Acórdão nº 0346/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução17 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A Fazenda Pública interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Sul, em 03/07/2012, no processo que aí correu termos sob o nº. 05087/11.

  1. Termina as suas alegações formulando as Conclusões seguintes: A) Quanto às questões de saber se as causas de suspensão do prazo de caducidade previstas no art. 46º da LGT são aplicáveis, ou não, a factos tributários ocorridos em data anterior ao início da vigência da LGT, 01/01/99, bem como, a de determinar se a acção de derrogação judicial de sigilo bancário se pode subsumir ao preceito do art. 33º nº 2 do CPT ao referir que “A instauração da acção judicial, no caso de situações litigiosas, determina a suspensão do prazo de caducidade até ao trânsito em julgado da decisão”, verificam-se os requisitos que permitem a interposição de recurso de revista para o STA, nos termos do art. 150º do CPTA.

    1. Uma vez que, tais questões assumem relevância jurídica ou social, aferida em termos de utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso a possibilidade da melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do direito, dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros.

    2. Efectivamente, quanto à primeira questão, do regime da caducidade e das causas de suspensão desta, com a eventual possibilidade da aplicação do art. 46º da LGT a factos tributários ocorridos em data anterior ao início da vigência da LGT, justifica-se a sua reapreciação em sede de revista, até tendo em conta a jurisprudência uniforme desse Tribunal no que toca às causas de suspensão e interrupção da prescrição, que entende que a LGT é competente para determinar e reger os efeitos interruptivos e suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes a prazos prescricionais iniciados na vigência do CPT, sem que isso represente um efeito retroactivo da lei nova ou ofensa dos princípios da legalidade, da certeza e da segurança jurídica.

    3. Até porque também está em causa determinar se, conforme o considerou o tribunal recorrido, a aplicação da LGT aos efeitos suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes a prazos de caducidade iniciados na vigência do CPT, viola, ou não, princípios constitucionais.

    4. Quanto à segunda questão, determinar se a acção de derrogação judicial de sigilo bancário se pode subsumir ao preceito do art. 33º nº 2 do CPT e se a mesma acção cabe no conceito de acção judicial, em caso de situações litigiosas, com virtualidade para suspender o prazo de caducidade, também se justifica a sua reapreciação em sede de revista, uma vez que tal questão se pode repetir em casos futuros, atento o facto de tal causa de suspensão se manter, com os mesmos contornos, no art. 46º da LGT.

    5. Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria complexa acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação do quadro legal relativo à sucessão de regimes legais de causas de suspensão do prazo de caducidade e sua aplicação a situações que perduram no tempo, mas cujo facto tributário ocorreu em data anterior a 01/01/99, bem como, quanto à interpretação do conceito de acção judicial em caso de situações litigiosas, com virtualidade para suspender o prazo de caducidade do direito à liquidação.

    6. Quanto ao mérito do presente recurso, o Acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação dos artigos 5º/5, do Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, 46º da LGT, 12º do CC e art. 33, nº 2 do CPT, aos factos, pelo que, não se deve manter.

    7. Na verdade, as normas da LGT que instituíram causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição, bem como, as que instituíram novas causas de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, não dispõem sobre as condições de validade formal ou substancial do facto tributário, mas apenas sobre o conteúdo de situações jurídicas que, com base naqueles factos, se constituíram, pelo que, nada obsta à aplicação dessas normas a situações que ainda subsistem à data da entrada em vigor da LGT.

    8. Deste modo não há, quanto a nós, qualquer especificidade no regime das causas de suspensão do prazo de caducidade que justifique um entendimento diverso do que a jurisprudência considera, com relativo consenso, aplicável às causas de suspensão e interrupção do prazo de prescrição, uma vez que, em ambos os casos, está patente o interesse do credor, quer na liquidação do imposto quer na cobrança da obrigação tributária.

    9. Assim, dado que as normas que prevêem causas de suspensão do prazo de caducidade se abstraem dos factos que lhes deram origem, aplica-se o disposto no nº 2 do art. 12º do Código Civil, donde, o art. 46º da LGT abrange as próprias relações, situações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

    10. E tal interpretação, contrariamente ao defendido pelo Acórdão recorrido, não viola quaisquer princípios constitucionais, pois que, as causas de suspensão e a própria caducidade são realidades diversas que, por isso, estão sujeitas a regras distintas no que concerne à aplicação da lei no tempo.

    11. Não há, pois, qualquer violação do princípio da proibição da retroactividade, porque não estamos perante a aplicação de lei nova a um facto tributário ocorrido durante a vigência da lei antiga, e nem da segurança jurídica, por não se poder dizer que a afectação da expectativa do sujeito passivo quanto ao modo de contagem do prazo de caducidade seja arbitrária ou demasiado onerosa ou que não haja fundamento material, interesse público relevante, capaz de justificar a introdução de novas causas de suspensão do prazo de caducidade, uma vez que, em certas situações, o titular do direito, neste caso, a AT, está impedida de exercer o seu direito, a liquidação do tributo.

    12. Salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido fez também uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, no que toca ao conceito de acção judicial em situação litigiosa.

    13. Contrariamente ao defendido pelo Tribunal recorrido, entendemos que tem que se fazer uma interpretação extensiva do conceito de acção judicial de modo a nesse conceito se abrangerem todas as situações tendentes à anulação ou declaração de nulidade de actos ou negócios jurídicos que integrem factos geradores do imposto, ou litígios que se revelem como prejudiciais face ao exercício do direito de liquidar por parte da AT.

    14. E, há que convir, a acção de derrogação de sigilo bancário sempre se apresentará como uma acção de cuja resolução depende, ainda que indirectamente, a liquidação do imposto.

    Termina pedindo que seja admitida a revista e que, apreciado o mérito do recurso, a este seja dado provimento, revogando-se o acórdão recorrido.

  2. Contra-alegou o recorrido A…………. formulando, a final, as conclusões seguintes: A. Não estão verificados os pressupostos essenciais do recurso excepcional de revista na medida em que as questões sob apreço não apresentam uma essencialidade tal que requeiram a abertura de um novo grau de jurisdição uma vez que não está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito; B. Por outro lado, fica provado que não se verificam os requisitos para a oposição de acórdãos porquanto não ocorre a identidade de normas aplicáveis nem a identidade substancial da situação de facto entre o Acórdão recorrido e Acórdão fundamento; C. Fica provado que a LGT se refere expressamente a “litígio judicial” ao passo que o recurso judicial visando a derrogação do sigilo bancário não constitui “um litígio” mas apenas uma solicitação judicial de acesso a certa informação; D. Recurso esse que não constitui causa de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, nem no artigo 46º da LGT nem em qualquer outro; E. Mais se prova que a autoridade tributária foi relapsa na tutela dos interesses públicos que lhe foram confiados, na medida em que iniciou a acção de inspecção externa mais de três anos depois da notificação enviada para o efeito; F. Na medida em que foi só mais de 8 meses depois de haver sido judicialmente autorizada a derrogação do sigilo – Janeiro de 2004 – é que a autoridade tributária veio a dar início ao procedimento de inspecção externa, que decorreu então entre 20 de Setembro e 18 de Outubro de 2004; G. E que só por manifesto e grosseiro erro a autoridade tributária não lançou mão do mecanismo previsto nos artigos 63º-B da LGT, e 146º-A a 146º-D do CPPT; H. Fica ainda demonstrado que não havia real necessidade de recorrer à derrogação de sigilo bancário para apuramento da situação tributária do recorrido, já que a AT nunca esteve, em nenhum momento, impedida de determinar o rendimento tributável do ora recorrido, nem mesmo no decurso das diligências de derrogação do sigilo bancário, nos termos do nº 2 do artigo 83º da LGT, que permite a avaliação indirecta “a partir de indícios, presunções, ou outros elementos de que a administração tributária disponha”; I. E bem assim nos termos do artigo 39º do CIRS, a aplicação de métodos indirectos constitui uma actividade de pressupostos vinculados por lei, constantes nos artigos 87º a 90º da LGT; J. No caso, fica provado que não esteve em causa acção judicial tendente à anulação ou declaração de nulidade de actos ou negócios jurídicos que integrem factos geradores do imposto, único meio que nos termos da lei, da doutrina e da jurisprudência tem a virtualidade de suspender a contagem do prazo de caducidade; K. De resto, fica demonstrado que a acção especial que a administração fiscal intentara para alcançar a derrogação do sigilo bancário não foi impeditiva da...

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