Acórdão nº 0723/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução02 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A………………, Procurador Adjunto na comarca do ……., intentou, contra o Conselho Superior do Ministério Público (doravante CSMP), acção administrativa especial impugnando a deliberação do seu Plenário, de 30/04/2010, que, indeferindo reclamação, confirmou a decisão da sua Secção Disciplinar que lhe aplicou a pena disciplinar de advertência.

Para tanto alegou que aquele acto sancionatório era ilegal por: - Erro nos seus pressupostos de facto, já que não estava provada a factualidade que determinara a sua punição.

- Violação de lei, por inversão ilegal do ónus da prova; - Violação de lei, por o comportamento censurado ser mera ocorrência da sua vida privada e, por isso, não poder ser disciplinarmente sancionado.

- Erro sobre os pressupostos de direito, a conduta sancionada não consubstanciava a violação do dever de correcção; - Preterição de diligências relevantes para a descoberta da verdade; - Violação de lei, por a decisão punitiva ter sido proferida para além do prazo de 30 dias previsto no art. 55º/4 do Estatuto Disciplinar.

O CSMP, na sua contestação, sustentou que o acto impugnado não estava ferido por nenhum dos vícios que lhe eram imputados.

Por Acórdão de 7/06/2011 a acção foi julgada totalmente improcedente.

Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso que finalizou com a formulação das seguintes conclusões: I. Em primeiro lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que não ficou demonstrada a realidade dos factos que lhe foram imputados, como se demonstra nas alegações.

  1. Em segundo lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez a instrução sancionatória inverteu ilegalmente o ónus da prova e violou o princípio da presunção da inocência, como se demonstra nas alegações.

  2. Em terceiro lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que o comportamento censurado não tem relevo disciplinar, sendo mera ocorrência da sua vida privada, como se demonstra nas alegações.

  3. Em quarto lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que o comportamento censurado não consubstancia violação do dever geral de correcção, como se demonstra nas alegações.

  4. Em quinto lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que foram ilegalmente preteridas diligências relevantes para a descoberta da verdade, como se demonstra nas alegações.

  5. Em sexto lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter anulado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que foi ultrapassado o prazo estabelecido no nº 4 do artigo 55º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, sendo que tal prazo é aplicável no caso, como se demonstra nas alegações.

    O CSMP contra alegou para defender a manutenção do julgado sem, contudo, formular conclusões.

    FUNDAMENTAÇÃO I. MATÉRIA DE FACTO A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: 1. O autor é magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador Adjunto, a exercer funções na comarca do …….; 2. A Ex.ª Procuradora Geral Distrital de Lisboa, sob a referência “Of. nº 341” de 26.03.2009, oficiou ao Ex.mo Conselheiro Vice – Procurador – Geral da República, nos seguintes termos: “Tenho a honra de transmitir a V. Ex.ª a participação anexa, vinda dos Serviços do Ministério Público da Comarca do …….., com pedido de instauração de inquérito, nos termos do art. 211º, n.º EMP”.

    1. Sobre esse ofício, o Ex.mo Vice – Procurador – Geral da República, lavrou o seguinte despacho: «Concordo com a proposta da Exa. PGD de Lisboa.

      Designa-se para o efeito de proceder a inquérito o Ex.mo Inspector, Dr. B…………..

      DN.

      Lx. 07-04-09” 4. Datado de 29 de Junho de 2009, foi elaborado o relatório do inquérito, constante a fls. 117/130 do processo instrutor apenso (que aqui se dá por inteiramente reproduzido) e que o Sr. Inspector rematou do seguinte modo: “Os factos apurados consubstanciam comportamentos de menor respeito e de falta de consideração para com o agente da PSP C…………. integrando, por isso, violação do dever geral de correcção e de respeito previsto no art. 3º, nº 2, al. h) da Lei nº 58/2008, de 9/09, aqui aplicável por força do disposto no art. 216 do Estatuto do Ministério Público o que constitui a infracção disciplinar p. e p. nos art.ºs 163, 166, nº 1, al. b) e 181 da Lei nº 60/98, de 27/8, em consequência do que se propõe a conversão do presente inquérito em processo disciplinar nos termos do art. 214, nº 1, do mesmo diploma.” 5. A Secção do Conselho Disciplinar do CSMP, na sua reunião de 14 de Julho de 2009, determinou o seguinte: “Acolhendo os fundamentos e a proposta, acordam na Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público em converter o presente inquérito em processo disciplinar, constituindo aquele a parte instrutória deste, nos termos previstos no nº 1, do art. 214º do Estatuto do Ministério Público”.

    2. No processo disciplinar, o respectivo instrutor, em 30/07/2009, deduziu a acusação, constante a fls. 150/153 do p.i, que passamos a transcrever:1ºO arguido, concluída a respectiva formação no Centro de Estudos Judiciários, foi nomeado Procurador Adjunto por deliberação do CSMP de 99.5.26, publicada no DR de 99.6.14, encontrando-se colocado na comarca do ……….. desde 07.9.4 (deliberação do mesmo Conselho de 07.7.13, publicada no DR de 07.8.31)2ºNo dia 27 de Fevereiro do corrente ano, os agentes da P.S.P. C…………. e D………….. encontravam-se no interior de um veículo policial na Praça ……………. em …………… – ………., em missão de fiscalização do trânsito, tendo-se apercebido da passagem de um veículo tipo jipe, com a matrícula ……….., cujo condutor, o arguido A……………, segurava na mão um telemóvel com o qual fazia, ou atendia, um telefonema.

      1. Como tal acto configurasse a prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 84º, nºs 1 e 4 do Código da Estrada, seguiram atrás do mesmo no propósito de o interceptarem logo que possível, o que acabaria por acontecer na Rua …………. na mesma localidade.

      2. Dirigiu-se então o agente C…………… ao arguido a quem solicitou a apresentação dos respectivos documentos que analisou, informando-o depois que iria proceder à sua autuação por ter feito uso indevido do telemóvel no exercício da condução automóvel, explicando-lhe as formas como poderia efectuar o pagamento da respectiva multa, pagamento que deveria ser feito no próprio momento sob pena de ficarem apreendidos os documentos da sua viatura.

      3. Reagindo manifestamente desagradado ao que lhe era referido pelo agente policial, o arguido respondeu, de imediato, e de modo exaltado, “eu não pago nada, apreenda-me tudo”.

      4. E acto contínuo, e de modo impulsivo, abriu a porta do veículo e saiu do mesmo dizendo de forma agressiva “caralho, estou-me a divorciar, já tenho problemas que cheguem”, acto que surpreendeu aquele agente que, temendo alguma reacção mais violenta do arguido, recuou no terreno alguns metros ao mesmo tempo que chamava o seu colega D…………… que aguardava junto ao veículo policial.

      5. Já com o colega ao seu lado, o agente C………… aconselhou calma ao arguido que, sem razões que o justificassem, exibiu aos agentes o seu cartão de identificação profissional, ao mesmo tempo que dizia “eu não gosto nada de me identificar com este cartão, mas eu sou Procurador”, procurando com isso condicionar aquele agente no levantamento do auto de contra-ordenação.

      6. Mesmo assim o agente C…………… manteve a intenção de elaborar o respectivo auto e dirigiu-se para o efeito ao veículo policial para proceder à elaboração do respectivo expediente.

      7. No final, e quando o mesmo solicitou ao arguido que assinasse o auto de contra – ordenação nº ………… que elaborara, e uma vez mais lhe perguntou se pretendia pagar a respectiva multa naquele momento, o arguido repetiu que não pagava e recusou-se a assinar o auto como lhe era solicitado.

      8. E dirigiu-se ao agente C………….. solicitando-lhe a respectiva identificação pessoal e local de trabalho, referindo-lhe que aquele ainda ouviria falar de si.

      9. O arguido bem sabia ter cometido a contra-ordenação que lhe era imputada pelo agente da P.S.P. C……………, e que este actuava, assim, no exercício das suas funções de agente da autoridade em missão de fiscalização de trânsito ao pretender levantar o respectivo auto de contra-ordenação, cabendo-lhe por isso assumir uma postura de maior respeito e consideração para com o referido agente fornecendo os elementos pedidos e tomando o devido conhecimento do auto de contra-ordenação levantado.

      10. Sem procurar criar quaisquer constrangimentos à actuação do mesmo agente, exibindo o seu cartão de identificação profissional a solicitando a identificação daquele com a ameaça velada de que não esqueceria aquela sua atitude.

      11. Os factos descritos integram violação do dever geral de correcção, sendo incompatíveis com o decoro e a dignidade exigíveis ao exercício de funções de magistrado do Ministério Público, integrando, por isso, a infracção disciplinar p. e p. 163, 166, nº 1 al. b) e 181 do E.M.P. e art. 3º, nº 2, al. h) da Lei nº 58/09 de 9 de Setembro aqui aplicável por força do disposto no art. 216º do mesmo Estatuto (Lei nº 60/98 de 27.8).

    3. O arguido apresentou a sua defesa, a fls. 157-185 do processo disciplinar apenso (que aqui se dá por inteiramente reproduzida) na qual requereu a junção de alguns documentos e a inquirição de várias testemunhas, devidamente identificadas.

    4. No dia 4 de Janeiro de 2010, o instrutor elaborou o...

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