Acórdão nº 01327/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DO C
Data da Resolução05 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A……………….., devidamente identificado nos autos, inconformado com a decisão proferida, em 29 de Setembro de 2011, no TAC de Lisboa que o condenou solidariamente com o Estado Português no pagamento da quantia de 10.188,90€, [sendo 30% para o réu Estado Português e 70% para o réu, ora recorrente] acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, no âmbito da acção de responsabilidade civil extra contratual intentada por B……………., interpôs o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: 1) «O presente recurso é interposto da sentença que condenou o Réu a pagar ao autor a quantia por este peticionada, 10.188,90€., por considerar a decisão não só injusta, o que já não seria pouco, mas também por a considerar nula do ponto de vista jurídico.

2) O tribunal formulou a sua convicção, não apenas pelo que as testemunhas disseram em tribunal e pelos documentos juntos aos autos, conjugados com a experiência comum, mas em grande medida pelas declarações, sem dúvida teatrais do autor, que deveria ter prestado um depoimento de parte aos factos a que foi indicado e acabou por ser ele a “testemunha do processo”, fazendo um depoimento sobre toda a matéria e sendo tal depoimento considerado como elemento de prova para factos invocados pelo próprio autor.

3) Por diversas vezes o réu protestou contra essa situação, por iguais vezes o julgador, no seu ius imperium, considerou que poderia validar e considerar o depoimento do próprio autor como elemento de prova para toda a acção. O que na realidade fez.

4) O tribunal deu como provados o quesito 9º e o quesito 27º tendo em conta o depoimento do autor. É sabido que o depoimento de parte, serve em exclusivo para obter a confissão de factos que são do conhecimento pessoal do depoente e que lhe possam ser desfavoráveis. Nunca, mas nunca, o depoimento de parte pode servir para prova de factos invocados pela parte. Na verdade, a versão de cada parte já é conhecida do tribunal, não faz nenhum sentido que o próprio possa depor em seu favor.

5) Estamos assim perante uma violação grosseira dos princípios de produção da prova - cfr. artºs 352, 552/1 e 554/1 todos do CPC. Neste sentido tem sido a esmagadora a jurisprudência dos tribunais, cita-se a título meramente exemplificativo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09.06.2010, Proc. 351/09 (in Jusnet 8090/2010) Relator Mata Ribeiro.

6) Resulta da dinâmica dos factos, provados no tribunal de 1ª Instância e confirmados no Supremo Tribunal Militar que: q) No dia 15.09.1991, cerca das 20 horas, o autor telefonou para o restaurante onde trabalhava a sua ex-mulher C……………., dizendo-lhe que pretendia ter uma conversa com esta; r) Depois de desligar, a C……………… começou a chorar dizendo que o ex-marido, o aqui Autor, a queria matar; s) O patrão da C……………, pediu então a outra colega que se dirigisse ao posto da GNR do …………. a fim de pedir auxílio; t) No percurso, encontrou os militares, D……………. e o aqui réu, e como já conhecia aquele, contou o que se passava e pediu auxílio; u) Cerca das 22 horas, o aqui réu acompanhado do seu colega D…………….. e da C……………., abandonaram o restaurante, percorridos alguns metros na via pública, apareceu o aqui autor, que empunhava uma pistola e que caminhava na sua direcção; v) Enquanto o colega D…………….. protegia uma das senhoras, o aqui réu, identificando-se como elemento da GNR, disse ao aqui autor para baixar a arma, ao que este não obedeceu; w) Perante tal facto, o aqui réu encaminhou-se na sua direcção, sempre dizendo para o aqui autor baixar a arma e, como ele a não baixasse, ao chegar junto dele, agarrou-lhe o braço que a empunhava e levantou-o; x) Acto contínuo, o autor começou a agredir o réu, com o braço esquerdo na face e a desferir-lhe caneladas; y) O réu para se defender sentiu-se na necessidade de lhe desferir uma joelhada no baixo ventre, ao mesmo tempo que lhe torcia o braço armado; z) Ambos acabaram por cair no solo e nele rebolaram, tendo o autor embatido contra uma parede, acabando o réu por ficar em cima dele; aa) Imobilizado o autor foi então possível proceder à sua detenção; bb) No interior das instalações da GNR, como o autor se mostrasse fortemente excitado, gritando e gesticulando, o colega D………………, com vista a sua aquietação, tentou imobilizá-lo; cc) Momentos após e persistindo o autor no estado de excitação, o réu que também apresentava um estado de alguma exaltação desferiu-lhe socos, pontapés e pancadas com objecto que não foi possível apurar; dd) Tais agressões foram perpetradas em todo o corpo do autor; ee) A arma empunhada pelo autor era de calibre 6,35 mm e continha oito munições; ff) O Autor antes da data dos factos tinha a pirâmide nasal desviada para a esquerda.

7) O aqui réu foi então acusado de crime de violência desnecessária, p. e p. pelo artigo 88º CJM - crime este punido com pena de prisão de seis meses a dois anos; crime do qual veio a ser absolvido, por se considerar que o autor agiu em legítima defesa. Foi então o réu condenado pelo crime de rigor ilegítimo, p. e p. pelos artºs 94º e 95º do CJM - crime este punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos; crime do qual o réu foi condenado no mínimo legal.

8) A sentença recorrida considera no quesito 2º que ficou provado que no interior do Posto da GNR de ………….., e como consequência dos socos, pontapés e pancadas que aí foram deferidos contra o autor, as mesmas lhe causaram todos os danos corporais que constam do acórdão do Supremo Tribunal Militar. Esta interpretação é errada e abusiva. E para justificar esta decisão o tribunal acrescenta que o Cabo da GNR, E………………, de plantão nessa noite, disse que o A. quando entrou no posto “não trazia sangue”, não se tendo apercebido de nada de anormal. É absolutamente grosseira a justificação.

9) Se atentarmos no único elemento de prova que o tribunal dispõe, qual seja o texto do acórdão do STM, facilmente nos apercebemos que as consequências físicas de que o autor padeceu, não foram consequência directa e necessária dos acontecimentos registados no interior do posto da GNR, mas sim como consequências «das condutas atrás referidas» (sic). As condutas atrás referidas reportam-se também à luta no exterior do estabelecimento e em consequência do facto de o autor empunhar uma arma, carregada com oito munições, na direção do réu e de terceiros e de este não baixar a arma e de em consequência este ter agredido o réu. Seguiu-se uma luta corpo a corpo, ambos caíram no solo e rebolaram, o autor embateu contra uma parede e ficou no chão por debaixo do réu.

10) Não terão sido estas condutas muito mais idóneas a produzir tais lesões? Cabia ao autor provar que foram os socos, pontapés e pancadas que sofreu no interior do posto da GNR que foram idóneas a produzir as lesões e não a pancadaria e a luta travada entre ambos em plena via pública, da qual o réu foi absolvido por se considerar que agiu em legítima defesa.

11) Sem ser apurado o nexo causal, não é possível condenar o réu e cabia ao autor fazer essa prova, que não fez. Razão pela qual a interpretação que o tribunal a quo faz do acórdão do STM para estabelecer o nexo causal entre a conduta imputada ao réu e as consequências físicas de que o autor ficou a padecer estão inquinadas. Deve assim ser alterada a resposta ao quesito segundo, devendo este quesito ser dado como não provado.

12) A resposta dada ao quesito 6º é também ela contrária ao facto que ficou provado pelo acórdão do STM. E não pode valer como fundamentação para prova deste facto, dizer-se tão só, doc. de fls. 31 e 34 conjugado com o depoimento prestado pelo Dr. F……………….. É que perante a evidência de se afirmar no acórdão do STM que «O autor antes da data dos factos tinha a pirâmide nasal desviada para a esquerda», como é possível 20 anos depois vir o tribunal a quo, sem qualquer fundamentação, considerar que a intervenção cirúrgica ocorrida em 27.04.1992 visou a correcção dos desvios da pirâmide e septo nasais resultantes das lesões provocadas pelo réu no dia 15.09.1991.

13) Mais uma vez andou mal o julgador ao dar como provada a resposta que deu ao quesito 6º, pelo que deve o mesmo ser dado como não provado.

14) Mas se atentarmos com algum cuidado, constatamos que a resposta dada aos quesitos 2º e 6º ultrapassa em muito o quesito formulado. A resposta dada pelo tribunal não teve como propósito dar uma resposta mais precisa a nenhum dos quesitos. O único propósito do tribunal foi alterar toda a redacção de ambos os quesitos de forma a poder estabelecer o nexo de causalidade. É no mínimo incorrecto que tal aconteça. É uma deslealdade processual para com as partes.

15) Quanto ao quesito 9º, a resposta a este facto apenas pode ser a de não provado, desde logo porque a fundamentação para este quesito está toda ela inquinada. Primeiro o facto de o tribunal fundamentar a sua resposta com o depoimento do próprio autor, quando este não foi, nem poderia ser, indicado a tal matéria. Depois, porque o depoimento do filho, que é claramente um depoimento comprometido, o seu depoimento encontra-se gravado em registo magnético: voltas 013915 a 021012.

16) Resulta do depoimento desta testemunha que, à data dos factos, vivia com a mãe, ex-mulher do autor, e que não mantinha com o autor qualquer tipo de relacionamento. Resulta do referido depoimento e consta também na fundamentação da resposta à matéria de facto que a testemunha apenas começou a conviver com o autor 3 a 4 anos após os factos.

Pergunta-se, neste quadro, como se justifica a resposta dada pelo tribunal a este quesito, que se reporta todo ele às eventuais dores e impedimentos de fazer uma vida normal, que terá durante, na alegação do autor, cerca de quatro meses (dois meses e meio após a agressão e cerca de três semanas em virtude da operação). Atente-se que a operação em causa, acontece no ano seguinte aos factos, ou seja...

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