Acórdão nº 01696/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução23 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA 1.

Relatório A………………… inconformado com o Acórdão do TCA Sul que, revogou a decisão do TAF de Sintra - que julgara procedente a acção administrativa especial que intentara contra a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (doravante CPAS) e, consequentemente, a havia condenado a, nos termos do art.º 13/1/b) do Regulamento do CPAS, deferir o seu pedido de reforma a partir de 14 de Junho de 2006 - dele recorreu tendo formulado as seguintes conclusões (quanto ao mérito): (…) 16. De acordo com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.° do Código Civil, por um lado, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do artigo) e, por outro, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (seu n.º 3).

  1. Como salientou o douto acórdão de 1ª instância, “um beneficiário pode ter mais tempo de inscrição na Caixa do que tempo de exercício de profissão” e, inversamente, “pode ter mais tempo de exercício de profissão do que tempo de inscrição na Caixa” 18. Como ali referido, “o tempo de exercício é relevante para a atribuição do direito à reforma (ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 13º) mas para que o tempo (de exercício da profissão ou não) seja considerado no cálculo da pensão de reforma tem que corresponder a tempo de inscrição na Caixa, com contribuições pagas” 14. Do mesmo modo, o artigo 114.° do Regulamento, fazendo depender a retroacção dos direitos dos beneficiários que exerceram a advocacia em território português não abrangido pela competência da Ordem dos Advogados, só abrangia o direito a que esse tempo fosse considerado no cálculo da pensão, pelo que tal preceito não impede que esse tempo de exercício de profissão seja considerado para o efeito de reconhecer o direito à reforma de quem durante 36 anos exerceu efectivamente a profissão.

  2. Não é verdade que atender-se ao sentido literal da norma levaria a resultados absurdos, porquanto um advogado, sem contribuições pagas, mas com 36 anos de profissão, a ser seguida a orientação assente na letra do preceito, poderia obter uma pensão de reforma, pelo simples facto de ter sido advogado por 36 anos sem, contudo, ter estado inscrito e pago contribuições.

  3. E não o é, em primeiro lugar, porque um advogado nessas condições não obteria reforma, desde logo, por não ser beneficiário e, depois, porque, atenta a fórmula de cálculo da pensão, a tanto obstaria, já que a reforma de quem nada descontou resultaria igual a ...

    nada.

  4. Ainda que fosse de considerar taxar de injusto ou imoral um tal resultado, estigmatizado pela CPAS, o problema subsistiria, atentos os citados n.ºs 2 e 3 do artigo 9.° do Código Civil.

  5. A tese defendida pela CPAS (acerca da hipótese académica que trouxe agora para ponderação) é repudiada pela circunstância da leitura restritiva proposta significar, afinal, que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, além de que, atento agora o n.º 2 do citado art.º 9º também esta interpretação falece por falta de correspondência verbal, mínima que seja, no preceito a que se reporta.

  6. Nada de imoral ou injusto tem a interpretação defendida pelo Recorrente e pelo Acórdão da 1ª Instância, mas, ainda que assim não fosse, teria de ser observada, dado que, como dispõe o n.º 2 do art.º 8.° do Código Civil, “o dever de obediência à lei não pode ser afastada sob pretexto de ser injusta ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”.

  7. A restrição temporal (prazo de 1983 para até final desse ano) estabelecida pelo legislador ordinário para pedir a retroacção de direitos dos advogados ultramarinos importa a inconstitucionalidade material dessa limitação, por violação do n.º 4 do art.º 63.° da Constituição da República, que manda contar, para o cálculo das pensões de velhice ou de invalidez, todo o tempo de trabalho.

  8. De todo o modo, o que está em causa, mais uma vez se repete, não é o cálculo da pensão que será devida ao Recorrente, mas sim o acesso deste à reforma.

  9. O legislador referiu-se reiteradamente aos anos de exercício de profissão, primeiro no Regulamento de 1979 e depois no de 1983, e, em 1988 e 1994, teve novamente oportunidades para corrigir a tal suposta “infelicidade” do artigo 13.°, n.º 1, alínea b), do Regulamento, sem que o tivesse alterado nesse particular, antes continuando a aludir a anos de exercício de profissão (isto apesar de, na alteração de 1994, ter mudado a redacção da alínea a) daquele nº 1), embora o tivesse feito de forma inconstitucional.

  10. Ora, não pode decerto pretender-se que o legislador que tem aprovado os Regulamentos e suas alterações tem andado distraído e não quis dizer o que claramente escreveu no texto que se encontra em vigor.

  11. Perante a ausência de elementos que apontem no sentido pretendido na Deliberação, a questão de interpretação em presença tem de resolver-se com as regras fulcrais do art.º 9.° do Código Civil 25. A começar pela que estabelece (n.º 3 daquele artigo) que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador ... soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, 26. E a concluir na que, em casos como este, é pedra de toque (n.º 2 do mesmo artigo): “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

  12. Perante o que é hoje o texto do Regulamento, nenhuma dúvida pode haver de que a interpretação do art.º 13°, n.º 1, al. b), acolhida pela CPAS, não encontra na letra do Regulamento, de modo algum, absolutamente nenhuma correspondência verbal.

  13. Quanto à consequência atribuída no douto acórdão recorrido ao facto de o Recorrente não ter lançado mão da faculdade de requerer a retroacção dos seus direitos como consentido pela Portaria 487/83, não pode aceitar-se já que a retroacção de direitos de que o diploma falava apenas podia referir-se, manifestamente, a contagem de tempo, ou seja, à tal “carreira contributiva”.

  14. O legislador pretendeu assim abrir caminho a que advogados ultramarinos com o mesmo tempo de profissão que os continentais ou insulares pudessem ter uma reforma igual, se descontassem pelos mesmos escalões, ou seja, pretendeu abrir uma hipótese de igualdade nas reformas a auferir.

  15. Não pretendeu, nem isso exprimiu de modo minimamente relevante, que apenas usando desse ónus pudessem os advogados ultramarinos invocar os anos de profissão, sendo certo que, dele não usando, teriam obviamente reformas menores.

  16. Carecia e carece de fundamento legal a exigência, feita pela Direcção da Caixa recorrida, de que, para haver direito a reforma, ao invocado tempo de exercício de profissão correspondesse igual tempo de inscrição com contribuições pagas.

  17. Tal exigência radicou numa interpretação restritiva do preceito do art.º 13.°, n.º 1, alínea b), do Regulamento da CPAS (RCPAS), que viola as regras de interpretação da lei contidas no artigo 9.° do Código Civil.

  18. Violou-as, nomeadamente, ao dar àquela alínea b) um sentido e conteúdo que não encontram nela um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, assim contrariando o preceituado no n.º 2 daquele artigo 9º do Código Civil.

  19. Violou-as, ainda, por fazer assentar a rejeição do sentido normalmente atribuível e atribuído à expressão “anos de exercício da profissão” (para a “traduzir” por tempo de inscrição com contribuições pagas) no juízo, aliás inadequado, de que aquele sentido ser injusto ou imoral, podendo desequilibrar o sistema previdencial dos advogados e solicitadores, o que legalmente não podia fazer por contrariar o comando do n.º 3 daquele mesmo artigo 9.° do Código Civil.

  20. Assim, a Deliberação da CPAS, que indeferiu o pedido de reforma do Recorrido, padece do vício de violação de lei, gerador da sua anulabilidade, por erro de interpretação e aplicação do preceito do artigo 13.° do Regulamento da recorrente.

  21. O douto Acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e de aplicação, as normas do artigo 13.°, n.º 1, alínea b), do Regulamento da CPAS e dos n.ºs 2 e 3 do Código Civil.

  22. Deve, pois, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, para ficar a subsistir o douto acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

    A CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES contra alegou para formular as seguintes conclusões: 1.

    Vem o presente recurso de revista do Acórdão proferido na acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo que julgou improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu a CPAS de deferir o pedido de reforma apresentado pelo ora Recorrente, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 13.° do Regulamento da CPAS.

  23. O presente recurso de revista, sendo um recurso excepcional, nos termos do disposto no n.º 1 do art.° 150º do CPTA, não deve ser admitido, uma vez que não preenche os requisitos legais para ser apreciado.

  24. Pois, a questão que o Recorrente quer ver dirimida, não tem qualquer relevância social, uma vez que está limitada a um número muito reduzido de beneficiários da CPAS.

  25. Não havendo qualquer controvérsia entre as partes sobre os factos, na presente acção estamos perante um problema de interpretação da lei, ou seja o de saber qual o real alcance da expressão constante da alínea b) do Nº 1 do artigo 13º do Regulamento da CPAS «36 anos de exercício de profissão».

  26. O Acórdão recorrido, como a CPAS, defende que aos «36 anos de exercício da profissão» terão de corresponder 36 anos de inscrição na CPAS com contribuições pagas.

  27. Pois, nos termos do artigo 9º, nº 1 do CC, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, devendo reconstituir o pensamento do legislador tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as...

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