Acórdão nº 0957/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução08 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.A…………….., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2001, no montante de € 1.164,77.

1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes: 1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão de primeira instância que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente contra a liquidação de IRS do ano de 2001.

  1. O recorrente, na impugnação judicial apresentada, contestou a legalidade da liquidação de IRS daquele ano, alegando, em síntese, que a Autoridade Tributária qualificou erradamente determinados rendimentos obtidos pelo recorrente no âmbito de um contrato de prestação de serviços celebrado com a B ……..–…………….., S.A (doravante B…….).

  2. O recorrente considera que estes rendimentos provêm da sua propriedade intelectual, devendo, nessa medida, gozar do benefício fiscal constante do artigo 56º do Estatuto dos Benefícios Fiscais - EBF.

  3. O tribunal a quo entendeu, todavia, inexistir propriedade intelectual para efeitos de aplicação da sobredita disposição, alegando que “o impugnante emite opiniões, como resultado de ideias, não constituindo uma actividade de criação, cujo produto final seja algo até ali inexistente. As opiniões consubstanciam uma apreciação de carácter subjectivo, sobre os vários acontecimentos que ocorrem na sociedade nacional ou internacional, de cariz económico, político, social ou outros, mas não se configuram uma obra. E, também não são uma «obra», e no âmbito do artigo 56º do EBF, a redução a escrito dos comentários televisivos. As opiniões, os comentários expressos de forma oral ou reduzidos a escrito e publicados, não constituem obra protegida pelos direitos de autor, nem caem na previsão do artigo 56º do EBF”.

  4. Ora, a sentença mostra-se desconforme às disposições legais aplicáveis.

  5. Com efeito, a lei – nomeadamente o artigo 56º do EBF, artigos 1º e 2º do CDADC e artigo 42º da CRP – é bastante clara ao considerar totalmente irrelevante a forma de exteriorização da obra do autor: é, precisamente, a sua exteriorização, por qualquer modo, que a transforma de simples ideia em obra protegida.

  6. Ora, como não se poderá deixar de concordar, a publicação num jornal de um artigo ou a verbalização num programa de televisão ou de rádio são formas diversas de exteriorizar a mesma obra.

  7. No entanto, o legislador, e, especialmente, o fiscal, em momento algum quis aplicar regimes fiscais diferentes aos diversos modos de exteriorização de uma mesma obra, situação essa, aliás, que a acontecer consubstanciaria uma crassa violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da CRP) que também aqui se invoca.

  8. Em suma, a criação do recorrente é uma manifestação particular da sua liberdade de expressão do pensamento, que consubstancia uma obra, protegida nos termos legais. Independentemente do modo como a mesma é exteriorizada, esta obra é objecto de protecção constitucional e, bem assim, por via da tutela dos direitos de autor, estando, por conseguinte, abrangida pelos mesmos benefícios que são concedidos a todas as demais obras.

  9. E, sendo assim, a decisão proferida pelo tribunal a quo efectuou uma errada interpretação das disposições legais aplicáveis, havendo, portanto, erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de direito por violação das disposições acima citadas, devendo a sentença proferida ser revogada, com todas as demais consequências legais.

    Termina pedindo o provimento do recurso e seja revogada a sentença recorrida, com todas as consequências legais.

    1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

    1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes: «Reitera-se o parecer emitido a fls. 160 e 161.

    Conforme Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa “uma rubrica de jornal”, mas também de “emissão televisiva”, “onde são relatados e comentados, de um ponto de vista pessoal, notícias ou episódios relativos a uma determinada área”, não são de considerar como arte mas como mera crónica jornalística, não assumindo dignidade bastante para gozar do pretendido benefício fiscal.» 1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

    FUNDAMENTOS 2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos (ora se rectificando o erro material constante da alínea A) relativamente ao montante de €164,77 e sendo que os factos constantes das alíneas A) a C) se consideraram relevantes para a decisão da excepção da caducidade do direito de acção e os restantes se consideraram relevantes para a decisão do mérito da impugnação): A) Pelo registo dos CTT: RY323513222PT, foi endereçado a A……………………… a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2001, n° 2005 5004400454, com data limite de pagamento: 2006-01-30, no valor de € 1.164,77 – cfr. fls. 13; B) Em 03/01/2006, foi entregue o registo dos CTT: RY323513222PT – cfr. fls. 152; C) Em 03/05/2006, via fax, foram apresentados os presentes autos de impugnação - cfr. fls. 3.

    D) O Impugnante, jornalista de profissão celebrou com a B............... - ………….. S.A. um contrato de prestação de serviços, no âmbito do qual se obrigou a “participar como comentador, entrevistador ou debatente, no programa designado «………….. » ou noutros programas de informação da estação, acordados entre as partes” – cfr. contrato de prestação de serviços de fls. 11 e 12; E) As remunerações pagas ao Impugnante são devidas a título de direitos de autor – cfr. contrato de prestação de serviços de fls. 11 e 12; F) O Impugnante colabora na qualidade de comentador ou debatente com a C………….. S.A. – cfr. artigo 8º da petição a fls. 4 e fls. 80 do processo administrativo apenso; G) O Impugnante declarou, por referência ao IRS do exercício de 2001, a verba de 287.491,84 €, em rendimento bruto da categoria B, descriminada nos seguintes campos: - € 28.680,88 no campo 403 (Outras prestações de serviços e outros rendimentos) do Anexo B; - € 129.405,48 no campo 404 (Propriedade Intelectual) do Anexo B; - € 129.405,48 no campo 501 (rendimentos de propriedade literária, artística e científica - art. 56º do EBF) do Anexo H – cfr. fls. 17 dos autos e fls. 71 a 76 do processo administrativo apenso; H) O Director de Finanças Adjunto, por delegação da Direcção de Finanças de Lisboa, emitiu despacho segundo o qual, altera os elementos constantes da declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2001, do Impugnante: corrigiu os montantes declarados no Anexo B e Anexo H (campos 404 e 501) de 129.405,48 € para 85.480,12 € e o montante declarado no campo 403 do Anexo B para 116.531,60 € – cfr. despacho a fls. 109 e fundamentação de fls. 110 a 114 do processo administrativo apenso; I) Da informação que fundamenta as correcções destaco o seguinte teor: “Depois de analisadas as declarações emitidas nos termos do art. 119º do CIRS e a actividade desenvolvida pelas diferentes entidades, verificou-se que o montante de 72 886,84 €, pago pela entidade com o NIPC…………, B…………. SA e 14 963,88 € pago pela C………….. SA, NIPC …………. não deveria ter ser declarado em propriedade intelectual, mas no campo 403, outras prestações de serviços e outros rendimentos.

    (…) As participações como comentador, entrevistador ou debatente, consubstancia na expressão de uma opinião, ou uma posição assumida perante determinada realidade, podendo consistir em acontecimentos fácticos, sociais, políticos, jurídicos, económicos ou de qualquer género, sobre determinada posição assumida por terceiros, sobre certos acontecimentos, ou ainda sobre certo trabalho, ou obra literária, não podendo configurar uma «obra» com os contornos exigidos pelo CDADC e, face à referência que é feita no EBF e no CIRS, para direitos de autor e direitos conexos, na determinação do que se deve considerar como «propriedade intelectual», não podendo estes rendimentos auferidos ser considerados como referentes a direitos de autor, para efeitos fiscais (designadamente, no que respeita ao actual art. 56º do EBF).

    Efectivamente a emissão, ainda que de forma exteriorizada, de uma opinião, tal como a manifestação de qualquer ideia, não constitui uma actividade de criação, fruto de labor intelectual de alguém, cujo produto final seja algo até então inexistente.

    Pelo contrário, limita-se a uma apreciação, de carácter subjectivo, sobre a realidade existente, fáctica ou não.

    Assim, se conclui que os rendimentos pagos pela B………………… SA, NIPC …………… e C………….SA, NIPC………….., no âmbito da prestação de serviços, não deverão ser considerados rendimentos de propriedade intelectual, e enquadrados na previsão do art. 56º do EBF, pelo que...

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