Acórdão nº 01446/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução02 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I - RELATÓRIO 1- A………… e outros, devidamente identificados nos autos, intentaram no TAF do Porto, ao abrigo do art. 51º, nº 1, al. c), do DL nº 129/84, de 27/04, recurso contencioso de anulação do ato administrativo praticado pelo Diretor do Departamento de Gestão Urbanística da Câmara Municipal do Porto que deferiu o requerimento nº 27075/00, o ato que revogou o despacho de indeferimento de licença de habitabilidade e do ato administrativo que concedeu e emitiu a licença de utilização do prédio sito na Travessa da ……, nºs … e …, freguesia de ……, Porto (fls. 45-52v).

1.1- Aquele Tribunal, por sentença de fls.754-787 decidiu conceder provimento parcial ao recurso, e, em consequência, anulou «os atos de autorização de utilização e de emissão do respetivo alvará de licença de utilização nº 237/2001, proferidos, respetivamente, em 16/03/2001 e 27/03/2001, pelo Sr. Diretor do Departamento de Gestão Urbanística da Câmara Municipal do Porto».

2- Não se conformando, o MUNICÍPIO DO PORTO veio interpor recurso desta sentença (fls. 795), para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos art.s. 26º, nº1, al. b), e 40.º, do ETAF84, e art. 102º e ss. da LPTA, que foi admitido por despacho de fls. 801.

3- O Recorrente apresentou as suas alegações, concluindo: “1. Não pode o Recorrente concordar com a douta sentença proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 28/02/2013, que considerando existir ilegalidade orgânica, por incompetência do respetivo autor, determinou a anulação dos atos de autorização de utilização e de emissão do respetivo alvará de licença de utilização n.° 237/2001, proferidos, respetivamente, em 16.03.2001 e 27.03.2001, pelo Sr. Diretor do Departamento de Gestão Urbanística da Câmara Municipal do Porto.

  1. Não podia o Tribunal a quo ter concluído, como concluiu, pela incompetência do autor de tais atos e, nessa medida, determinar a respetiva anulação 3. Da Ordem de Serviço 38/99, subjacente à prática dos atos em apreço, resulta, de forma, clara e inequívoca, a existência de delegação no Diretor Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística da competência para autorizar a utilização e emitir o respetivo alvará de licença de utilização, relativamente a quaisquer obras e, por inerência, a respetiva subdelegação no Diretor do Departamento de Gestão Urbanística.

  2. Além, da competência para “emitir licenças e alvarás de utilização, com exclusão de obras novas” (n.° 51 do ponto XIV da Ordem de Serviço 38/99), encontra-se, igualmente cometida, ao Diretor Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística por força dessa Ordem de Serviço, a competência para “proceder a vistorias de utilização e de propriedade horizontal, previamente autorizadas e emitir os respetivos alvarás” (n.° 36 do mesmo ponto).

  3. Os atos de autorização de utilização e de emissão o respetivo alvará de licença de utilização n.° 237/2001 não padecem de qualquer ilegalidade por incompetência do seu ator, pois que a mesma resulta, em toda a linha, dessa ordem de serviço, nos termos da qual o Diretor do Departamento de Gestão Urbanística, por subdelegação do respetivo Diretor Municipal, se encontrava habilitado a autorizar e emitir o respetivo alvará de utilização em toda e qualquer situação/obra.

  4. Ainda que se entendesse padecerem tais atos de vício de incompetência, sempre se impunha, sob a égide do princípio do aproveitamento do ato administrativo uma decisão diversa daquela de que ora se recorre.

  5. Tal princípio “habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa”.

  6. Tais pressupostos verificam-se, indubitavelmente, no caso sub judicio, na medida em que a decisão da Entidade Recorrida não poderia ser outra que não fosse a concessão da licença de utilização e emissão do respetivo alvará, comprovada que se mostrava a conformidade da obra executada com o projeto aprovado e cumpridos todos os necessários requisitos legais.

  7. O vício de incompetência que o Tribunal recorrido considerou existir não inquina a substância do conteúdo da decisão administrativa de concessão da licença de utilização e emissão do alvará.

  8. O recurso ao princípio do aproveitamento do ato, no que especificamente concerne ao vício de incompetência, não constitui novidade na jurisprudência, escrevendo-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27.04.2012 (Processo: 01986/07.OBEPRT), a este respeito, que: “A incompetência para a prática do ato não deve conduzir à sua anulação se, no caso, era a única decisão possível para o caso, também face ao princípio do aproveitamento do ato” 11. No caso concreto, impondo-se o deferimento da licença de utilização requerida pelos contrainteressados e a emissão do respetivo alvará, o vício de incompetência mostra-se, na prática, irrelevante.

  9. Acresce que a repetição do ato, em eventual execução do julgado anulatório, conduziria à prática de ato inútil — a repetição da autorização de utilização e da emissão do alvará — cujo direito se reconhece antecipadamente existir, face à validade substancial do licenciamento, reconhecida, aliás, expressamente pelo Tribunal recorrido que julgou improcedente todos os demais vícios invocados pelos Recorrentes, à exceção do vício de incompetência.

  10. Andou mal a decisão recorrida ao determinar a anulação dos atos de autorização de utilização e de emissão do respetivo alvará de licença de utilização n.° 237/2001, quando as circunstâncias impunham, necessariamente, a aplicação do princípio do aproveitamento dos mesmos, fazendo jus às razões que subjazem, designadamente de economia processual – como sendo a de obstar à renovação de um ato cujo conteúdo não poderia ser outro e à impugnação sucessiva de atos renovados –, de desvalorização do direito formal em relação ao direito substancial e de estabilização das relações jurídicas, através da prolação de sentenças com efeito útil.

    Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, na parte em que anulou os atos de autorização de utilização e de emissão do respetivo alvará de licença de utilização n.° 237/2001, proferidos, respetivamente, em 16.03.2001 e 27.03.2001, pelo Sr. Diretor do Departamento de Gestão Urbanística da Câmara Municipal do Porto, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!” 5- Os Recorridos apresentaram as suas contra-alegações, requerendo a ampliação do objeto do recurso (art. 684º-A, nº1, CPC), fls. 853-867, com as seguintes conclusões: “

    1. Quanto às contra-alegações.

      I. Como bem decorre da douta sentença, o Município do Porto não comprovou — e isso exigia-se-lhe — que a competência para a prática dos atos que enfermam do vício de incompetência tenha sido objeto de uma válida delegação; II. Acresce, porém, que esse vício de incompetência se estende a todos os atos visados no recurso contencioso de anulação (não àqueles, portanto), posto que necessariamente dependentes uns dos outros; III. Não colhe a invocação que é feita pelo Município do Porto do princípio de aproveitamento do ato administrativo que aqui não tem o seu terreno de eleição, como igualmente não o têm outros princípios e razões igualmente alegadas por aquele Município, especialmente porque aquelas não eram as únicas decisões possíveis (ou sequer uma das possíveis) e de acordo com a lei; IV. Por tudo isso, não assiste qualquer razão ao Município, ora recorrente, quer nas suas alegações, quer nas conclusões que formula e que assim devem improceder, além de que não se reconhece que a douta sentença seja merecedora das críticas avançadas por aquele Município.

    2. Quanto à ampliação do objeto do recurso.

      V. Caso o recurso do Município venha a merecer provimento (o que apenas se admite como mera hipótese académica), pretendem os nesta sede recorridos que sejam apreciados por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo alguns dos fundamentos do seu recurso contencioso de anulação em que não teve vencimento; VI. Assim, e bem ao contrário do que se decidiu, verifica-se, e por mais de uma vez, o vício de violação da lei, já porque aqueles atos violam alguns princípios constitucionais (nomeadamente, mas não só, aquele dirigido a proteger a propriedade dos aqui recorridos), já porque é manifesto que violam as próprias normas de direito de urbanismo a que a douta sentença faz várias vezes apelo; VII. E falha, desde logo, quando considera que a contrainteressada pelo simples facto de ter legitimidade para requerer o licenciamento ou a autorização de construção também teria para requerer a autorização de utilização dessa construção; VIII. Sucede, porém, que a contrainteressada não tinha (ou tem) essa legitimidade, ao menos parcial, nem para a construção, nem para a utilização, na medida em que é manifesto que uma parte dessa construção foi erigida em terreno/prédio que não é de sua propriedade (e os autos comprovam-no sem qualquer dúvida); IX. Acresce dizer e o que é comum, de resto, aos “outros” vícios de violação da lei apontados — que jamais essa...

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