Acórdão nº 01784/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução14 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1- Relatório: A……… LDA veio impugnar as liquidações de IRC dos exercícios de 2003 e 2004, com fundamento em vícios de procedimento na Comissão de Revisão da Matéria Colectável e por irregularidade na recolha de elementos documentais considerados para a fixação de tal matéria, excesso na sua quantificação, erro nos pressupostos de direito na determinação da matéria colectável, por violação do artº 90º da LGT, vício de forma por falta de fundamentação, omissão de correcta notificação para o exercício da audiência prévia.

Foi proferida sentença judicial, na qual foi decidido: a) inimpugnabilidade, nesta sede, da decisão do Diretor de Finanças de Coimbra aqui em causa; b) improcedente esta impugnação, mantendo os atos de liquidação impugnados; c) improcedente o pedido de condenação da Fazenda Pública como litigante de má fé.

Reagiu a ora recorrente apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1) Só se pode falar da existência de um acto destacável quando a sua impugnação judicial tenha de o ter obrigatoriamente como objecto do processo.

2) Só poderão ser havidos como actos destacáveis para efeitos de recurso contencioso ou de impugnação judicial aqueles actos a cuja impugnação ou recurso contencioso a lei obrigue expressamente, sendo evidentemente o acto final aquele que define juridicamente a situação do interessado, só ele poderá afectar definitivamente os seus direitos e interesses legalmente protegidos para cuja defesa a Constituição e a Lei atribui o direito de impugnação e de recurso.

3) Atenta a circunstância de o conteúdo do acto final - o acto lesivo - estar condicionado pelos termos ou pelo conteúdo do acto procedimental anterior e para evitar que aquele seja posto em causa com base na ilegalidade deste, obrigando à repetição do procedimento, o legislador, fazendo aplicação do princípio da segurança jurídica, obriga então à impugnação autónoma desse acto.

4) Eles não são, pois, actos definidores de situações jurídicas que afectem direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos reconhecidos pela ordem jurídica material, mas antes actos previstos pela ordem procedimental e funcionalizados para a prática do acto final.

5) Nesta ordem de ideias, o acto só poderá ser um acto destacável para efeitos de impugnação judicial quando a lei procedimental ou processual o preveja; torna-se necessário que exista uma disposição expressa da lei a consagrar essa natureza.

6) De contrário, todos os actos preparatórios, instrumentais, prejudiciais e prodrómicos orientados ou funcionalizados para a definição dos efeitos a constituir pelo acto final do procedimento são impugnáveis com este, afectando a ilegalidade de que padeçam o acto final.

7) Não existe qualquer disposição legal que preveja expressamente que o acto de indeferimento por parte da administração tributária do pedido de nova marcação de nova reunião dos peritos da comissão de revisão (designados pela administração tributária e pelo contribuinte) tenha de ser autonomamente recorrido ou impugnado contenciosamente.

8) Mesmo que se admitisse, sem conceder, que pudesse existir actos destacáveis por natureza, ainda assim nunca o acto em causa caberia nessa categoria.

9) Na verdade, constitui um erro manifesto a afirmação constante da sentença recorrida de que “o acto é imediatamente lesivo dos direitos da impugnante pois que, de forma irremediável, condicionou o acto final de liquidação ao conteúdo determinado em sede de acção inspectiva e sem possibilidades de discussão, na impugnação judicial, do erro na quantificação da matéria colectável ou nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, por força do disposto nos art.ºs 86.º, n.º 5, da LGT e 117.º, n.º 5, do CPPT”.

10) A falta dos peritos não tem como efeito necessário a desconsideração do pedido de revisão da matéria tributável feito pelo contribuinte para os efeitos previstos nestas disposições legais e que a administração tem de decidir esse pedido em função das provas e elementos que tiver, entre eles se contando os que hajam sido carreados pelo contribuinte no pedido de revisão.

11) A sentença erra ao considerar o acto do Director Distrital de Finanças que indeferiu o pedido de marcação de nova reunião dos peritos da comissão de revisão como um acto “imediatamente lesivo dos direitos da impugnante...”.

12) Na verdade, só no plano processual ou procedimental é que se pode afirmar que o acto de indeferimento ofende direitos da impugnante: o acto em causa apenas ofende direitos processuais ou procedimentais da impugnante e não ainda direitos subjectivos reconhecidos à impugnante pela Ordem Jurídica ou interesses legalmente protegidos pela mesma Ordem. Os direitos patrimoniais da impugnante só saem violados com o acto de liquidação do imposto.

13) Não é minimamente correcto que se possa afirmar, que o acto de indeferimento condiciona “de forma irremediável, (...) o acto final de liquidação ao conteúdo determinado em sede de acção inspectiva e sem possibilidades de discussão, na impugnação judicial, do erro na quantificação da matéria colectável ou nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, por força do disposto nos art.ºs 86.º, n.º 5, da LGT e 117.º, n.º 5, do CPPT”.

14) Na verdade, o conteúdo do acto de liquidação não é predeterminado legalmente por esse acto ou sequer condicionado por ele: basta atentar em que a liquidação pode ter exactamente a mesma expressão, haja ou não apreciação de pedido de revisão da matéria tributável.

15) A lei não impõe, em lado algum, que o conteúdo do acto de liquidação corresponda ao determinado em sede inspectiva, mesmo na ausência de reclamação do contribuinte e, muito menos, quando nele é proposta a determinação da matéria tributável por métodos indirectos. Na verdade, o Director Distrital de Finanças, apreciando o relatório de inspecção pode decidir em termos diferentes aos que nele são propostos.

16) A sentença incorre numa concepção errada do princípio da impugnação unitária: do princípio da impugnação unitária afirmado no art.º 54.º do CPPT não decorre uma proibição de impugnação unitária do acto interlocutório com o acto de liquidação nos casos em que o acto interlocutório seja lesivo, mas a proibição de impugnar o acto interlocutório de forma autónoma a menos que seja lesivo ou haja disposição expressa da lei que o consinta. Ou seja, o preceito limita-se a estabelecer uma permissão de impugnação do acto interlocutório lesivo antes do acto final e não uma proibição da sua impugnação com o acto final.

17) A fundamentação é consubstanciada pelo discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa. Nesta perspectiva, estamos perante uma externação formal das razões de facto e de direito que hão-de ser contemporâneas ou coetâneas da decisão administrativa e constituintes da mesma.

18) Esse desiderato não pode considerar-se cumprido quando a fundamentação assenta num discurso não justificado e imperceptível não apenas para o cidadão normal, mas para muitos acima desse patamar, não se entendendo como é que a sentença recorrida afirma que não se verifica qualquer vício de insuficiência de fundamentação, quando uma fonte de conhecimento do senhor agente se escuda em sondagens das quais inexiste qualquer registo nos autos.

19) É manifestamente insuficiente tal fundamentação na medida em que se estriba apenas em considerações de ordem genérica, sem apontar elementos concretos, objectivos, com recolha de fados da vida real que possam ser sindicáveis pelo Tribunal.

20) Depois a fundamentação é contraditória, pois que do discurso argumentativo da AF ao passo que por um lado se refere aos elementos recolhidos em sede de processo de inquérito, como pressuposto da sua actuação, por outro logo os despreza para justificar a sua escolha por outros elementos, permitindo-se pressupor despesas feitas por conta ou em nome do adquirente, só para abonar a sua estratégia.

Termos em que e nos mais de direito se requer que Vªs Exas, na procedência do recurso, se dignem revogar a douta sentença recorrida, proferindo douto acórdão que julgue procedente a impugnação judicial ou, subsidiariamente, que ordene a baixa dos autos para conhecimento das questões que foram consideradas prejudicadas, assim se fazendo justiça.» Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste STA emitiu parecer do seguinte teor: «A…….., Lda. recorre da sentença proferida pelo TAF de Coimbra que julgou procedente a excepção suscitada pelo Ministério Público quanto à inimpugnabilidade directa de “liquidações resultantes de métodos indirectos, com fundamento em errónea quantificação e erro nos pressupostos de facto, formulada sem prévia apresentação de pedido de revisão previsto no art. 91.º da LGT” e, no mais, improcedente a impugnação, mantendo os actos impugnados.

Nas Conclusões da sua Alegação a recorrente apenas questiona o segmento decisório relativo à excepção invocada pelo Ministério Público e ao alegado vício de forma da falta de fundamentação.

Alega, designadamente, que: - “A sentença incorre numa concepção errada do princípio da impugnação unitária: do princípio da impugnação unitária afirmado no art 54.º do CPPT não decorre uma proibição de impugnação unitária do acto interlocutório com o acto de liquidação nos casos em que o acto interlocutório seja lesivo, mas a proibição de impugnar o acto interlocutório de forma autónoma a menos que seja lesivo ou haja disposição expressa da lei que o consinta. Ou seja, o preceito limita-se a estabelecer uma permissão de impugnação do acto interlocutório lesivo antes do acto final e não uma proibição da sua impugnação com o acto final” - Conclusão 16); - “A fundamentação é consubstanciada pelo discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa” é insuficiente e contraditória — Conclusões 18) a 20).

Vejamos: Ao invés do que ocorre com a avaliação directa, o acto de avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa...

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