Acórdão nº 0951/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução19 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: 1. O Município de Lisboa, inconformado com o acórdão da secção que, no processo cautelar que intentara contra o Conselho de Ministros, julgou procedente a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria e absolveu os requeridos da instância, dele interpôs o presente recurso, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: “I – O douto Acórdão recorrido foi proferido tendo por base uma fundamentação de direito que, confrontada com o objecto dos presentes autos, colide com os preceitos legais e constitucionais aplicáveis à situação sob litígio, incorrendo em erro de julgamento e na nulidade prevista na alínea d) do n.°1 do artigo 615.° do CPC aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.

II - O Recorrente intentou junto desse Venerando Tribunal a acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo que procedeu à alteração dos estatutos da sociedade A…… - ……………….., S.A.

formalizado nos artigos 1°, n.° 2, 4.°, 5.°, 6.° e 7.° e anexo do decreto-lei n.° 108/2014, de 2 de julho, publicado no n.° 125 da 1.a Série do Diário da República.

III - Impugnou e requereu a suspensão de eficácia daquele acto administrativo conforme resulta evidente do articulado do seu r.i. (nomeadamente dos seus artigos 22.°, 25.°, 35.°, 36.°, 42.°...) e de resto igualmente da p.i. da acção principal, apensa aos presentes autos.

IV – O douto Acórdão recorrido, ao referir que o acto suspendendo se reconduz ao DL n.° 108/2014 em bloco, limitando-se à apreciação da indicação genérica da formulação inicial do r.i. e do pedido, mas fazendo tábua rasa de todo o articulado ao longo de mais de uma centena de artigos, desvia-se ostensivamente da aplicação dos princípios antiformalista e pro actione ínsitos no artigo 7.° do CPTA e decorrentes do princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no n.° 4 do artigo 268.° da CRP.

V - Princípios estes que postulam a defesa do entendimento que se apresente como mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e que se pode traduzir na fórmula: "in dubio pro habilitate instantiae", por forma a possibilitar o exame do mérito das pretensões deduzidas em juízo, assim se tentando alcançar a verdade material, pela aplicação do direito substantivo.

VI - A apreciação do diploma globalmente considerado pode configurar-se como um excesso de pronúncia, a qual, tendo em conta a causa de pedir dos autos, acabou por redundar numa efectiva omissão de pronúncia.

VII – Pelo que, deveria o Venerando Tribunal ter apreciado o r.i., limitando a emissão do seu juízo ao acto efectivamente impugnado e quanto ao qual foi requerida a providência dos presentes autos, e não sobre a globalidade do diploma no qual se encontra contido o acto identificado o que aliás, vai de encontro à convicção desse Venerando Tribunal que considera que "é indiscutível a possibilidade dum decreto-lei conter actos administrativos (vide os artigos 268.°, n.°4, da CRP e 52.°, n.°1, do CPTA)" (negrito nosso).

VIII - Impõe-se pois, que seja o acto posto em crise, clara e indubitavelmente identificado nos articulados do Recorrente (contido nos artigos 1.°, n.° 2, e 4° a 7.° do DL n.° 108/2014) objecto de apreciação com vista à decisão sobre o decretamento da providência cautelar requerida.

IX - O douto Acórdão recorrido, não observando o disposto no artigo 7.° do CPTA e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, deixou de conhecer do mérito da acção cautelar, conforme lhe era exigido, incorrendo assim em omissão de pronúncia, o que gera nulidade nos termos previstos na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC aplicável ex vi do artigo 1.° do CPTA.

X – O douto Acórdão ora posto em crise desde logo entra em contradição ao referir que "é indiscutível a possibilidade dum decreto-lei conter actos administrativos", (artigos 268.°, n.°4, da CRP e 52.°, n.°1, do CPTA)" e, sem mais fundamentações, considerar que fica estabelecida a relação título/acto legislativo em relação ao DL nº. 108/2014 (uma vez que este mais não faz do que proceder à alteração do DL 68/2010) com o previsto nos DL nº. 379/93 e 92/2013.

XI - E ao ser concebível que "um decreto-lei contenha actos administrativos", terá de se apurar se, de acordo com o conteúdo do diploma posto em causa, efectivamente nos encontramos perante matéria que o classifique como um acto materialmente administrativo, exercício que não se vislumbra no douto Acórdão recorrido.

XII - Conforme a doutrina já vem distinguindo há algum tempo, de entre os actos emitidos sob forma legislativa, aqueles que são apenas formalmente legislativos, mas na realidade, contêm decisões materialmente administrativas, daqueles que devem ser qualificados como actos legislativos materiais.

XIII - E assim, conforme nos diz Mário Aroso de Almeida, "no primeiro tipo de situação, a decisão, embora contida num acto formalmente legislativo, é meramente administrativa porque é, na realidade, adoptada ao abrigo de lei anterior, em cujos pressupostos já se encontram assumidas as opções políticas primárias que competiam ao legislador: trata-se, pois, de uma decisão que é produzida no exercício de uma competência tipificada numa lei e que, portanto, apenas pode envolver a eventual realização de opções circunscritas a aspectos secundários, menores ou instrumentais em relação às opções já contidas nessa lei".

XIV – O autor do acto e ora Recorrido, nos primeiros três parágrafos do preâmbulo do DL n.° 108/2014 expressamente assume que, mais não fez do que - ao abrigo de diplomas legais anteriores (nomeadamente o DL n.° 92/2013), em cujos pressupostos já se encontram assumidas as opções políticas primárias que competiam ao legislador -, dar execução às competências que ficaram definidas nos diplomas legais ali citados.

XV – E assim, não tendo o DL n.° 108/2014 procedido a qualquer opção primária inovadora mas tão só concretizado opções políticas já plasmadas e concretizadas em diplomas legais anteriores, o mesmo, consiste num (ou mais) acto(s) materialmente administrativo, cuja apreciação compete nos termos dos artigos 268.°, n.°4, da CRP e 52.°, n.°1, do CPTA e 24.° do ETAF, à jurisdição administrativa da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.

XVI — Foi proferido com omissão de pronúncia que determina a sua nulidade nos termos previstos no artigo 615.° do CPC, o douto Acórdão recorrido, ao ficar-se pela consideração de acto legislativo formal de acordo com a mera previsão no DL 92/2013, escusando-se a apreciar a questão dos autos que, não pondo em causa a evidente forma de decreto-lei, do acto em crise, o classifica como acto materialmente administrativo, o que determina desde logo aplicabilidade dos artigos 268.°, n.°4, da CRP e 52.°, n.°1, do CPTA e consequentemente do artigo 24.° do ETAF.

XVII - Conforme bem se salienta expressamente no douto Acórdão recorrido, no DL 68/2010 identificam-se distintamente quatro pontos, que persistem no DL n.° 108/2014: "a. criara o sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos das regiões de Lisboa e do Oeste; b. constituíra a sociedade A……. - ……………….., S.A.; c. atribuíra a concessão da exploração e gestão do sistema a essa sociedade; d. e, em anexo, aprovara os estatutos da A….." XVIII — Os pontos indicados como a. e c...

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