Acórdão nº 0470/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelARAG
Data da Resolução21 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) datada de 29 de Outubro de 2012, que julgou procedente a impugnação que a ora recorrida A………. Lda contra ela havia instaurado, na sequência do indeferimento expresso de reclamação graciosa contra o acto tributário de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008, anulando o acto tributário e condenando a entidade liquidadora a pagar à impugnante juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Alegou, tendo concluído como se segue: 1. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………., Lda.. NIPC …………, considerando que o n.º 1 do art.º 5º da Lei n.º 64/2008 de 5 de Dezembro que determinou a produção de efeitos desde 1 de Janeiro de 2008 do disposto no art.º 1-A da mesma Lei, o qual alterou o atº 81.º (actual art.º 88º) do CIRC, agravando de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, está ferido de Inconstitucionalidade Material, por violação do Princípio da Não Retroactividade da Lei Fiscal, previsto no n.º 3 do artº 103.º da Constituição da República Portuguesa.

  1. Não existe razão de princípio para afastar a retroactividade das normas favoráveis aos contribuintes. Analisando toda a nova redacção do art.º 81.º (actual art,º 88º) do CIRC deve entender-se que a alteração ao regime da tributação autónoma apesar de ter sido gravosa para alguns contribuintes, foi muito favorável para outros, uma vez que criou uma exclusão de tributação e criou uma discriminação positiva para os veículos menos poluentes, sendo por isso este regime mais favorável aos contribuintes.

  2. Caso, se entenda que a nova redacção do preceito, em crise, é menos favorável aos contribuintes, importa, relembrar que o conceito de Retroactividade tem vindo a ser analisado e trabalhado pela Doutrina e pela Jurisprudência, chegando-se ao entendimento dominante que aquela apresenta 3 (três) graus diferentes de intensidade: a retroactividade de 1º grau, autêntica ou forte abrange seria os casos em que se aplique uma nova lei fiscal a factos que se verificaram por inteiro, no domínio da lei antiga. Na retroactividade de 2º grau ou intermédia, os factos ocorreram no domínio da lei antiga mas ainda não foram totalmente produzidos os seus efeitos, que se vêm a verificar já com a lei nova em vigor. Na retroactividade de 3º grau ou mínima, os próprios factos não se verificaram por inteiro no domínio da lei antiga, prolongando-se a sua produção já com a lei nova em vigor.

  3. Estabelece o n.º 9 do art.º 8.º do CIRC, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004 de 30 de Dezembro, que o “facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”. Pelo que na linha do Parecer n.º 83 de 19 de Junho de 2012, emitido pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público (neste processo) sustenta-se que “o dia 31 de Dezembro de cada ano é o momento gerador de IRC. O facto da Lei n. º 64/2008, de 5-12 ter entrada em vigor no dia seguinte, o facto gerador do imposto ocorreu no dia 31 de Dezembro desse ano, momento em que se considera encerrado o ano económico, devendo ser aplicada a nova taxa a todo o período gerador do resultado do exercício.

  4. Assim, a Retroactividade existente, na norma em crise, é mínima (3º grau), e como tal não abrangida pelo principio contido no n.º 3 do artº 103.º da CRP.

  5. Como é bem afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011 de 12 de Janeiro, apesar da retroactividade mínima. “nada obsta que a questão seja ainda analisada à luz do princípio da protecção da confiança”.

  6. A tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação visa evitar que através de despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros pelos sócios ou accionistas, que assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, e ficariam longe da tributação em sede de IRS, bem como da segurança social, quer ao nível da TSU, quer ao nível das contribuições obrigatórias, pelo que não se pode esperar que o legislador pretenda conferir o mesmo nível de tutela constitucional que confere a outras situações.

  7. Seguindo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011 de 12 de Janeiro, concluímos que se essas despesas eram efectivamente necessárias “ao desenvolvimento da actividade da empresa e à obtenção do lucro, elas não deixariam de ser realizadas mesmo que fosse já conhecida ou previsível uma alteração da taxa de tributação aplicável; além de que o regime legal, mesmo antes da entrada em vigor da Lei n.º 64/2008, tinha já em vista estabelecer limitações para os encargos de exploração que pudessem figurar como custos ou perdas de exercício.” IX, Quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios em que a AT foi condenada, diga-se que no presente caso estamos perante uma autoliquidação. Nestes casos “tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação são levados e cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, pelo que estará afasta da, em regra, a possibilidade de existir erro imputável aos serviços da Administração Tributária, no momento em que são praticados os actos que determinam a quantia a pagar” (cf. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I. 6ª Edição, 2011, Pág. 536).

  8. “No Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional (…) a menos que o TC tivesse já emitido declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral” (Acórdão STA de 12 de Outubro de 2011, Proc,: 0860/10).

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial declarada totalmente improcedente.

PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela total improcedência do recurso e pela manutenção do julgado. O Ministério Público não só entendeu que a Fazenda Pública não tinha razão quanto à questão da constitucionalidade do artº 5º nº 1 da Lei nº 64/2008, como ainda relativamente ao pedido de juros indemnizatórios. Para tanto socorre-se de diversos acórdãos deste STA, bem como do Tribunal Constitucional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta: A) A lmpugnante encontra-se enquadrada em sede de IRC no regime geral. (Doc. fls. 268 do processo administrativo tributário apenso) B) Em 27.05.2009, a Impugnante procedeu á entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 referente ao exercício de 2008, tendo procedido ao seu pagamento a 30.05.2009. (Doc. fls. 39/43 do processo de reclamação graciosa em apenso) C) Em 29.04.2010, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra o ato tributário de autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2008, na parte referente à tributação autónoma incidente sobre os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos suportados até ao dia 05.12.2008. (Doc. fls.7/37 do processo de reclamação graciosa apenso) D) Em 29.11.2010, por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa foi a reclamação graciosa a que alude a al. C) do probatório indeferida. (Doc. fls. 235/237 da reclamação graciosa em apenso) E) Em 03.12.2010, a Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento a que alude a al. D) do probatório. (Doc. fls. 238/239 da reclamação graciosa em apenso) F) Em 21.12.2010, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 3 dos autos) Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.

A questão colocada neste recurso pela Fazenda Pública já mereceu, por diversas vezes, resposta contrária, quer por este Supremo Tribunal, quer pelo Tribunal Constitucional.

Trata-se de doutrina com a qual se concorda...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT