Acórdão nº 0602/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelASCENSÃO LOPES
Data da Resolução04 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1-Relatório: No recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária deduzido por A………… (doravante Arguida ou Recorrida), a Mª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, após ter proferido despacho a ordenar a apensação a estes autos de outros recursos judiciais instaurados pela mesma Arguida em processo de contra-ordenação por falta de pagamento de Imposto Único de Circulação (IUC), proferiu decisão na qual, julgando procedente o recurso, anulou as decisões administrativas de fixação da coima.

Inconformada com a decisão de apensação e com a decisão final proferida, a Fazenda Pública (doravante Recorrente) interpôs recurso jurisdicional dessas duas decisões para o Supremo Tribunal Administrativo Quanto ao primeiro recurso: Apresentou alegações com as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que admitiu liminarmente o recurso apresentado pela arguida, o qual se circunscreve à questão de direito da decisão de apensação, determinada pelo Meritíssimo Juiz a quo, de todos os processos de recurso de contraordenação que lhe foram distribuídos, da mesma recorrente, o que resultou na apensação de 3 processos de contraordenação aos presentes autos.

B. Para assim decidir, considerou o Tribunal a quo, que "resulta da consulta do sistema informático que, me foram distribuídos outros processos de recurso de contraordenação instaurados por esta mesma recorrente determinando consequentemente, a apensação de 3 processos a estes autos C. Quanto à legitimidade da Fazenda Pública para interpor o presente recurso, importa ter em conta que, com a proposta de Lei n.º 496/2012, de 10 de Outubro de 2012, de aprovação do Orçamento do Estado para 2013, foi alterada a redacção do art. 83º do RGIT, passando o representante da Fazenda Pública, por força do nº 1 da referida norma, a ter legitimidade para interpor recurso da decisão proferida pelo tribunal, ampliando-se, deste modo, a sua possibilidade de intervenção no processo de contraordenação, que antes se limitava à produção de prova, nos termos do art. 81º, nº 2 do RGIT.

D. Deste modo, e tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a aplicação subsidiária do RGCO neste âmbito, por força do art. 3º, alínea b) do RGIT, com a alteração legislativa ocorrida, a Fazenda Pública tem também legitimidade para recorrer nos recursos de processos de contraordenação tributária, ao abrigo do nº 2 do art. 73º do RGCO.

E. Observa-se de perto, quanto a esta questão, o douto entendimento dos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em "Regime Geral das Infracções Tributárias anotado", 4ª edição, 2010, em anotação ao art. 83°, página 562 e seguintes, que se transcreve: "Porém, em matéria de direito sancionatório, não será compreensível que não exista também uma válvula de segurança do sistema de alçadas que permita assegurar a realização da justiça pelo menos em casos em que se esteja perante uma manifesta violação do direito, sendo esta possibilidade uma exigência do direito de defesa constitucionalmente consagrado. Por isso, deve-se concluir que será aplicável subsidiariamente o preceituado no n° 2 do art. 73° do RGCO." F. Quanto à subida imediata do presente recurso, entende a Fazenda Pública que, no regime previsto no art. 84º do RGIT, complementado pelo RGCO, não é possível a execução das coimas e sanções acessórias antes do trânsito em julgado ou de se ter tornado definitiva a decisão administrativa que as aplica, sendo esta a única interpretação que assegura a constitucionalidade material deste art. 84, do RGIT, nos casos em que o recurso é interposto de decisão condenatória, assim não sendo necessário a prestação de garantia para que o mesmo recurso goze de efeito suspensivo da decisão recorrida – conforme se doutrinou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15-11-2011, processo n° 04847/11; e na esteira do entendimento dos Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos em "Regime Geral das Infracções Tributárias anotado", 4ª edição, 2010, em anotação ao art. 84º, página 582 e seguintes.

G. Neste sentido, não deverá ser considerada exequível para efeitos de decisão de instauração de processo de execução fiscal, a decisão judicial proferida nestes autos que decidiu apensar todos os recursos de contraordenações da mesma recorrente, face à pendência do presente recurso, sob pena de se afectar o efeito útil do mesmo.

H. Especificando o que para aqui releva, quanto à apensação de vários processos de contraordenação, entende a Fazenda Pública, salvo melhor opinião, que não pode proceder o argumento expendido no douto despacho a quo, não se conformando a Fazenda Pública com a mesma e considerando que tal despacho padece de erro de direito, urgindo assim, a promoção da uniformização da jurisprudência face ao inerente perigo de repetição e desigualdade na aplicação entre os diversos tribunais tributários de 1ª instância, tudo nos termos do disposto no art. 83º do RGIT, em conformidade com o art. 73º, nº 2 do RGCO, aplicável por força da alínea b) do art. 3º do RGIT - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-11-2012, proc. 0704/12; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-01-2007, proc. 01124/06.

I. A decisão subjacente, o douto despacho a quo, de apensação de 1 processo de contraordenação distribuído ao Meritíssimo Juiz a quo, aos presentes autos, tem unicamente em conta, quanto ao elemento de conexão existente entre os mesmos, a identidade do arguido.

J. No caso de processos de contraordenação tributários, é aplicável o RGIT e subsidiariamente o RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que contém norma específica no seu art. 3º, alínea b), sendo que não existe nestes diplomas, norma legal que preveja a apensação de processos de contraordenação.

K. O artigo 36º do RGCO, aplicável subsidiariamente ao RGIT, prevê a "competência por conexão" em caso de concurso efectivo de contraordenações.

L. Neste âmbito importa observar o entendimento do Ilustre Juiz do TEDH Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem", Universidade Católica Editora, 2011, em anotação ao art. 36º, p. 128: "O critério do artigo 36º só opera relativamente aos processos que se encontrem na fase administrativa. (...) Na fase judicial, a conexão rege-se pelo disposto nos artigos 24º e seguintes do CPP." M. Assim, por força do disposto no art. 41º do RGCO, quanto à unidade e apensação de processos, terá de se recorrer aos preceitos reguladores do processo criminal, ou seja, às normas do Código de Processo Penal (CPP).

N. Perscrutado o referido diploma legal, temos que, quanto aos casos de conexão inerentes à apensação de processos, as situações são exclusivamente as previstas no seu art. 24º O. As infracções por falta de pagamento do Imposto Único de Circulação, como as dos presentes autos e dos autos ora apensados, não são cometidas através da mesma acção, na mesma ocasião ou lugar, não sendo também umas, causa ou efeito das outras, nem se destinando umas, a continuar ou a ocultar as outras, não sendo praticadas por vários agentes em comparticipação, não se verificando igualmente qualquer outra das condições aí taxativamente previstas - Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12/12/2013, proc. nº 07056/13.

P. Quanto à conexão subjectiva que sustentou a opção do Meritíssimo Juiz a quo, salvaguarda-se que o art. 25º do Código de Processo Penal, limita-se a ampliar o critério de conexão subjectivo determinado no art. 24°, a todos os crimes cometidos na área de uma mesma comarca, da competência de diferentes tribunais dessa área, mas não prescinde, salvo melhor opinião, dos critérios de conexão processual subjectiva do art. 24º, sob pena de essa taxatividade perder toda a razão de ser, e se permitir mais, quando os crimes são do conhecimento de dois ou mais tribunais, com sede na mesma comarca, do que quando a apreciação da ocorrência de mais do que um crime cometido pelo mesmo agente é da competência do mesmo tribunal.

Q. O elemento subjectivo por si só não sustenta a conexão de processos, impondo a lei a verificação de algum dos elementos taxativos no art. 24° do CPP.

R. E neste pressuposto, só o funcionamento da conexão permite a apensação de processos, nos termos do nº 1 do artigo 29º do mesmo diploma legal, que tem em vista a economia processual e uniformidade de julgamento, mas impõe-se que se verifiquem, desde logo, os elementos objectivos de conexão tipificados na lei, o que não ocorre in casu.

S. No caso em apreço, os processos apensados correspondem ao levantamento de vários autos de notícia, autónomos entre si, face aos restantes, que deram lugar a diversos e independentes processos de contraordenação, aos quais, por decisão de condenação, foi aplicada a coima respectiva, ainda não transitada em julgado.

T. Sucede que, os 2 processos de contraordenação em apreço, não foram apensados pela autoridade tributária, mantendo autonomia entre si.

U. Com todo o respeito que nos merece a fundamentação expendida pelo douto Tribunal a quo, entende a Fazenda Pública que a apensação dos processos determinada pelo Meritíssimo Juiz a quo, não tem sustentação legal, pelo que não poderá a decisão do tribunal de 1ª instância versar numa única sentença sobre os 4 recursos dos processos de contraordenação.

V. Pelo que, concluímos ser ilegal a apensação de processos por despacho do douto Tribunal a quo.

W. Entende a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que é muito, que o douto despacho sob recurso enferma de erro na aplicação do direito, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis, mais concretamente as que regem a unicidade e apensação de processos, mormente os artigos 24º 25º, 28º e 29º do CPP, aplicáveis por força do art. 41º do RGCO, norma esta por sua vez aplicável ao abrigo do disposto...

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