Acórdão nº 0991/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução12 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: RELATÓRIO A………………. intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (doravante TAC), acção administrativa especial, contra a FEDERAÇÃO DE CAMPISMO E MONTANHISMO DE PORTUGAL, pedindo: 1) A declaração de perda de estatuto de utilidade pública desportiva da Entidade Demandada que lhe fora conferido pelo despacho n.º 28/96, do Primeiro-Ministro; 2) A declaração de inexistência do acto administrativo de 24.08.2005 praticado pela Direcção da Entidade Demandada, relativa à decisão de expulsão da Autora; e, subsidiariamente, 3) A declaração de nulidade, ou a anulação, do mesmo acto de 24/08/2005.

A acção foi julgada procedente e, em consequência, declarada a perda da utilidade pública desportiva da Entidade Demandada e a inexistência do aludido acto de 24/08/2005.

Decisão que o TCAS confirmou, negando provimento ao recurso interposto pela Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal.

É contra esta decisão que, a coberto do disposto no art.º 150.º do CPTA, vem o presente recurso, interposto pela referida Federação que, na sua alegação, formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso deverá ser admitido pois é imprescindível a intervenção do STA no sentido da fixação, para o futuro, do sentido interpretativo da seguinte questão jurídica: Face ao disposto no art. 17.° do DL n.º 144/93 na sua versão originária e à actuação posterior da entidade com competência para a atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, é de concluir que esse estatuto cessou ope legis e que a Recorrente não é já detentora desse estatuto? 2. Tal questão afigura-se de primordial importância e relevância já que a Recorrente tem exercido prerrogativas de autoridade pública desde a prolação do Despacho 28/96, de 6/03, que lhe concedeu o estatuto de utilidade pública, (i) actuando ininterruptamente no exercício dos poderes públicos, (ii) tendo sido sempre reconhecida por todas as autoridades que tutelam o desporto em Portugal, como a única federação que dispõe do estatuto de utilidade pública desportiva em relação às modalidades desportivas abrangidas no seu estatuto; (iii) tendo o legislador atribuído especificamente, à Recorrente, poderes públicos que só se compatibilizam com a detenção do estatuto de utilidade pública desportiva, sendo de prever que a controvérsia se expanda para além do caso individual dos presentes autos.

  1. Afigura-se essencial a intervenção do STA em ordem a uma melhor aplicação do direito, logrando-se um resultado interpretativo uniforme, já que sobre a mesma questão de direito, verificam-se divergências na 1.ª instância, tendo sido proferidas duas sentenças no sentido de que a Recorrente detém estatuto de utilidade pública desportiva e uma sentença - proferida nos presentes autos - no sentido da cessação de tal estatuto pela Recorrente por efeito do decurso do prazo estabelecido no art. 17º n.º 2 do DL n.º 144/93, de 26/04.

  2. E, também sobre a mesma questão, foram proferidos dois acórdãos do Tribunal Central Administrativo em sentidos contrários.

  3. A prossecução do interesse público e as razões de certeza e segurança jurídica militam a favor da interpretação do disposto no art. 17.º n.º 2 do DL no sentido segundo o qual a extinção do estatuto de utilidade pública depende de prévia verificação e declaração por parte da administração, a que se deverá seguir acto de publicação da cessação do estatuto.

  4. Com efeito, é à Administração, vinculada à prossecução do interesse público, que cabe, em função dos concretos contornos da situação, avaliar se deve haver ou não lugar à reabilitação do direito.

  5. Atendendo (i) à vinculação da Administração à prossecução do interesse público, (ii) à dependência da cessação do estatuto de utilidade pública da verificação da situação de incumprimento das regras de organização e do decurso do prazo (iii) à insegurança jurídica resultante da incerteza sobre a extinção ou não do estatuto de utilidade pública desportiva - com as graves consequências daí advenientes para a entidade beneficiária e para terceiros - mal se compreenderia que o legislador tivesse pretendido consagrar um caso de caducidade a operar automaticamente por força da lei.

  6. O acórdão recorrido, ao interpretar o disposto no art. 17.° n.º 2 do DL 144/93 no sentido segundo o qual, na data de preclusão do prazo, cessou automaticamente o estatuto de utilidade pública desportiva de que beneficiava a Recorrente, violou a referida norma legal e o art. 9.º n.º 3 do C.C.

  7. Com efeito a considerar-se que o prazo estabelecido no art. 17.º, nº2, consubstancia um prazo de caducidade a operar ope legis, violadas seriam as finalidades do próprio instituto da caducidade: a prossecução do interesse público e as razões de segurança e certeza jurídicas.

  8. Ainda que se entenda que o estatuto de utilidade pública da Recorrente cessou pelo mero decurso do prazo e sem necessidade de qualquer verificação, por parte da entidade competente, dos pressupostos da cessação ou não desse estatuto - o que não se concede - o acórdão recorrido deveria ter interpretado o despacho proferido pelo Primeiro-Ministro em 01.04.1999 como um acto atributivo de tal estatuto.

  9. Dado como provado que “Em 20.04.1999, o Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros expede instrumento com a referência B 02.07 1300 proc. n.º 29/C. 12.1, endereçado ao Presidente da ora Entidade Demandada, com o seguinte teor: «Acuso a recepção do oficio de V Exa. JVCG 166.99, de 99.02.03, e informo que Sua Excelência o Primeiro Ministro, por despacho de 99.04.01, concordou com a Informação dos Serviços Técnico[s] desta Secretaria-Geral, e Autorizou a manutenção do estatuto de utilidade pública sob a nova designação, uma vez que a alteração da denominação não modificou os pressupostos que estiveram na base da declaração de utilidade pública», deveria o acórdão recorrido ter concluído que a entidade com competência para conceder tal estatuto, confirmou, a essa data, a verificação dos pressupostos do reconhecimento à Recorrente do estatuto de utilidade pública desportiva.

  10. Ao não interpretar o despacho mencionado em 11 nesse sentido, o acórdão recorrido, sindica o mérito da opção manifestada pela entidade administrativa legalmente competente para atribuir o estatuto de utilidade pública desportiva, imiscuindo-se naquelas que são as funções próprias da Administração Pública.

  11. Ao concluir pela cessação do estatuto de utilidade pública da Recorrente quando a entidade administrativa competente adoptou comportamento concludente no sentido do reconhecimento da detenção de tal estatuto, o acórdão recorrido substituiu-se à Administração Pública na prossecução do interesse público (art. 266º da CRP), violando o princípio da separação de poderes consagrado no art. 2º da CRP.

  12. A interpretação, pelo Tribunal a quo, do despacho do Primeiro-Ministro datado de 01.04.1999 viola ainda a tutela da confiança, apoiada na boa-fé.

  13. O acórdão recorrido, ao desconsiderar o reconhecimento continuado do estatuto de utilidade pública desportiva da Recorrente quer por parte da Administração, quer pelo próprio legislador - actuação em que a Recorrente fundou a convicção de que era detentora de tal estatuto - , viola o principio da tutela da confiança enquanto corolário do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2º da CRP).

    Nas contra alegações, o recorrido pugna pela não admissão da revista, bem como pela improcedência do recurso interposto pela recorrente.

    O Exm.º Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, notificado para os efeitos do disposto nos arts 146, nº 1, do CPTA, não se pronunciou.

    FUNDAMENTAÇÃO I. MATÉRIA DE FACTO A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: A. Em 10.01.1945, no Diário do Governo n.º 8, II Série, foi nomeada a Comissão Administrativa da Federação Portuguesa de Campismo.

    (Cfr. doc. 3 junto à contestação da Entidade Demandada, a fls. 111-112 dos autos) B. Em 03.03.1945, foram aprovados os Estatutos da Federação Portuguesa de Campismo pelo Despacho da Direcção-geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, publicado no Diário do Governo n.º 56, II Série, de 09.03.1945.

    (Cfr. doc. 4 junto à contestação da Entidade Demandada, a fls. 113-118 dos autos) C. Em 04.01.1967, foram alterados por despacho ministerial os estatutos e a designação da Federação Portuguesa de Campismo, que passou a designar-se Federação Portuguesa de Campismo e Caravanismo, ora Entidade Demandada, sendo tais alterações publicadas por extracto em Diário do Governo, III Série, número 16, de 19.01.1967.

    (Cfr. doc. 5 junto à contestação da Entidade Demandada, a fls. 119-120 dos autos) D. O A………………, ora Autora, foi fundado em 03.04.1986, tendo como objecto social o fomento da prática de actividades ao ar livre, designadamente o montanhismo, a escalada, o pedestrianismo, a marcha e a corrida de orientação. (acordo) E. Em 1986 a ora Autora filiou-se na ora Entidade Demandada. (acordo) F. Por deliberação da Assembleia-Geral da Entidade Demandada, datada de 27.06.1987, foram alterados os respectivos Estatutos e aprovados o Regulamento Interno e o Regulamento das Actividades de Montanha.

    (Cfr. doc. 6 junto à contestação da Entidade Demandada, a fls. 122-142 dos autos) G. De acordo com a redacção resultante da alteração decorrente da deliberação referida em 6), o artigo 1.° dos Estatutos da Entidade Demandada, sob a epígrafe “Definição”, passou a estabelecer o seguinte: «A Federação Portuguesa de Campismo e Caravanismo (F.P.C.C.), constituída em 6/01/1945 com a designação de Federação Portuguesa de Campismo, é o órgão superior do Movimento Campista e Montanheiro Português, na qual se filiam as colectividades que se dedicam à prática do Campismo, Caravanismo, Montanhismo e outras actividades de ar livre inerentes àquelas modalidades.» (idem) H. De acordo com a redacção resultante da alteração decorrente da deliberação referida em 6), o artigo 2.° dos Estatutos da Entidade Demandada, sob...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT