Acórdão nº 0858/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU DAS NEVES
Data da Resolução17 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO O Município de Lisboa, inconformado com o acórdão da secção proferido em 06 de Novembro de 2014 que (i) indeferiu o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida e, (ii) julgou totalmente improcedente a pretensão cautelar, traduzida na “suspensão de eficácia de acto administrativo” formalizado “através da Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014 de 08 de Abril, publicada no nº 69, da I série do Diário da República, que aprovou o caderno de encargos e determinou a abertura do concurso público para alienação das acções da A………….. S.A., dele recorreu para o Pleno da secção, formulando, na respectiva alegação as seguintes conclusões: «I – O douto acórdão recorrido foi proferido tendo por base uma fundamentação de direito que, confrontada com o objecto dos presentes autos, colide com os preceitos legais e constitucionais aplicáveis à situação sob litígio, incorrendo em erro de julgamento e na nulidade prevista na alínea d), do nº 1, do artº 615 do CPC aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.

Do interesse Público no Sector dos Resíduos Sólidos Urbanos II – O Venerando tribunal considerou que o dano para interesse nacional invocado pelo requerido ora recorrido será superior aqueles que o requerente ora recorrente invocou tendo acolhido em tal juízo os eventuais danos tal como foram descritos pelo recorrido e tendo sido estes tidos pelo Venerando Tribunal como prejuízos efectivos nos interesses nacionais especificadamente indicados como resultando irremediavelmente prejudicados com a suspensão da privatização.

III – No entanto, sem embargo de se considerar que algumas das circunstâncias invocadas pelo recorrido sejam passíveis de enquadramento no interesse público nacional, já não é de todo verdade que tal interesse público resulte prejudicado com a suspensão da privatização da A……..

IV – E para tal conclusão não são necessários juízos de valor sobre as opções do recorrido, não se invadindo “aquilo que são das margens da decisão política, das suas opções e critérios que a norteiam e, bem assim, invadir aquilo que é margem de livre decisão da Administração, os poderes discricionários de que a mesma dispõe para valorar a melhor forma de prosseguir o interesse público e a oportunidade da decisão suspendenda no seu contexto e tempo”, bastando atentar no conteúdo das várias situações descritas pelo recorrido como consubstanciadores do interesse público nacional e de eventuais que resultariam para o mesmo com o decretamento da providência requerida.

V – Pela simples razão de que esse interesse público sempre foi e será prosseguido e permanecerá incólume com a suspensão da privatização da A……...

VI – Foi na aceitação da imputação dos danos superiores para o interesse público nacional invocados pelo recorrido que ocorreu o erro de julgamento, bem como a omissão de pronúncia relativamente aos danos invocados pelo recorrente, que motivaram o presente recurso.

VII – Resulta das atribuições e competências que são próprias dos municípios e não do Estado, no que se refere ao sector dos resíduos sólidos a nível nacional, na gestão dos sistemas de tratamento e valorização de resíduos urbanos que a intervenção dos municípios globalmente considerada é maioritária em relação à do Estado.

VIII – A gestão dos sistemas de tratamento e valorização de resíduos urbanos é pois, também e principalmente uma competência dos municípios conforme resulta do disposto nos artigos 2º e 23º da Lei nº 75/2013 de 12 de Setembro.

IX – Não podendo o recorrido arrogar-se de exclusividade da prossecução do interesse público no que se refere aos sistemas de tratamento e valorização de resíduos urbanos, como faz ao invocar prejuízos para o “interesse público definido e prosseguido para o sector dos resíduos urbanos”.

X – Os sistemas multimunicipais foram assim criados por necessidade de articulação dos vários interesses públicos locais e apenas com a cooperação e concordância dos municípios envolvidos na criação desses sistemas multimunicipais, foi possível a sua criação pelo Estado e o seu funcionamento e sucesso na gestão integrada de resíduos sólidos urbanos.

XI – O interesse público nacional do sector dos resíduos sólidos urbanos mais não é, assim do que um veículo para a prossecução do interesse público local das populações servidas pelos sistemas multimunicipais.

XII – O Estado tendo chamado a si a criação dos sistemas multimunicipais não pode pois deixar de atender ao interesse público da populações locais que deverá presidir no sector dos resíduos sólidos.

XIII – O interesse das populações locais é prosseguido pelas autarquias locais que se encontram dotadas de autonomia nessa matéria, conforme decorre da natureza das próprias autarquias constitucionalmente consagradas enquanto “pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas” (artigo 2º da CRP).

XIV – Decorrendo igualmente da aplicação do princípio da autonomia local, definido como o “direito e a capacidade efectiva de as autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações uma parte importante dos assuntos públicos”, na Carta Europeia de Autonomia Local (CEAL), (artº 3º, nº 1), sendo aceite pelos Estados contratantes que à mesma se encontram vinculados, entre os quais Portugal, que “O princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e, tanto quanto possível, pela Constituição” (artigo 2º da CEAL).

XV – Não pode pois o Estado arrogar-se a exclusividade da definição do que entende serem as opções e decisões que melhor prosseguem um interesse público que na sua génese é um interesse das populações locais, o qual deve ser prosseguido em primeira linha pelas próprias autarquias às quais, compete a definição das opções políticas e tomada de decisões que entender serem as que melhor servem as suas populações e não pelo Estado.

XVI – Conforme o recorrente invocou no requerimento inicial da presente providência e petição inicial da acção principal para a prossecução do interesse público da população que serve, no âmbito do sector dos resíduos sólidos, é essencial a sua participação na gestão da B……….

XVII – Participação esta que é concretizada através da indicação de dois membros do Conselho de Administração da B………, um deles com funções executivas nas áreas dos aterros, a Direcção de Estudos, Qualidade e Inovação, a Estação de Tratamento e Valorização Orgânica e os Apoios Municipais, conforme se encontra também publicado no sítio oficial da Internet desta empresa.

XVIII – Resultando tal direito de indicação de dois membros para o Conselho de Administração e, em especial, as funções executivas atribuídas a um deles, a uma plataforma de entendimento entre os accionistas apenas possível por força do disposto no artº 41º do Decreto-Lei nº 133/2013.

XIX – Sendo que aquele Decreto-Lei nº 133/2013 de 03 de Outubro consiste no Regime Jurídico do Sector Público Empresarial cujo âmbito de aplicação se limita às empresas públicas, este deixará de ser aplicável à B………. caso se concretize a sua privatização decorrente da privatização da A…….. e, assim, com a privatização de mais de 50% do capital social da B……., o recorrente deixará de ter direito à indicação de dois membros para o Conselho de Administração, um deles com funções executivas, desta sociedade, apenas lhe restando um direito de indicação de um administrador (sem funções executivas) nos termos previstos no Código das Sociedades Comerciais.

XX – Com esta privatização, o recorrente deixa assim de poder prosseguir o interesse público da sua população conforme lhe é garantido pela Constituição, pela CEAL e pela Lei nº 75/2013 de 12 de Setembro, como tem feito até à presente data.

XXI – Pelo que, a privatização da A…….. determina assim o impedimento da prossecução do interesse público da população que o recorrente serve, também, através do acompanhamento directo da gestão da B……….

A) Do alegado esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental do «PERSU» 2020 e do financiamento dos Fundos Comunitários XXII – Não pode igualmente colher o argumento emitido pelo douto acórdão de que “a concretização das metas do «PERSU» 2020, implica um esforço de investimento cujo financiamento depende de Fundos Comunitários Europeus e a captação de recursos pelos accionistas das empresas concessionárias” e que “só a alienação da A……… permitirá viabilizar o esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental e promover soluções de maior eficiência e eficácia económica que assegurem a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência”.

XXIII – O âmbito do PERSU 2020 consiste em estabelecer a visão, os objectivos, as metas globais e as metas específicas por Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos e as medidas a implementar no quando da gestão de resíduos urbanos no período de 2014 a 2020, bem como a estratégia que suporta a sua execução, abrangendo os resíduos urbanos cuja gestão é da responsabilidade dos sistemas de gestão de resíduos urbanos.

XXIV – E a definição das metas específicas de cada sistema na elaboração da proposta deste PERSU 2020 envolveu todas as empresas gestoras de resíduos urbanos, incluindo a B………., enquanto empresa pública que actualmente é, sendo que, no caso da B……. encontravam-se já a ser desenvolvidos processos de procura de soluções envolvendo conjuntamente os municípios e a empresa para que seja possível criar sistemas de recolha de maior proximidade e que só é possível de concretizar numa relação de proximidade e clima de cooperação e confiança verificados entre os municípios e a empresa.

XXV – A B………. e certamente as restantes empresas gestoras dos sistemas multimunicipais, encontrava-se já a desenvolver esses...

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