Acórdão nº 01235/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE FARMÁCIAS [ANF], devidamente identificada nos autos, vem interpor dois recursos jurisdicionais: - interpõe recurso do despacho implícito de admissão da reconvenção que foi deduzida pela ré ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DE LISBOA E VALE DO TEJO [ARS/LVT]; e interpõe recurso da decisão final que julgou «improcedente» o pedido por ela formulado contra a ré ARS/LVT e o réu ESTADO PORTUGUÊS [EP], e julgou «parcialmente procedente» o pedido reconvencional deduzido, contra ela, pela ARS/LVT.

    Conclui assim as suas alegações referentes ao primeiro recurso: 1-O pedido reconvencional encontra-se sujeito à observância de requisitos substantivos, tendo de se verificar entre o pedido e a causa de pedir uma das 3 conexões previstas no artigo 274º, nº2, do CPC; 2- No caso, a mera enunciação dos pedidos principais da autora e dos pedidos reconvencionais da ré permite afastar a verificação entre ambos do factor de conexão previsto na alínea b) do nº2 do artigo 274º do CPC; 3- No que concerne a alínea a) do preceito, não se verifica, desde logo, qualquer identidade entre qualquer um dos factos jurídicos em que a ré ARS/LVT funda o seu pedido reconvencional e os factos que integram a causa de pedir da acção principal; 4- Para sustentar o 1º pedido reconvencional formulado, a ré alegou o pagamento da quantia de 2.042.004,09€ a título de imposto de selo sobre juros e que tal quantia não seria devida à autora ao abrigo da alteração do «Acordo», concluindo pelo pagamento indevido da mesma e pedindo a sua restituição; 5- No que concerne ao 2º pedido reconvencional, a ré suportou factualmente a sua pretensão na [alegada] circunstância de os juros apresentados pela recorrente à recorrida para pagamento, e pagos por esta, corresponderem a uma média das taxas de juro da banca, sendo que, de acordo com a interpretação que a reconvinte faz do contrato, à autora apenas seriam devidos os juros moratórios efectivamente suportados junto da banca comercial; 6- Os pedidos reconvencionais formulados apenas se poderão sustentar em termos jurídicos no instituto do enriquecimento sem causa [ver artigo 473º, nº1 do CC], pois a ré ARS/LVT fez expressa menção ao carácter «indevido» dos pagamentos feitos à autora, e não invocou [ou sequer alegou factos idóneos a invocar] qualquer outro instituto que possa ser a fonte da obrigação de devolução que pretende imputar à recorrente; 7- Por seu turno, a autora sustentou o pedido principal de condenação da ré ARS/LVT no valor correspondente à aplicação da taxa legal supletiva de juros civis aos juros de mora vencidos e vincendos sobre o capital devido à autora, no regime da responsabilidade civil contratual por mora imputável ao devedor; 8- Para o que alegou, no essencial, os factos constitutivos da [i] celebração do «Acordo» existente entre a autora e a ré ARS/LVT e respectivas alterações; [ii] verificação de atraso no cumprimento das obrigações da ré ARS/LVT; [iii] interpretação das cláusulas constantes da alteração ao «Acordo», segundo a vontade das partes; 9- Em causa estarão, entre outras, as normas relativas à interpretação da vontade das partes na celebração do convénio [ver artigos 236º e seguintes do CC] e às consequências indemnizatórias da mora da recorrida [ver artigos 804º, nº1, e 806º do CC]; 10- A autora sustentou o pedido principal de pagamento do valor suportado pela recorrente a título de imposto de selo sobre o capital mutuado, por apelo ao regime do incumprimento temporário dos contratos e das consequências da mora e, interpretando as cláusulas 7ª e 8ª da alteração ao «Acordo»; 11- Para o que alegou [i] os factos atinentes à celebração do contrato, [ii] factos relativos à interpretação das cláusulas contratuais constantes do «Acordo» e demonstrativos da vontade das partes, naquele momento e contexto, e [iii] factos relativos à contracção de novos empréstimos bancários e o imposto de selo sobre o capital pago por causa destes empréstimos; 12- Em termos de Direito, em causa estará a aplicação das normas relativas à interpretação de cláusulas contratuais [ver artigos 236º e seguintes do CC] e às consequências indemnizatórias da mora da recorrida [ver artigos 804º, nº1, e 806º do CC]; 13- As normas e institutos jurídicos invocados pela recorrente e pela recorrida ARS/LVT são distintos, pelo que, de acordo com a corrente jurisprudencial que sustenta a interpretação restritiva do artigo 274º nº2 alínea a) [1ª parte] do CPC, afastada estaria qualquer possibilidade de conexão entre ambas; 14- Nem se diga que a invocação do instituto do enriquecimento sem causa, a título subsidiário, pela autora, na sua petição inicial, será suficiente para encontrar alguma conexão entre os pedidos, pois a autora baseia esta invocação na circunstância de ter sido forçada a financiar-se e pagar o respectivo imposto de selo sobre o capital face aos atrasos de pagamento da ré, e no facto de o próprio Estado arrecadar o respectivo imposto, ao passo que a ré ARS/LVT baseia a sua pretensão no alegado pagamento indevido de determinados montantes à autora, sendo que mesmo a corrente que dá prevalência à norma não descura dos factos que preenchem a sua previsão; 15- Mesmo que se perfilhe a interpretação mais lata da 1ª parte do artigo 274º, nº2, alínea a) do CPC, segundo a qual a conexão se detectará desde que os factos constitutivos das normas fundamento da acção e da reconvenção [que poderão ser distintas] sejam comuns, forçoso será concluir igualmente pela não verificação deste elemento de conexão no caso concreto; 16- Enquanto a recorrente invocou o contrato e factos atinentes à sua interpretação, e à sua execução, para concluir pela existência dos direitos que invoca, a reconvinte ARS/LVT alegou, para fundamentar os seus pedidos, o pagamento de determinados montantes à autora[que, denote-se, não correspondem aos valores exigidos pela própria autora] e a invocação de ausência de causa para o referido pagamento; 17- Embora os pedidos de ambas as partes se «movam» dentro da mesma relação jurídica, reportando-se ao mesmo contrato, os factos constitutivos dos direitos a que cada uma das partes se arroga na presente acção são correspondentes, sendo certo que nem a celebração do contrato é um facto constitutivo do direito da ré/reconvinte ARS/LVT, na medida em que a sua pretensão se funda, precisamente, na inexistência, no contrato, de causa para os pagamentos por ela efectuados; 18- Nem a invocação pela ré, no artigo 112º da contestação, da «confissão» feita pela autora, no artigo 274º da petição inicial, a propósito do pagamento pela ré do imposto de selo sobre juros, como «mote» do pedido formulado, será suficiente para encontrar a identidade de factos jurídicos que já se mostrou inexistir; 19- A invocação deste facto no artigo 274º da petição inicial visou demonstrar, por esta via indirecta, o reconhecimento pela ré, de que a cláusula 8ª abarcava não apenas os juros pagos pela autora à banca nacional, mas também os respectivos encargos bancários [neles se incluindo, portanto o imposto de selo sobre o capital]; 20- Embora este seja um facto constitutivo do pedido da reconvinte, na causa de pedir da autora é um mero facto instrumental, irrelevando, por conseguinte, tal coincidência para efeitos de subsunção do caso concreto ao disposto no artigo 274º, nº2, alínea a), 1ª parte do CPC; 21- No caso, não se verifica igualmente a conexão entre a causa de pedir da reconvenção e qualquer fundamento de defesa aduzido pela ré/reconvinte na sua reconvenção [ver parte final do nº2 do artigo 274º]; 22- Da análise da defesa apresentada pela recorrente ARS/LVT resulta que esta no essencial se defendeu dos pedidos formulados por via de impugnação directa [negação] dos factos alegados pela autora como fundamentadores do pedido principal formulado, e que os factos novos invocados a título de excepção, em nada se relacionam com os factos constitutivos do direito invocado na instância reconvencional, qual seja o pagamento das quantias peticionadas a título de juros e imposto de selo sobre juros e a ausência de causa [nomeadamente contratual] para tal pagamento; 23- A mera impugnação da interpretação contratual levada a cabo pela autora, para sustentar os pedidos formulados, e a afirmação do facto contrário ao invocado pela autora[em negação deste], não serão suficientes para fundamentar a dedução de um pedido reconvencional pois, de acordo com a melhor Doutrina e Jurisprudência, o facto jurídico que serve de fundamento ao pedido reconvencional deverá também ser invocado contra o pedido principal a título de defesa por excepção, enquanto alegação de um facto novo que reduza, modifique ou extinga o pedido do autor; 24- No caso concreto não se verifica igualmente o factor de conexão previsto na alínea e) do nº2 do artigo 274º do CPC, que se reconduz à identidade de efeitos jurídicos dos pedidos principal e reconvencional, assim se aproximando da ideia de identidade de pedidos, prevista no artigo 498º, nº3 do CPC; 25- Ao passo que a autora afirma o seu direito ao pagamento das quantias despendidas a título de selo sobre o capital que lhe foi mutuado pelos Bancos para cumprir o contrato, bem como ao pagamento de juros de mora calculados à taxa legal supletiva de juros civis, a ré/reconvinte, no seu pedido reconvencional afirma o seu direito à restituição das quantias pagas a título de imposto de selo sobre juros bancários suportado pela autora, bem como da eventual diferença entre o valor de juros efectivamente pago pela autora à Banca e o valor que [na tese da reconvinte] teria sido calculado por esta com base em taxas médias da Banca e cobrado à ré; 26- Os valores peticionados são diferentes e reportam-se a realidades e a «direitos» afirmados distintos: a autora pugna pelo pagamento das quantias peticionadas por efeito do contrato e/ou por efeito da mora da ré, enquanto a ré pugna pela restituição das quantias pagas com base na ausência de causa para a prestação feita; 27- No caso concreto...

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