Acórdão nº 092/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução30 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1. “A………………, SA”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu [doravante «TAFV»] a presente ação administrativa especial contra o atual “IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP” [abreviada e doravante «IFAP» cuja orgânica se mostra disciplinada pelo DL n.º 195/2012 - e que sucedeu ao então “INGA - INSTITUTO NACIONAL DE INTERVENÇÃO E GARANTIA AGRÍCOLA” nos termos dos arts. 21.º do DL n.º 209/2006 e 17.º do DL n.º 87/2007] peticionando, pela motivação inserta na petição inicial de fls. 02/57 dos autos [paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], que fosse declarada nula ou anulada a decisão de 15.10.2004 proferida pelo Presidente e por um Vogal do Conselho de Administração do «INGA» no processo n.º 1159/2001 a determinar a reposição da quantia de 85.890,01 €, acrescida de juros de mora à taxa legal até ao respetivo reembolso.

1.2.

O TAFV, por acórdão de 14.06.2012, julgou a ação improcedente, considerando totalmente improcedente a pretensão fundada nas ilegalidades invocadas pela A. [usurpação de poderes - arts. 205.º, n.º 2 e 266.º da CRP, 133.º, n.º 2, al. a) do CPA, 08.º, n.º 1 do Reg. (CEE) n.º 729/70; ofensa ao direito de propriedade - arts. 18.º e 62.º da CRP, 133.º, n.º 2, al. d) do CPA; nulidade por falta de atribuições do então «INGA» para a prática do ato - arts. 133.º, n.º 2, al. b) do CPA, 05.º e 06.º do DL n.º 79/98, 04.º do Reg. (CEE) n.º 729/70; falta de competência dos autores do ato; preterição de formalidade essencial relativa a realização de diligências de prova complementares (perícia colegial e tradução de documentos) - arts. 94.º, n.ºs 1 e 2, 101.º, n.º 3, 104.º do CPA; falta de fundamentação - arts. 124.º e 125.º do CPA; erro sobre os pressupostos de facto; erro sobre os pressupostos de direito: prescrição obrigatoriedade de reposição/procedimento - arts. 40.º, n.º 2 do DL n.º 155/92, 309.º do CC e 03.º do Reg. (CE/EURATOM) n.º 2988/95; prescrição dos juros - arts. 482.º e 498.º do CC; caducidade do direito à revogação do ato - art. 141.º do CPA; ilegalidade cometida pela A. no procedimento como mera irregularidade formal e não como irregularidade grave conducente à restituição das ajudas - arts. 01.º a 06.º do Reg. (CEE) n.º 2238/93 em conjugação com os arts. 01.º, 04.º e 05.º do Reg. (CE/EURATOM) n.º 2988/95].

1.3.

Aquela A., inconformada com o juízo de improcedência quanto alguns dos fundamentos de ilegalidade que havia invocado [no caso relativos à usurpação de poderes; à preterição de formalidade essencial relativa a realização de diligências de prova complementares (perícia colegial e tradução de documentos); erro sobre os pressupostos de direito: prescrição obrigatoriedade de reposição/procedimento - arts. 40.º, n.º 2 do DL n.º 155/92, 309.º do CC e 03.º do Reg. (CE/EURATOM) n.º 2988/95; caducidade do direito à revogação do ato - art. 141.º do CPA] recorreu para o TCA Norte o qual, por acórdão de 11.10.2013, negou total provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão judicial recorrida.

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a mesma A., inconformada com o acórdão proferido pelo TCA Norte, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 384 e segs]: “...

Da admissibilidade da revista A. As questões suscitadas nos autos são de importância fundamental, do ponto de vista da sua complexidade e relevância jurídica e social.

  1. A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo justifica-se para uma melhor aplicação do direito, uma vez que o acórdão recorrido revela um flagrante erro na aplicação do direito, em manifesta disparidade com o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

  2. Estão, pois, preenchidos os pressupostos tipificados na lei para a admissão do presente recurso, nos termos do artigo 150.º do CPTA, como, aliás, em questão em tudo idêntica àquela que se discute nos presentes autos, decidiu já este Venerando Tribunal - cfr. decisão proferida em 28 de fevereiro de 2013 no âmbito do processo n.º 173/13, consultável em www.dgsi.pt Do recurso propriamente dito D. A aplicação do prazo ordinário de prescrição de 20 ou de 10 anos ao domínio da reposição de restituições à exportação de vinho ocorrida em 1999 é contrária à legislação comunitária com aplicação direta no ordenamento português e, bem assim, aos princípios da segurança jurídica, da não discriminação dos litígios comunitários relativamente aos litígios nacionais e da proporcionalidade, subjacentes tanto ao ordenamento jurídico interno, como ao ordenamento jurídico comunitário.

  3. Ao adotar o Regulamento n.º 2988/95 e, em particular, o seu artigo 3.º, n.º 1, o legislador comunitário pretendeu instituir uma regra geral de prescrição aplicável nessa matéria mediante o qual renunciou, voluntariamente, à possibilidade de recuperar somas indevidamente recebidas do orçamento comunitário após o decurso do período de quatro anos, período durante o qual as autoridades dos Estados-Membros, atuando em nome e por conta do orçamento comunitário, deveriam recuperar (ou deveriam ter recuperado) essas vantagens indevidamente obtidas.

  4. No caso dos presentes autos, estamos perante uma alegada irregularidade cometida pela Recorrente, aquando das exportações em causa no ano de 1999 (decorrente da não apresentação dos registos obrigatórios nos termos das regras comunitárias) que, lesando o orçamento do FEOGA-Garantia, determina a reposição da quantia recebida a título de restituições à exportação de vinho nessa campanha, ou seja, estamos perante uma situação subsumível ao campo de aplicação do mencionado Regulamento n.º 2988/95 e respetivo prazo de prescrição do procedimento de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade.

  5. O Tribunal de Justiça da União Europeia, chamado a pronunciar-se pelas instâncias jurisprudenciais dos diferentes Estados-Membros, tem plasmado o entendimento de que tal prazo de prescrição de quatro anos para o procedimento decorrente da prática de qualquer irregularidade que ponha em causa os interesses financeiros das Comunidades Europeias se aplica às medidas administrativas de recuperação de uma restituição à exportação, como a dos presentes autos - cf. Ac. da 2.ª Secção do TJUE, de 29.01.2009 Josef Vosding Schlacht.

  6. Considerando que: (i) os Regulamentos comunitários têm aplicação direta no ordenamento jurídico interno - cf. artigo 8.º, n.º 4 da CRP e artigo 189.º do Tratado CE -; (ii) que o TJUE aplica, sem margem para dúvidas, o prazo prescricional previsto no artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento 2988/95 às medidas administrativas que visam a recuperação de uma restituição à exportação; (iii) e que inexiste, no ordenamento jurídico interno, qualquer disposição especial que, ao abrigo da possibilidade estabelecida no n.º 3 do artigo 3.º do mesmo Regulamento, preveja um prazo específico para a prescrição aplicável a um domínio como o do reembolso das restituições à exportação indevidamente recebidas em prejuízo de fundos comunitários, não pode senão concluir-se que o prazo de prescrição previsto no mencionado Regulamento deverá ter aplicação ao caso dos autos.

    I. Com a entrada em vigor no ordenamento jurídico português da regra de prescrição geral e de efeito direto prevista no artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95 - que supriu a falta de uma regra específica nessa matéria no ordenamento português -, forçoso é concluir que o prazo de prescrição a aplicar é o fixado naquele normativo comunitário.

  7. Considerando que a quantia cuja reposição o Recorrido pretende foi recebida pela Recorrente em Maio de 1999 (cf. ponto 1 da Matéria de Facto Assente), o prazo de prescrição do procedimento de quatro anos terminou em maio de 2003.

  8. Quando a decisão administrativa de reposição da quantia em questão nos autos foi proferida, somente a 15 de outubro de 2004 (cfr. ponto 6 da Matéria de Facto Assente), já se encontrava transcorrido o respetivo prazo prescricional, o que não podia senão ser declarado nos presentes autos, e ora se requer a este Venerando Tribunal.

    Sem prescindir, L. Ainda que se admitisse que o prazo de prescrição de 20 ou de 10 anos corresponde ao prazo de prescrição estabelecido pelo legislador português ao abrigo da possibilidade prevista no n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95 - no que não se concede e apenas se admite como mera hipótese de raciocínio - sempre este prazo - de 20 ou de 10 anos - seria atentatório do princípio da segurança jurídica, da proporcionalidade e da não discriminação dos litígios comunitários relativamente aos litígios nacionais, que vigoram e subjazem tanto ao ordenamento jurídico interno, como ao ordenamento comunitário.

  9. O princípio da segurança jurídica exige, no contexto de uma atuação contra uma irregularidade lesiva dos interesses financeiros da União Europeia e que dê origem a uma medida administrativa de determinar o reembolso, pelo operador, das restituições à exportação indevidamente recebidas, que a situação desse operador não seja indefinidamente suscetível de ser posta em causa e que, consequentemente, seja aplicado um prazo de prescrição à possibilidade de atuação contra essa irregularidade.

  10. Para cumprir a sua função de garantir a segurança jurídica, esse prazo aplicado deve ser conhecido antecipadamente ou, pelo menos, deve ser suficientemente previsível para o destinatário - cf. Ac. da 4.ª Secção do TJUE, de 5.05.2011, junto como doc. 1.

  11. A prática jurisprudencial em Portugal - que tem vindo a aplicar à reposição de restituições à exportação similares às dos presentes autos o prazo de prescrição de 20 ou de 10 anos, não é anterior ao ano da prática da irregularidade aqui em causa.

  12. A prática de aplicar à reposição de restituições à...

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