Acórdão nº 0781/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2015
Magistrado Responsável | PEDRO DELGADO |
Data da Resolução | 01 de Julho de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A A………, SA, com os demais sinais dos autos, recorre ao abrigo do disposto no art.º 25.º, nº2, do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (regime da arbitragem Tributária) da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo nº 282/2013-T de 27 de Maio de 2014 que julgou improcedente a reclamação graciosa do acto de autoliquidação de IRC e derrama municipal relativo ao exercício de 2010 no montante de € 278.791,15, que está em oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06 de Julho de 2011, proferido no processo nº 0281/11.
Por despacho de 03 de Setembro de 2014, a fls. 173 dos autos, foi admitido o presente recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral, tendo sido ordenada a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos dos arts 27.º, nº1, al. b) do ETAF, 152.º, nº4 do CPTA e 26º, nº1 do RJAT.
A recorrente apresentou a fls. 02/37 alegação tendente a demonstrar a oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões: «A. No processo arbitral a questão cuja resposta era (e foi tida como tal) determinante era esta: são os concretos tipos de tributação autónoma em causa (sobre despesas e encargos, dedutíveis elas mesmas) IRC/tributação do rendimento do respectivo sujeito passivo? Isto é, é IRC a tributação autónoma sobre encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custo e similares? O esforço argumentativo da decisão é canalizado para a resposta a esta questão.
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A decisão arbitral recorrida chegou à conclusão de que as tributações autónomas sobre aqueles encargos e despesas seriam IRC (cfr. a sua p 29 e toda a análise que a antecede).
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Inversamente, o acórdão fundamento transitado em julgado chegou à conclusão de que as tributações autónomas são um imposto distinto do IRC, são impostos indirectos que se limitam a ser liquidados conjuntamente com o IRC e que “em boa verdade (...) poderiam estar inscritas num outro código ou em diploma autónomo”.
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Não há a respeito desta questão diferenças perceptíveis entre o quadro legal vigente em 2008 (ano a que se reporta o acórdão fundamento) e o quadro legal vigente em 2010 (ano a que se reporta a decisão arbitral recorrida).
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Há, pois, oposição da decisão arbitral quanto à mesma questão fundamental de direito com o acórdão (fundamento) do STA de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 0281/11 (VALENTE TORRÃO — relator —, DULCE NETO e CASIMIRO GONÇALVES), nos termos e para os efeitos do artigo 25.°, n.º 2, do RJAT.
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A contradição insanável quanto à mesma questão fundamental (são as tributações autónomas IRC?) entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento (e outros dois acórdãos do STA que a título complementar se referenciam), cria uma enorme incerteza jurídica, com repercussões sistemáticas sérias em variados pontos e aspectos do regime do IRC previsto no CIRC.
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Prosseguindo, a decisão arbitral infringiu o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, na redacção em vigor em 2010 e, bem assim, o disposto nos artigos 1.º, 3.º e (na numeração em vigor em 2010, e até 2013) 23.º, n.º 1, alínea f) do CIRC, ao subsumir no conceito de IRC, a propósito da norma dirigida ao IRC constante da primeira das citadas disposições, as tributações autónomas (sobre despesas e encargos) aqui em causa, i.e., ao qualificar tais tributações autónomas como IRC.
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Para além do acórdão fundamento, concorrem ainda no mesmo sentido (oposto ao da decisão arbitral) de que as tributações autónomas não são IRC, o acórdão do STA de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º 0830/11 (FERNANDA MAÇÃS, relatora, PEDRO DELGADO e FRANCISCO ROTHES) e o acórdão do STA de 12 de Abril de 2012, proferido no processo 077/12 (FERNANDA MAÇÃS, relatora, CASIMIRO GONÇALVES e LINO RIBEIRO).
I. No primeiro estava em causa a norma de transparência fiscal aplicável ao IRC, que certos contribuintes tentaram sustentar aplicar-se também às TA, e com o segundo estava em causa a norma de exclusão do IRC por sujeição ao imposto do jogo, que certos contribuintes tentaram sustentar também se aplicaria às TA (exclusão, também, de tributação em sede de TA). A resposta dos tribunais, a pedido da AT, foi sempre e consistentemente, não, precisamente com base na constatação de que sendo as TA distintas do IRC, não lhes é aplicável (sem necessidade de qualquer ressalva) as normas dirigidas ao IRC.
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E assim tinha já sucedido também com a apreciação de questões de retroatividade em que a potencial particular lógica de aplicação ao IRC da proibição constitucional de retroatividade da lei fiscal foi recusada com respeito às TA (cfr. o acórdão fundamento). Precisamente por se tratar de tributo diferente do IRC.
DA LETRA DA LEI K. É inequívoco que as duas normas do CIRC que definem o que é o IRC são o seu artigo 1.º (mais genérico) e o seu artigo 3.º. Quer um quer outro explicam o que é o IRC, sendo absolutamente coincidentes nisto: imposto sobre o lucro/rendimento do respectivo sujeito passivo, em nenhuma alínea constando a base tributável das tributações autónomas aqui em causa (encargos ou despesas de certo tipo) ou de quaisquer outras.
L. E, nota-se, são normas que existem desde o início do IRC, mas que foram objecto de republicação por mais do que uma vez muito depois de existirem já as tributações autónomas (as últimas republicações/reafirmações ocorreram com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro e, quatro anos antes, com o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e nem por isso foram adaptadas para incluir na sua definição de IRC as tributações autónomas: pelo contrário, reafirmaram sempre, nessa ocasião, a definição originária do IRC.
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Por sua vez e em contraste, o artigo 12.º do CIRC na redacção em vigor desde 2002 e, desde 2014, a alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.°-A do CIRC, não têm por missão ou função definir o que é o IRC, donde não terem transformado em IRC, fora do seu âmbito específico (material e temporal) de aplicação, aquilo (as tributações autónomas sobre despesas e encargos) que não é nem nunca o foi, como resulta das normas fundamentais especificamente definidoras do que é o IRC e que constam do respectivo código (cfr. citados artigos 1.º e 3.º).
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E será/seria grave e perigoso para a coerência e racionalidade do sistema fiscal e, consequentemente, para quem zela (ou deve zelar) por ele, se assim não for/fosse: se, conforme pretendido pela decisão arbitral, a definição de IRC constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC estiver realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral, então as implicações sistemáticas a retirar daí são mais do que muitas e todas contrárias à prática que vem sendo seguida desde sempre pacificamente por AT e contribuintes: cfr. o tema das isenções em IRC; cfr. o tema da dedução das tributações autónomas a créditos fiscais em IRC (créditos ao investimento; por dupla tributação internacional; etc.); cfr. o tema da dedução das tributações autónomas ao PE (pagamento especial por conta); etc.
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Acresce que o STA, no supra citado acórdão de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º 0830/11, por referência a factos respeitantes a 1996, i.e., anteriores à actual redacção do artigo 12.º do CIRC (em vigor desde 2002, tendo sido introduzida pelo artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), viu na expressão IRC, aí então (1996) exclusivamente utilizada, algo que não abrangia as tributações autónomas.
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Donde a conclusão segura de que a alteração legislativa de 2014 consubstanciada na redacção dada à alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.°-A do CIRC (anterior artigo 45.º) tem carácter inovatório e, consequentemente, só pode aplicar-se daí em diante. Donde ainda a necessária conclusão de que padece de inconstitucionalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (proibição de retroactividade da lei fiscal), e por violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (cfr. artigo 2.º da Constituição), Q. a interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.°-A do CIRC, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, no sentido de que a equiparação aí efectuada das tributações autónomas ao IRC, se aplicaria a exercícios fiscais anteriores a 2014, por ter, alegadamente, natureza materialmente interpretativa da norma anterior que substituiu (a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, e anteriormente a 2010, artigo 42.º) e que não fazia tal equiparação.
DO ARGUMENTO CONCEPTUAL PRINCIPAL E ERRO MAIOR DA DECISÃO ARBITRAL R. Vai pura e simplesmente longe de mais a decisão arbitral quando defende que as TA sobre despesas e encargos dedutíveis seriam ainda IRC por visarem compensar a perda de receita em IRC com a dedução aí de tais encargos e despesas (cfr. p 28 da decisão arbitral): toda a tributação indirecta, sobre consumos e despesas que “reduzem” o lucro tributável (melhor dizendo, concorrem para o seu apuramento), poderá com esta malha conceptual larguíssima ser então vista como IRC, como uma forma, ainda, de tributação do lucro tributável.
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O erro de análise, aliás, começa ainda mais a montante: “permite-se que o sujeito passivo deduza a despesa [que constitui a base tributável da tributação autónoma] ”? Ou as despesas são deduzidas porque lucro (cuja tributação é o objectivo do IRC) é justamente a receita subtraída da despesa? “ [R] receita fiscal perdida com a dedução da despesa”? Ou receita fiscal indevida em sede de IRC na medida em que justamente a tributação do lucro pressupõe que se leve em consideração as despesas? Isto não é uma mera questão de semântica e diz muito do espírito da decisão arbitral recorrida.
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E é crível que a função das tributações autónomas possa ser a de desincentivar certas despesas? Nesse caso porque não se optou por impedir a dedução fiscal da própria despesa? U. Admitindo, ainda assim, a...
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