primeiro convola o procedimento na forma que considera adequada, e, depois, indefere esse procedimento por entender que, afinal, o mesmo é extemporâneo — sendo que a convolação carece de sentido, porquanto, como é sabido apenas tem lugar por razões de natureza prática, e como forma de garantir que a pretensão do contribuinte é canalizada para um procedimento que, seguida a inerente tramitação, conduza a apreciação do pedido.
VIII - No caso em apreço o que existe é uma convolação, materializada por uma decisão incompreensível, desnecessária e, por isso, inútil - sendo patente a falta de fundamentação da decisão impugnada — ou seja, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por extemporaneidade.
IX - Mal andou o Tribunal a quo ao assim não decidir, o que impõe a revogação da sentença recorrida, por errada interpretação e aplicação da lei.
X - Na óptica da Recorrente, o procedimento de revisão oficiosa não deveria ter sido convolado em reclamação graciosa — ainda para mais porque, à partida, a AF sabia e não podia desconhecer que essa convolação oficiosa constituiria um acto inútil, e lesivo dos direitos e garantias da Recorrente.
XI - Caso tivesse sido chamada a pronunciar-se sobre essa convolação, com notificação de todos os elementos subjacentes a essa decisão, a Recorrente poderia ter influenciado o sentido da decisão.
XII - O artigo 78.º da LGT prevê a revisão do acto tributário “por iniciativa do sujeito passivo” ou “da administração tributária” - aquela “no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade”, e esta “no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em “erro imputável aos serviços” - mas tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão.
XIII - Em face da invocação de “qualquer ilegalidade” do acto tributário - como sucedeu no caso em apreço -, ainda para mais com invocação de violação de lei, por ofensa do disposto no artigo 23.º n.º 1 alíneas a) e g), e 80º do CIRC, não só era possível como se impunha a revisão oficiosa.
XIV - Ao assim não ter entendido, incorreu o Tribunal a quo em errada interpretação e aplicação da lei, mormente do disposto no artigo 78.º n.º1 da LGT.
XV - O mecanismo da convolação visa permitir que a pretensão do Contribuinte venha a ter sentido útil, para apreciação da sua pretensão pela AF — pelo que a convolação nunca pode significar, em sentido contrário, a inutilidade dessa apreciação.
XVI - O procedimento adoptado pela AF, agora sancionado pelo Tribunal a quo, acarreta a violação, de forma grave, dos mais básicos direitos da Recorrente, enquanto Contribuinte, na medida em que lhe é negado o acesso à tutela jurisdicional efectiva — que a Constituição garante e tutela.
XVII - Caso a interpretação do artigo 52.º do CPPT no sentido de que é possível a convolação num meio procedimental extemporâneo, seria inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º da CRP.
XVIII - A admitir-se a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa — o que não se concede sempre se haveria de admitir a tempestividade da mesma, nos termos do artigo 70.º nº 2 e 3 do CPPT — no prazo de um ano, com fundamento em violação de norma de incidência.» 2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.
3 - O Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer a fls. 272/ 273 dos autos, pronunciando-se pelo provimento do recurso e sustentando que a decisão proferida em reclamação graciosa incorreu em vício de violação de lei, sendo de revogar a sentença recorrida.
4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
5 – Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
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A Administração Tributária levou a efeito uma análise interna à Declaração Modelo 22 de IRC apresentada pela Impugnante relativa aos exercícios de 1996 e 1997. (Doc. fls. 109/115 do processo de reclamação graciosa apenso) B) Na sequência da análise a que alude a al. A) do probatório, foi a Impugnante notificada para, querendo exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de Relatório de Inspecção Tributária (RIT), faculdade que não usou. (Doc. fls. 109/ 115 do processo de reclamação graciosa apenso) C) No âmbito da análise de inspecção a que alude a al. A) do probatório foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária (RIT), do qual consta designadamente o seguinte: «Correcções ao exercício de 1997 Reintegrações e amortizações não aceites.
Tal como nos exercícios anteriores, também em 1997, a empresa classificou como Imobilizações Incorpóreas, os encargos com a construção das vias de comunicação adjacentes ao empréstimo, os quais amortizou à taxa de 18,8%. A empresa assume estes custos como fazendo parte do custo do próprio edifício. No entanto, estes custos dizem respeito a contrapartidas que a empresa teve de efectuar e como tal não vão ser utilizados na sua actividade, representando sim um acréscimo do próprio edifício, pelo que a taxa de amortização correcta será a de 2%.
46 256 882$00x2%= 925.186$00 CUSTO DECLARADO 1 979 820$00 CUSTO NÃO ACEITE 1 054 684$00 Trabalhos Especializados não aceites O sujeito passivo contabilizou em Trabalhos Extraordinários na conta 62.2.36.1.01 a verba de Esc. 12 023 000$00, e na conta 62.2.36.201 a verba de Esc. 12 023 000$00. Solicitou-se o envio de fotocópias de um documento de cada conta e dos contratos subjacentes ao pagamento daquelas verbas, tendo-se verificado que os contratos são precisamente iguais. Ambos referem a prestação de serviços de: (...) Verificando-se uma duplicação de custos, acresce-se ao resultado fiscal uma das verbas contabilizadas em Trabalhos Especializados Esc.: 12 023 000$00 (art. 23° do CIRC) Assim são propostas correcções aritméticas às matérias colectáveis dos exercícios supracitados de Esc.: 154.578.475$00 e Esc. 13.077.684$00.» (Doc. fls. 109/115 do processo de reclamação graciosa apenso) D) Mediante oficio n.º 2289 datado de 29.01.2001, emitido pela 1ª Direcção de Finanças de Lisboa foi a Impugnante notificada das conclusões resultantes da acção de inspecção tributária, das correcções técnicas efectuadas em sede de IRC ao lucro tributável quanto ao...
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