Acórdão nº 014/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução29 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1. A………………, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria [TAF/L] a presente ação administrativa especial contra a “ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA” [abreviadamente «AR»], peticionando que, pelos fundamentos e motivação inserta na petição inicial de fls. 01/47, fosse anulado o “ato decisório de indeferimento do recurso interposto relativo à decisão de aplicação da pena de suspensão proferido pelo despacho n.º 37/SG/2010, exarado pela Secretária-Geral da Assembleia da República, datado de 23 de agosto de 2010, … exarado pelo Presidente da Assembleia da República datado de 28.10.2010, conformativo do primeiro”.

1.2.

O ente demandado devida e regularmente citado contestou, apresentando defesa por exceção [incompetência do Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria (em razão do autor do ato), nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 1, al. a) ii do ETAF] e por impugnação [sustentando a plena legalidade do ato impugnado], pugnando pela total improcedência da ação, concluindo nos termos que se passa a reproduzir: “Considerando-se procedente a exceção acima invocada, de incompetência do TAF de Leiria, devem os autos ser remetidos ao STA (Secção de Contencioso Administrativo), por ser o tribunal competente - art. 24.º n.º 1 a) ii do ETAF e arts. 13.º e 14.º n.º 1 do CPTA.

… Deve ser mantido o ato punitivo, ora sob impugnação contenciosa, assim improcedendo a presente ação, uma vez que: - irreleva, no caso concreto, a falta de notificação do relatório final aquando da notificação da decisão punitiva; - os factos em causa consubstanciam a prática de um ilícito disciplinar (por violação do dever de lealdade); - não se verificava a alegada «incompetência», «ilegitimidade» ou «falta de interesse» da IGMTSS para averiguar os factos em questão; - analisando os indícios recolhidos nos autos, nomeadamente através da consideração de todo o circunstancialismo que rodeou, e antecedeu, o início da alegada doença do arguido e a apresentação dos certificados médicos, temos que admitir que a «livre convicção» (da Instrutora, fixada no Relatório final, e da entidade decisora, fixada no despacho punitivo, para além da decisão confirmativa, ora «sub judicio», tomada no recurso hierárquico) são fundamentadas e pertinentes, não se vislumbrando qualquer erro manifesto de apreciação.

Não deve ser deferida a pretensão do Autor de (em jeito de renovação, reabertura ou reinstrução do processo disciplinar) serem apreciados, na presente ação impugnatória, novos elementos de prova não produzidos no processo disciplinar (documentos n.ºs 34 e 35 juntos com a p.i.) - e que, ainda por cima, ali podiam ter sido oferecidos (pelo que nem poderiam fundamentar uma «revisão» do processo disciplinar) - ou que ali já foram oportunamente produzidos, na respetiva instrução (testemunha indicada na última página da p.i.) …”.

1.3.

O TAF/L, por decisão de 25.10.2011, em sede de saneador julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da presente ação, determinando a remessa dos autos a este Supremo Tribunal.

1.4.

Neste Tribunal foi proferido despacho saneador tabelar sem qualquer impugnação e sem que as partes hajam produzido alegações no quadro do art. 91.º, n.º 4 do CPTA pese embora devidamente notificadas para o efeito.

1.5.

Dispensados os vistos legais cumpre apreciar e decidir em Conferência.

  1. DAS QUESTÕES A DECIDIR Sustenta o R. que, no quadro da presente ação administrativa impugnatória, não deve ser deferida a pretensão do A. quanto a serem admitidos e apreciados novos elementos de prova [documentos n.ºs 34 e 35 juntos com a petição inicial] que não foram produzidos no processo disciplinar e ali poderiam ter sido oferecidos o que impedirá, inclusive, uma «revisão» do processo disciplinar, nem quanto a ser repetida prova produzida naquele processo como é o caso da pretendida audição da testemunha indicada no articulado inicial.

    Analisemos da questão suscitada pelo R., convocando o pertinente quadro legal e expendendo a seu propósito os necessários considerandos de enquadramento.

    I.

    Disciplina-se no art. 87.º, n.º 1, al. c), do CPTA que “[f]indos os articulados, o processo é concluso ao juiz ou relator, que profere despacho saneador quando deva: (…) c) Determinar a abertura de um período de produção de prova quando tenha sido alegada matéria de facto ainda controvertida e o processo haja de prosseguir” e no art. 90.º do mesmo Código prevê-se que no “caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade” [n.º 1], podendo o juiz/relator “indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando, o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção de prova” [n.º 2].

    II.

    Ora através da remissão operada pela parte final do n.º 2 do citado art. 90.º mostram-se hoje afastadas as limitações de instrução probatória e dos meios de prova considerados como legalmente admissíveis no contencioso administrativo já que as ações administrativas especiais previstas e reguladas no CPTA passaram, nesse âmbito, a ser disciplinadas pelo regime decorrente dos arts. 410.º a 526.º do CPC/2013 , atribuindo-se ao julgador administrativo poderes de controlo e de instrução nesse mesmo domínio, o que aporta claras consequências para e no julgamento de facto a realizar [cfr. arts. 91.º do CPTA, 607.º, n.ºs 4, 5 e 6 do CPC/2013] e, mais amplamente, no objeto do processo e da pronúncia a emitir.

    III.

    No domínio da instrução e da prova cumpre, ainda, ter presentes os princípios da investigação [do inquisitório ou da verdade material], da aquisição processual, da universalidade dos meios de prova e, bem assim, o da livre apreciação das provas, princípios esses que se mostram válidos e plenamente operantes no nosso contencioso administrativo vigente.

    IV.

    Detendo o julgador administrativo, de harmonia com os normativos enunciados, amplos poderes inquisitórios em matéria de investigação e de instrução probatória o mesmo poderá ter em consideração os elementos probatórios que se mostrem constantes do processo administrativo/instrutor, enquanto lastro documental à sua disposição, sem que daí derive ou possa derivar qualquer entendimento que limite ou condicione a possibilidade do autor apresentar ou indicar e produzir outros meios de prova com os quais vise contraditar os pressupostos factuais nos quais se estribou o ato administrativo impugnado.

    V.

    Na fixação dos factos que funcionam como pressupostos da verificação/preenchimento dos ilícitos disciplinares e do sancionamento com as respetivas penas a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa, pelo que nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação face àquele que foi adotado pela Administração, mormente, por reputar existir uma situação ilegalidade objetiva material relativa aos pressupostos de facto, ou seja, por insuficiência probatória e erro na valoração e fixação do quadro factual tido por apurado em sede de processo disciplinar.

    VI.

    Daí que não colha e não pode proceder, como meio de limitação da esfera de proteção e de tutela contenciosa do arguido, uma qualquer invocação de que este, no quadro do processo disciplinar, não havia deduzido qualquer requerimento de instrução probatória ou sequer haja apresentado defesa negando a prática dos factos que lhe foram imputados, porquanto a conduta pelo mesmo tida naquele processo não condiciona os seus direitos, mormente, ao nível probatório, em sede do processo judicial.

    VII.

    Mas se dúvidas não devem existir quanto à possibilidade de haver lugar à produção de prova no quadro duma ação administrativa especial na qual se discuta da legalidade de ato disciplinar punitivo, também não vislumbramos em que medida se possa limitar o conhecimento de pretensas violações de requisitos de legalidade objetivos materiais que se prendam com o próprio erro sobre os pressupostos de facto do ato disciplinar punitivo.

    VIII.

    É que no quadro do contencioso administrativo são passíveis de serem sindicadas quaisquer ilegalidades assacadas ao ato administrativo sancionador, inexistindo, por conseguinte, uma qualquer limitação quanto aos poderes de conhecimento e de pronúncia do julgador administrativo, incluindo o de sindicar os próprios pressupostos de facto em que se estribou o ato disciplinar sancionador.

    IX.

    O juiz administrativo fará o seu próprio juízo a propósito dos factos e elementos que o processo forneça, assistindo-lhe o poder de realizar o controlo pleno dos factos tidos por provados no ato disciplinar punitivo, mediante a produção de prova que venha a ser carreada ou oficiosamente determinada para o processo judicial, poder esse que terá sempre como limite a proibição da “reformatio in pejus” já que não poderá, em decorrência da atividade probatória realizada, fixar novos factos, alterando os constantes da acusação, e, de seguida, enquadrando juridicamente os mesmos, manter ou alterar a punição.

    1. Importa referir, todavia, que será sobre os factos alegados pelas partes, ponderadas e consideradas as regras e ónus probatórios a atender ao caso [cfr. arts. 342.º e segs. do CC, 410.º, 412.º, 413.º, 423.º, 452.º, 454.º, 466.º, 475.º, 516.º todos do CPC/2013], que irá ou deverá incidir a prova carreada para os autos ou oficiosamente determinada pelo julgador, ressalvados os factos que, nos termos do art. 412.º do mesmo CPC, não careçam de alegação ou de prova, na certeza de que na enunciação do objeto do litígio não poderá o julgador administrativo deixar de ter em linha de conta aquilo que constitui o objeto do processo, a causa de pedir e o pedido deduzido.

    2. Frise-se que...

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