Acórdão nº 0964/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | CASIMIRO GON |
Data da Resolução | 25 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A…….., SGPS, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 25.º do DL n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), da decisão arbitral proferida em 30/6/2014, no processo n.º 80/2014-T instaurado na sequência de pedido de pronúncia arbitral que por aquela fora também apresentado.
Invoca existência de oposição de acórdãos entre a decisão arbitral e o acórdão proferido pelo STA em 6/7/2011, no processo n.º 0281/11.
1.2. Termina as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes: A. No processo arbitral a questão cuja resposta era (e foi tida como tal) determinante era esta: são os concretos tipos de tributação autónoma em causa (sobre despesas e encargos, dedutíveis elas mesmas) IRC/tributação do rendimento do respectivo sujeito passivo? Isto é, é IRC a tributação autónoma sobre encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custo e similares? O esforço argumentativo da decisão é canalizado para a resposta a esta questão.
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A decisão arbitral recorrida chegou à conclusão de que as tributações autónomas sobre aqueles encargos e despesas seriam IRC (cfr. as suas pp 12 e 18 e toda a análise de permeio).
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Inversamente, o acórdão fundamento transitado em julgado chegou à conclusão de que as tributações autónomas são um imposto distinto do IRC, são impostos indirectos que se limitam a ser liquidados conjuntamente com o IRC e que “em boa verdade (...) poderiam estar inscritas num outro código ou em diploma autónomo”.
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Não há a respeito desta questão diferenças perceptíveis entre o quadro legal vigente em 2008 (ano a que se reporta o acórdão fundamento) e o quadro legal vigente em 2010, 2011 e 2012 (anos a que se reporta a decisão arbitral recorrida).
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Há, pois, oposição da decisão arbitral quanto à mesma questão fundamental de direito com o acórdão (fundamento) do STA de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n° 0281/11 (VALENTE TORRÃO - relator -, DULCE NETO e CASIMIRO GONÇALVES), nos termos e para os efeitos do artigo 25.°, n.° 2, do RJAT.
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A contradição insanável quanto à mesma questão fundamental (são as tributações autónomas IRC?) entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento (e outros dois acórdãos do STA que a título complementar se referenciam), cria uma enorme incerteza jurídica, com repercussões sistemáticas sérias em variados pontos e aspectos do regime do IRC previsto no CIRC.
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Prosseguindo, a decisão arbitral infringiu o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.° do CIRC, na redacção em vigor em 2010, 2011 e 2012 e, bem assim, o disposto nos artigos 1.°, 3.° e (na numeração em vigor em 2010, e até 2013) 23.°, n.º 1, alínea f), do CIRC, ao subsumir no conceito de IRC, a propósito da norma dirigida ao IRC constante da primeira das citadas disposições, as tributações autónomas (sobre despesas e encargos) aqui em causa, i.e., ao qualificar tais tributações autónomas como IRC.
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Para além do acórdão fundamento, concorrem ainda no mesmo sentido (oposto ao da decisão arbitral) de que as tributações autónomas não são IRC, o acórdão do STA de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º 0830/11 (FERNANDA MAÇÃS, relatora, PEDRO DELGADO e FRANCISCO ROTHES) e o acórdão do STA de 12 de Abril de 2012, proferido no processo 077/12 (FERNANDA MAÇÃS, relatora, CASIMIRO GONÇALVES e LINO RIBEIRO).
I. No primeiro estava em causa a norma de transparência fiscal aplicável ao IRC, que certos contribuintes tentaram sustentar aplicar-se também às TA, e com o segundo estava em causa a norma de exclusão do IRC por sujeição ao imposto do jogo, que certos contribuintes tentaram sustentar também se aplicaria às TA (exclusão, também, de tributação em sede de TA). A resposta dos tribunais, a pedido da AT, foi sempre e consistentemente, não, precisamente com base na constatação de que sendo as TA distintas do IRC, não lhes são aplicáveis (sem necessidade de qualquer ressalva) as normas dirigidas ao IRC.
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E assim tinha já sucedido também com a apreciação de questões de retroatividade em que a potencial particular lógica de aplicação ao IRC da proibição constitucional de retroatividade da lei fiscal foi recusada com respeito às TA (cfr. o acórdão fundamento). Precisamente por se tratar de tributo diferente do IRC.
DA LETRA DA LEI K. É inequívoco que as duas normas do CIRC que definem o que é o IRC são o seu artigo 1.° (mais genérico) e o seu artigo 3.°. Quer um quer outro explicam o que é o IRC, sendo absolutamente coincidentes nisto: imposto sobre o lucro/rendimento do respectivo sujeito passivo, em nenhuma alínea constando a base tributável das tributações autónomas aqui em causa (encargos ou despesas de certo tipo) ou de quaisquer outras.
L. E, nota-se, são normas que existem desde o início do IRC, mas que foram objecto de republicação por mais do que uma vez muito depois de existirem já as tributações autónomas (as últimas republicações/reafirmações ocorreram com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro e, quatro anos antes, com o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e nem por isso foram adaptadas para incluir na sua definição de IRC as tributações autónomas: pelo contrário, reafirmaram sempre, nessa ocasião, a definição originária do IRC.
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Por sua vez e em contraste, o artigo 12.° do CIRC na redacção em vigor desde 2002 e, desde 2014, a alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.°-A do CIRC, não têm por missão ou função definir o que é o IRC, donde não terem transformado em IRC, fora do seu âmbito específico (material e temporal) de aplicação, aquilo (as tributações autónomas sobre despesas e encargos) que não é nem nunca o foi, como resulta das normas fundamentais especificamente definidoras do que é o IRC e que constam do respectivo código (cfr. citados artigos 1.° e 3.°).
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E será/seria grave e perigoso para a coerência e racionalidade do sistema fiscal e, consequentemente, para quem zela (ou deve zelar) por ele, se assim não for/fosse: se, conforme pretendido pela decisão arbitral, a definição de IRC constante dos artigos 1.° e 3.° do CIRC estiver realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral, então as implicações sistemáticas a retirar daí são mais do que muitas e todas contrárias à prática que vem sendo seguida desde sempre pacificamente por AT e contribuintes: cfr. o tema das isenções em IRC; cfr. o tema da dedução às tributações autónomas de créditos fiscais em IRC (créditos ao investimento; por dupla tributação internacional; etc.); cfr. o tema da dedução às tributações autónomas do pagamento especial por conta; etc.
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Acresce que o STA, no supra citado acórdão de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º 0830/11, por referência a factos respeitantes a 1996, i.e., anteriores à actual redacção do artigo 12.° do CIRC (em vigor desde 2002, tendo sido introduzida pelo artigo 32° da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), viu na expressão IRC, aí então (1996) exclusivamente utilizada, algo que não abrangia as tributações autónomas.
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Donde a conclusão segura de que a alteração legislativa de 2014 consubstanciada na redacção dada à alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.°-A do CIRC (anterior artigo 45.°) tem carácter inovatório e, consequentemente, só pode aplicar-se daí em diante. Donde ainda a necessária conclusão de que padece de inconstitucionalidade, por violação do artigo 103.°, n.º 3, da Constituição (proibição de retroactividade da lei fiscal), e por violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (cfr. artigo 2° da Constituição), Q. a interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.°-A do CIRC, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, no sentido de que a equiparação aí efectuada das tributações autónomas ao IRC, se aplicaria a exercícios fiscais anteriores a 2014, por ter, alegadamente, natureza materialmente interpretativa da norma anterior que substituiu (a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.° do CIRC, e anteriormente a 2010, artigo 42.°) e que não fazia tal equiparação.
DOS ARGUMENTOS CONCEPTUAIS E ERROS DE ANÁLISE DA DECISÃO ARBITRAL R. Vai pura e simplesmente longe de mais a decisão arbitral quando defende que as TA sobre despesas e encargos dedutíveis seriam ainda IRC por visarem compensar a perda de receita em IRC com a dedução aí de tais encargos e despesas (cfr. quarto parágrafo da p. 17 da decisão arbitral): toda a tributação indirecta, sobre consumos e despesas que "reduzem" o lucro tributável (melhor dizendo, concorrem para o seu apuramento), poderá com esta malha conceptual larguíssima ser então vista como IRC, como uma forma, ainda, de tributação do lucro tributável.
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O erro de análise, aliás, começa ainda mais a montante: "permite-se que o sujeito passivo deduza a despesa [que constitui a base tributável da tributação autónoma]"? Ou as despesas são deduzidas porque lucro (cuja tributação é o objectivo do IRC) é justamente a receita subtraída da despesa? "[R]eceita fiscal perdida com a dedução da despesa"?] Ou receita fiscal indevida em sede de IRC na medida em que justamente a tributação do lucro pressupõe que se leve em consideração as despesas? Isto não é uma mera questão de semântica e diz muito do espírito da decisão arbitral recorrida.
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E é crível que a função das tributações autónomas possa ser a de desincentivar certas despesas? Nesse caso porque não se optou simplesmente por impedir a dedução fiscal da própria despesa? U. Admitindo, ainda assim, a benefício de raciocínio, que aquela pudesse ser a sua função, de que modo isso as tornaria em IRC? E já agora, porque razão não haveria de ser esse também o objectivo (desincentivar despesas que objectivamente reduzem o rendimento e o IRC) de tantos outros impostos sobre a despesa (IVA, IMT, imposto do selo em várias verbas, imposto sobre veículos. Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, etc.), alguns dos quais, estes...
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