Acórdão nº 0464/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução25 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 239/10.0BELRA 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida pela Embaixada da A………… (adiante Executada, Oponente ou Recorrida) com o fundamento previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1- A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito, em prejuízo da recorrente. Na verdade, 2- A sentença recorrida, padece dos vícios de violação de lei, por infracção ao art. 204.º, n.º 1, al. a), do CPPT, e, bem assim, por infracção ao princípio da igualdade e da legalidade; 3- Entendeu o Tribunal “a quo”, por remissão para o Acórdão do TCA Sul, de 10 de Julho de 2014, processo n.º 7445/14, que “a isenção referida no artigo 23.º, n.º 1, da Convenção sobre Relações Diplomáticas é um privilégio de direito internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, sendo que se impõe aos tribunais recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado, considerando que as suas normas, quando publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este (artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa).

E, se assim é, quando se discute esta realidade não se está a disputar sobre a ilegalidade concreta, mas sim sobre a ilegalidade abstracta do acto tributário subjacente à divida exequenda, assente no supra citado artigo 23.º, n.º 1, da Convenção sobre Relações Diplomáticas, o que constitui fundamento de oposição com previsão na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT” 4- Salvo o devido respeito, não se pode deixar de se discordar, frontalmente, com tal entendimento sufragado, pois tal decisão não faz uma correcta aplicação da lei e do direito.

5- Na verdade o artigo 204.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, preconiza que “A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos: a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação” 6- Assim, seguindo os ensinamentos de JORGE DE SOUSA, in Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, p. 443 e ss., “na alínea a) do n.º 1 deste artigo prevê-se como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização”.

7- E ainda, seguindo o entendimento deste ilustre autor, “está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado”.

8- Pelo que face ao exposto retro, dúvidas não podem restar de que estamos perante um caso de ilegalidade em concreto e não em abstracto.

9- Na verdade, para estarmos perante ilegalidade em abstracto, teria de se discutir se a própria lei que é objecto de aplicação padece de vícios de violação de lei superior, mas já não a liquidação, ou seja, não se reporta o acto relativo à aplicação da lei ao caso concreto, 10- Ora, a liquidação em causa, subjacente à presente execução fiscal, emitida que foi em conformidade e seguindo as directrizes que o Código do IMI impõe.

11- Sendo que, nem o CIMI, nem qualquer concreta norma constante do mesmo diploma, padece de ilegalidade, seja por postergação de lei fundamental, seja por violação de tratado ou Convenção de Direito Internacional.

12- Assim, não padecendo a lei em vigor, no momento da prática do acto tributário e a este subjacente, de qualquer vício, não poderá ser qualificada como ilegalidade abstracta.

13- Face ao antedito, o que a oponente pretendeu, ainda que de forma encapotada, sempre foi discutir a legalidade em concreto, o que, na esteira do entendimento uniforme dos nossos tribunais superiores, bem como sabemos que não se afigura possível em sede de oposição à execução fiscal.

14- Na verdade, aquando da notificação da nota de liquidação deveria, a ora oponente, ter lançado mão da impugnação judicial pois nessa sede teria cobertura legal atacar o pretendido, erradamente, por esta em sede de oposição à execução fiscal.

15- Finalmente, não pode deixar de aqui se trazer à colação o basilar princípio da igualdade, que foi postergado e desrespeitado neste caso concreto da recorrente, desse modo se violando também e de forma ostensiva a Lei Fundamental.

16- De facto, a Convenção antedita postula uma verdadeira isenção, contrariamente à qualificação jurídica dada pelo tribunal “a quo” por remissão do acórdão do TCA Sul supra citado, pelo que, mal se compreende que uma isenção resultante do direito interno, maxime benefício fiscal, se o contribuinte não impugnar uma liquidação erradamente emitida, o mesmo já não possa, como não pode, em sede de oposição à execução fiscal alegar a ilegalidade em abstracto, e outrossim, uma isenção resultante de convenção internacional já seja concedida toda esta panóplia de direitos de defesa.

17- Destarte, a quanto alegado se deixa reiterado, a sentença recorrida padece do vício de violação de lei, por infracção ao artigo 204.º n.º 1 alínea a), do CPPT além de consubstanciar postergação da Lei Fundamental, maxime princípio da igualdade e da legalidade.

Termos em que, deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que absolva a Fazenda Pública da instância, ou não entendendo assim, que julgue improcedente a oposição à execução fiscal, com todas as consequências legais.

Todavia, em decidindo, Vossas Excelências farão a costumada Justiça!».

1.3 A Oponente contra-alegou, com conclusões do seguinte teor: «i. Constitui um privilégio de direito internacional, que decorre da imunidade diplomática, a isenção de imposto prevista no artigo 23.º, n.º 1 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.

ii. Pelo artigo 8.º, n.º 2 da Constituição, a Convenção de Viena vigora no ordenamento jurídico português, com força supra legal e infraconstitucional.

iii. A norma contida no artigo 23.º, n.º 1 da Convenção prevalece sobre a lei ordinária interna, impedindo que se aplique à A………… ou à sua Embaixada em Portugal, a lei nacional em matéria de definição e fixação de tributação, e que se estabeleça uma relação tributária. Como consequência, a A………… ou a sua Embaixada em Portugal não podem ser contribuintes do Estado Português.

iv. Assim, não só a liquidação de IMI, tal como tem sido feita pela Administração Tributária é ilegal, como que essa ilegalidade decorre da inexistência do imposto em vigor em Portugal, constituindo, por isso, fundamento para oposição à execução, de acordo com o artigo 204.º, n.º 1, alínea a) do CPPT».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação (As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.

): «[…] É jurisprudência deste Supremo Tribunal, doutrina da qual não se vê razão para divergir, que no conceito de ilegalidade abstracta cabem “todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal” 1[1 Cfr., entre outros, o douto Acórdão de 09.04.2014, in Rec. 076/14] e é nessa linha que se inscreve o douto Acórdão do TCA Sul de 10.07.2014 (Rec. n.º 07445/14) em que se louva a sentença recorrida.

Não obstante entendo, com o devido respeito por opinião diversa, que o presente recurso merece provimento.

É certo que o Estado acreditante e o Chefe de missão estão “isentos”, nos termos do n.º 1 do art. 23.º da Convenção do de Viena Sobre Relações Diplomáticas, aprovado para adesão pelo DL n.º 48 295, de 27.03.68, de todos os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT