Acórdão nº 01540/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução29 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – O A…………, SA, melhor identificado nos autos recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte, da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 30/04/2011, que julgou procedente a excepção da falta prévia da dedução da reclamação graciosa do acto de deferimento do pedido da revisão oficiosa da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2003 no valor de € 4.694 600,00.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «a. Ao apreciar imediatamente o pedido, finda a fase dos articulados, não observando a fase das Alegações de Direito a que alude o artigo 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Mm.ª Juiz a quo impediu que a Recorrente exercesse o seu direito ao contraditório, quer quanto à junção do processo administrativo, quer quanto à excepção de intempestividade do Pedido de Revisão suscitada pela Fazenda Pública; b. A fase das Alegações de Direito é o momento processual em que as partes podem suscitar vícios e argumentos supervenientes, pelo que a intenção da sua não observância ao abrigo do disposto no artigo 113.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser antecedida da audição das partes, por forma a evitar que as mesmas deixem de poder invocar argumentos supervenientes ou defender-se de excepções suscitadas pela parte contrária, como ocorreu no caso em apreço; c. O número 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária não pode ser interpretado no sentido de restringir a revisão oficiosa dos actos de liquidação aos casos em que, previamente, o contribuinte utilizou os meios tutelares graciosos e judiciais ordinários nem pode depender exclusivamente da iniciativa administrativa, sob pena de perder a sua primordial função, que é a da “revisão extraordinária” da liquidação; d. A interpretação da primeira parte do número 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária efectuada pela Administração Tributária, a qual restringe possibilidade de apresentação do pedido de revisão nos casos de autoliquidação, não é admissível à luz das normas vigentes, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, por ser incompatível com o sentido da autorização legislativa que está na origem da norma relevante; e. A Administração Tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei, nos termos do número 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 55.º da Lei Geral Tributária, bem como ao respeito pelo principio da tributação das empresas pelo lucro real consagrado no artigo 104.º, número 2 da Constituição da República Portuguesa, devendo proceder às correcções que se mostrem devidas face aos erros praticados pelos contribuintes na autoliquidação, quer esses erros lhe sejam favoráveis ou desfavoráveis; f. Verifica-se, portanto, que se encontram reunidos todos os pressupostos legais para a revisão do acto de autoliquidação de IRC em apreço, sendo a interpretação contrária subjacente ao acto recorrido manifestamente ilegal e até inconstitucional, por violação dos artigos 55.º e 78.º da Lei Geral Tributária, e 104.º, número 2 e 266.º, número 2 da Constituição da República Portuguesa; g. A falta de audição do Recorrente prévia à decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico vicia o acto em causa, na medida que o mesmo foi praticado com base na preterição de formalidade essencial, nos termos dos artigos 267.º, número 5 da Constituição da República Portuguesa, 60.º, número 1, alínea b) da Lei Geral Tributária e 8.° do Código do Procedimento Administrativo; h. O artigo 60.º da Lei Geral Tributária prevê não apenas as situações em que existe o direito de audição prévia, mas também os casos em que ela é dispensada (apenas nos casos de a decisão ser favorável ao sujeito passivo ou o memo ter sido ouvido antes da emanação da liquidação de imposto) e, ao contrário do que acontece no Código do Procedimento Administrativo, não estabelece qualquer situação em que inexista tal direito. Verifica-se, assim, que em sede de contencioso tributário e por aplicação do citado artigo 60.º da Lei Geral Tributária, há sempre lugar à audição prévia do sujeito passivo antes da decisão final de um Recurso Hierárquico por si apresentado, desde que a mesma pretenda indeferir total ou parcialmente a pretensão daquele; i. Os movimentos ocorridos em 2003 na provisão para riscos gerais de crédito do Recorrente deverão ser agregados para efeitos do cálculo do respectivo impacto fiscal em IRC: em substância, haverá uma constituição/reforço líquido (caso o valor total da provisão mínima a 31 de Dezembro do exercício de 2003 seja superior ao seu montante reportado a 31 de Dezembro do ano de 2002) ou uma reposição/anulação líquida (caso o saldo dessa provisão diminua em termos absolutos, quando comparado com o respectivo saldo do exercício imediatamente anterior) j. O montante líquido da provisão no âmbito do regime geral de tributação em IRC apurado pelo Recorrente em 2003 foi positivo em € 25.924.990,11, pelo que apenas este montante deveria ter sido acrescido enquanto reforço da provisão para riscos gerais de crédito (não dedutível para efeitos de IRC), sendo que a transferência da provisão para riscos gerais de crédito no montante de € 1. 551. 706,46, tributada em exercícios anteriores, deveria ter sido deduzida para efeitos fiscais, pelo que foi indevidamente acrescido na declaração Modelo 22 de IRC do Recorrente o valor de € 18.445.142,34; k. A decisão recorrida deverá, assim, ser revogada, por violar expressamente as normas constantes dos artigos 113.º e 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 55.º, 60.º, número 1, alínea b) e 78.º da Lei Geral Tributária, 104.º tributária, 104.º, número 2 e 266.º, número 2 da Constituição da República Portuguesa, devendo ser substituída por outra, nos termos do artigo 715.º, número 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que julgue procedente a Impugnação apresentada, anulando-se as decisões que recaíram sobre o Pedido de Revisão sobre o Recurso Hierárquico interposto pelo Recorrente e, em consequência, promovendo-se a anulação parcial do acto de autoliquidação de IRC de 2003, reduzindo-se o lucro tributável pelo montante de € 18. 445. 142,34.» 2 – Não houve contra alegações.

3 – O recurso foi interposto no TCAN e este, por acórdão exarado a fls. 203 e segs. dos autos, veio declarar-se incompetente em razão da hierarquia, cabendo tal competência à secção do contencioso tributário do STA.

4 – O Exmº Procurador Geral emitiu fundamentado parecer a fls. 225/229 dos autos, que, na parte mais relevante se transcreve: «Um dos fundamentos, não único, em que se baseou o indeferimento do pedido de revisão e o do subsequente recurso hierárquico resultou do facto de não ter sido deduzida pelo ora recorrente a reclamação graciosa a que alude o art. 131.º, n.º 1 da LGT, argumento que tendo sido excepcionado pela ora recorrida, no seu articulado de defesa, e pelo Ministério Público, no seu parecer, foi inteiramente acolhido pelo tribunal “a quo” que, com esse fundamento, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

Sucede, porém, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a matéria em causa, à qual inteiramente se adere, não sufraga o entendimento vertido na sentença recorrida.

Com efeito, como se escreveu no douto Acórdão de 28.11.2007, citado no parecer do Ministério Público de fls. 117 a 119 e na Alegação da Recorrente, «(o) alcance do n.º 2 do art. 78.º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio da CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes»; que o art. 78.º, n.º 2 da LGT «(...), seria organicamente inconstitucional, por ser incompatível com aquele sentido da autorização legislativa, se fosse interpretado por forma que se reconduza a que a revisão oficiosa, em casos de autoliquidação, só fosse possível quando o contribuinte tivesse previamente apresentado reclamação graciosa e impugnação judicial da autoliquidação».

Na esteira dessa doutrina, concluiu-se no douto Acórdão de 14.06.2012, in Rec. n.º 0259/12, que «(...) apesar de não ter sido apresentada reclamação graciosa pela Autora nos termos do art. 131.º do CPPT, esta não estava impedida de pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar».

A revisão do acto tributário, como esclarece o douto Acórdão de 12.09.2012, in Rec. n.º 0476/12, constitui «um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração».

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