Acórdão nº 01075/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A………… e outros devidamente identificados na petição inicial instauraram acção administrativa comum, com processo ordinário contra a Figueira Grande Turismo EM, B…………, SA, C…………, D………… SA e E…………, tendo sido habilitados por óbito deste, F………… e G…………, todos identificados nos autos, pedindo: - a condenação solidária dos RR no pagamento de uma indemnização que ressarcisse os AA pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados em cada um deles, identificados no ponto no ponto VIII da p.i, acrescida dos juros vincendos; - a condenação solidária dos RR. no pagamento dos valores que vierem a ser pedidos pelo SNS ao 4º Autor pelas intervenções cirúrgicas a que foi submetido.

No essencial, alegaram que a Figueira Grande Turismo EM adjudicou a E………… a realização de um espectáculo piro-musical para as festas da cidade da Figueira da Foz e que no decurso desse espectáculo ocorreu o rebentamento de uma granada que provocou a alteração da trajectória das restantes granadas e uma série de resíduos incandescentes que foram atingir os AA e lhes provocou os danos peticionados.

Por sentença do TAF de Coimbra: a) Os RR. C…………, D………… SA e F………… e G………… e B………… foram absolvidos da instância b) A acção foi julgada parcialmente procedente no tocante à Ré Figueira Grande Turismo EM e, em consequência, esta foi condenada a pagar a cada um dos AA. uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais nos valores a seguir indicados, aos quais acresciam juros legais desde a citação: - A A…………: € 22 776,00; - A H…………: € 19 567, 38; - A I…………: € 10 494,00; - A J…………: € 19 313, 32.

  1. A Ré Figueira Grande Turismo EM foi, ainda, condenada a pagar as cirurgias a que o quarto Autor foi submetido em resultado do acidente.

A Ré Figueira Grande Turismo EM recorreu dessa decisão para o TCA Norte e este, concedendo provimento ao recurso, julgou a acção totalmente improcedente.

Inconformados, os Autores interpuseram a presente revista a qual foi rematada com a formulação das seguintes conclusões: 1.

Intentaram os ora Recorrentes acção administrativa comum contra a Recorrida, a qual foi julgada procedente pelo TAF de Coimbra, sendo a Recorrida condenada, por ter organizado o espectáculo de fogo-de-artifício, para as festas de S. João, na Figueira da Foz, por ter dado ordens no sentido da organização do mesmo, não havendo, por isso, dúvidas de que tinha de responder pelos danos causados, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado, condenando-se a FGT a pagar aos AA. (recorrentes) indemnizações pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como no pagamento das cirurgias a que foi submetido o Autor J…………, nos precisos termos exarados em sentença.

  1. Inconformada com a douta decisão da 1ª instância, recorreu a ora Recorrida FGT para o TCA Norte, alegando apenas matéria de direito (que no art° 8° do DL 48051 não está em causa uma responsabilidade objectiva/risco) tendo o Tribunal a quo proferido acórdão em sentido diverso da 1ª instância, tendo-se pronunciado pela absolvição da ora Recorrida.

  2. Os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo deveria ter condenado a ora Recorrida, nos precisos termos em que fez o Tribunal de 1ª Instância, devendo manter-se a sentença aí proferida.

  3. Não está em causa a matéria dada como provada pelo Tribunal Recorrido na resposta à matéria de facto. O que entendem os Recorrentes é que, com a referida matéria, o Tribunal a quo deveria ter decidido pela condenação da ora Recorrida, fazendo diversa aplicação do direito.

  4. É sabido que no mundo contemporâneo, fortemente tecnológico e industrializado, o desenvolvimento das possibilidades e dos modos de actuação humana multiplicou também os riscos. O risco passa, cada vez mais, a acompanhar a actividade humana. As mudanças provocadas pelos actuais progressos, bem como os riscos que acarretam, reflectiram-se também no âmbito da responsabilidade civil, que passa a ser encarada sob novos ângulos, admitindo-se em casos excepcionais a responsabilidade independente de culpa.

  5. A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas no domínio dos actos de gestão pública foi disciplinada pelo DL n.º 48 051, de 21.11.67, o qual vigorava na altura do sinistro dos presentes autos. Este diploma não se limitou a regular a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas por factos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, admitindo a possibilidade e aplicabilidade da responsabilidade extracontratual pelo risco, de carácter não excepcional, a qual se deverá aplicar no caso dos autos.

  6. Esta modalidade da responsabilidade reside no facto de se considerar um imperativo de justiça que quem retira vantagens de uma actividade deva responder pelos riscos inerentes a essa actividade, o que sucede no caso sub judice.

  7. Relativamente à questão da fundamentação constitucional da responsabilidade pelo risco, apesar de existirem divergências doutrinais, deverá considerar-se que a mesma está prevista na nossa Constituição, uma vez que o artigo 22° da CRP consagra, em termos amplos, um princípio geral da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, podendo dizer-se que, consagra um dever geral do Estado de reparar os danos que a sua actuação provoca.

  8. Todavia, é relativamente indiferente tal discussão, segundo a doutrina maioritária, perante a cláusula do Estado Social de Direito, nos termos do art.° 2° da CRP, pois o Estado não se pode demitir da compensação pelos danos que a sua actividade provoca, caso estes revistam uma intolerabilidade superior à normal, raciocínio que se aplica de forma absoluta ao caso dos autos.

  9. Concluiu-se, assim que, na responsabilidade pelo risco se consagra um “princípio de ressarcimento de todos os danos”, devendo a ora Recorrida, uma vez que organizou e beneficiou do espectáculo piro-musical que causou o sinistro dos autos, ressarcir os lesados/recorrentes por todos os danos sofridos, nos termos exarados na sentença de 1.ª Instância.

  10. Não estando preenchidas as excepções (força maior, culpa do lesado e culpa de terceiro), nos termos expostos no presente recurso, que excluem a responsabilidade administrativa pelo risco, previstas no artigo 8° do DL 48 051, terá necessariamente a Recorrida de ser condenada na presente acção.

  11. Não se admite no caso concreto que se fale num acidente originado por caso fortuito ou de força maior, pois quando assim é falamos dos prejuízos causados por acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis (como inundações, deslizamento de terras, tempestades, terramotos, entre outras), o que não sucede no caso dos autos, uma vez que, trata-se de uma actividade intencionalmente criada, e será previsível que possa acontecer o que de facto aconteceu, tratando-se de materiais explosivos e inflamáveis.

  12. Saliente-se que a actividade em causa nos autos (lançamento de fogo de artificio) é uma actividade controlada pelo homem e todas as operações de montagem e lançamento são efectuadas e controladas manualmente, de forma rudimentar. É por isso do senso comum que se trata de uma actividade extremamente perigosa (por ser produtora de resíduos incandescentes e explosivos) e que se pode descontrolar ao mínimo descuido humano ou ao ínfimo defeito do material.

  13. Conclui-se pois que não estamos perante um caso típico de “força maior” pois é realizável no quadro mental de qualquer homem médio que aquela actividade se possa descontrolar causando diversos tipos de dano, até mesmo danos fatais.

  14. Concordam os Recorrentes com a posição adoptada por Carlos Cadilha, que afirma que quando estamos perante a responsabilidade administrativa emergente do exercício de actividades perigosas, mesmo que a entidade pública tenha logrado elidir a presunção de culpa, não possa evitar uma responsabilização a título de risco, nos termos do artigo 8.º do DL no 48051, de 21 de Novembro de 1967.

  15. O Tribunal Recorrido não levou em consideração as disposições do art.° 2°, 13.º e 22.º da Constituição da República Portuguesa conjugadas com o art.° 8° do DL 48051, de 21.11.67, no sentido da interpretação que admite a existência de responsabilidade civil extracontratual pelo risco, não logrando um enquadramento jurídico correcto das normas que regulam o instituto.

    A Figueira Grande Turismo EM contra alegou finalizando assim o seu discurso alegatório: 1.

    O recurso de revista, a que alude o nº 1, do artigo 150° do CPTA, tem por objectivo possibilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido a sua relevância jurídica ou social ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo que os pressupostos da sua admissibilidade caracterizam a natureza excepcional, não correspondendo a introdução generalizada de uma nova instância de recurso; 2.

    Contudo, os Recorrentes não fundamentam, nem sequer invocam qualquer dos requisitos ínsitos no art.º 150° do CPTA; 3.

    Por consequência, não tendo os Recorrentes demonstrado o preenchimento dos requisitos previstos no art.º 150º do CPTA, não poderá ser admitido o recurso interposto de harmonia com aqueles requisitos legais que se impõem.

  16. No art.º 8.º do Decreto-Lei nº 48051 não está em causa uma responsabilidade objectiva ou pelo risco, ao contrário do entendimento dos Recorrentes; 5.

    Estamos, sim, em pleno domínio da responsabilidade civil extracontratual baseada na culpa; 6.

    Mais concretamente perante responsabilidade subjectiva agravada ou objectiva atenuada, só ficando o lesante exonerado quando tenha adoptado todos os procedimentos idóneos, segundo o estado da ciência e da técnica ao tempo em que actua, para evitar a eclosão dos danos; 7.

    Ficou provado no douto Acórdão recorrido que a Recorrida empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos sofridos pelos Recorrentes; 8.

    O acto causador dos danos não foi provocado pela Recorrida, mas sim por parte de...

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