Acórdão nº 0947/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução29 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I.

Relatório 1. A…………, Lda., identificada nos autos, apresentou reclamação no TAF de Viseu, do despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Tondela, de 13/10/2013, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, apresentado em 23/04/2013, imputando ao acto vício de forma, por preterição do direito de audição prévia, vício de forma, por falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto, por ser manifesta a falta de culpa na insuficiência de bens e o prejuízo irreparável causado pela prestação da garantia.

  1. O juiz do tribunal “a quo” decidiu pela improcedência da reclamação, porquanto não existiu violação do direito de audição prévia, nem o vício de falta de fundamentação, assim como a reclamante não logrou demonstrar o preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia, com vista à suspensão da execução fiscal.

  2. Não se conformando, A…………, Lda. veio interpor recurso para este STA, formulando as seguintes conclusões das suas alegações: A. O presente processo respeita a uma reclamação apresentada pela A………… contra o indeferimento, por parte do Serviço de Finanças de Tondela, de um pedido de dispensa de prestação de garantia em que não foi realizada a audição do contribuinte prévia a esse indeferimento, em violação do disposto nos artigos 267.°, n.º 5, da CRP, 60.° da LGT e 45.° do CPPT.

    1. O Acórdão deste STA de 26.09.2012 que é transcrito na sentença recorrida acompanha a corrente que qualifica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um acto de natureza administrativa — cf., em particular, página 21 sentença aqui posta em crise.

    2. Consubstanciando a decisão de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia um acto administrativo em matéria tributária e, como tal, sujeito ao regime previsto na LGT para os procedimentos tributários (e, em particular, ao princípio da participação contido no artigo 60.º do mesmo diploma), não se pode aventar, no modesto entendimento da A…………, a possibilidade da sua não observância ou simples dispensa, como acabou por concluir o Tribunal a quo.

    3. Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.

    4. A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2.º da LGT, mostra-se de carácter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2.º da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.

    5. A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal — como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia — seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final — cf. artigo 60°, n.º 1, alínea b), da LGT –, sendo que os n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 60.º da LGT vêm indicar, peremptoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

    6. Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição fundamentada afastará a audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

    7. Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia — no que não se concede –, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de actos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» - cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.

      I. Ao contrário do que se verifica na situação dos autos, a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objectivamente do acto e das suas circunstâncias (cf., neste sentido, Ac. STA de 28-05-2002, proc. 048378, disponível em www.dgsi.pt), não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimento (Nas expressivas palavras do Exmo. Senhor Dr. Juiz Conselheiro Lino Ribeiro, em voto de vencido ao entendimento que fez maioria no mencionado Ac. deste STA de 26.09.2012: «0 prazo de 10 dias para decidir o dito “procedimento” é assim meramente ordenador ou disciplinador, sem quaisquer consequências negativas para o requerente, Daí que não nos devemos Impressionar com a alegação de que tal prazo determina a natureza urgente do procedimento, pois, pelo menos na perspectiva do executado, não há uma correlação necessária entre o prazo de decisão e a urgência na resolução da pretensão. Além disso, a aplicar-se as normas do CPA, seria sempre de exigir um “despacho” a justificar a urgência da decisão».), que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo (acolhendo o teor do mencionado Acórdão deste Venerando STA) para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado ao pedido de dispensa de prestação de garantia em causa nos autos.

    8. Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respectivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» – cf. Ac. STA de 26.9.2012, reproduzido na página 24 da sentença recorrida.

    9. Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido ou petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário precludia a necessidade de realização de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

      L. Por outro lado, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cf. artigo 170º, n.º 3, do CPPT), é certo que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa («No CPPT, quando se estabelecem restrições probatórias (que...

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