Acórdão nº 013/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução20 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório -1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 2 de Setembro de 2014, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por A………….. e B……………., do indeferimento parcial do recurso hierárquico tendo por objecto o acto de liquidação de IRS do ano de 2010, anulando-o na parte impugnada e condenando a Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios em razão do pagamento de imposto superior ao devido.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: i.

Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………. e B…………., casados, com os contribuintes n.ºs …………. e …………, respectivamente, contra o Despacho que deferiu parcialmente o recurso hierárquico, interposto na sequência da decisão que negou provimento à reclamação graciosa, apresentada contra a liquidação n.º 2011 5002912994, referente ao IRS de 2010, na parte relativa ao imposto liquidado a título de tributações autónomas, e da qual resultou o valor a pagar de €478.657,56.

ii.

A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice.

Vejamos, iii.

Na sequência da apresentação da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, foi emitida a liquidação n.º 2011 5002912994, com rendimento global no valor de €288.906,00 e “Imposto relativo a tributações autónomas”, no montante de €478.657,56.

iv.

O montante de imposto a pagar, resultou da AT considerar que as mais-valias realizadas pelos Impugnantes, com a alienação, em Maio de 2010, das acções adquiridas num aumento de capital subscrito pelo contribuinte A, em Novembro de 2002, como rendimento efectivamente sujeito a tributação em sede de IRS e não isento, tendo em consequência apurado o montante de €478.657,56, a título de IRS relativo aos rendimentos da categoria G do ano de 2010.

v.

Neste seguimento veio o Tribunal a quo considerar que “A Adm Fiscal procedeu àquele apuramento do rendimento de mais-valias resultantes da alienação das acções ainda que detidas por mais de um ano e efectuadas antes da entrada em vigor da lei nova, pelo que desrespeitou aquela norma constitucional e proibição da retroactividade no sentido acolhido por este Tribunal.” vi.

Com o devido respeito, depois de todo a subsunção jurídica da douta sentença a favor da manutenção do acto tributário controvertido, não podemos concordar com tal consideração.

Continuando, vii.

Dispunha o Código do IRS, no seu artigo 10.º (na redacção conferida pelo DL n.º 228/2002, de 31 de Outubro), sob a epígrafe “Mais-Valias”, que: “2.

Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de: c) acções detdas pelo seu titular durante mais de 12 meses; d) …” viii.

Esta situação de exclusão da tributação, das mais-valias provenientes da alienação de acções detidas por período superior a 12 meses, vinha sendo, no entanto, desde há muito e por muitos criticada, designadamente, no que ela atenta contra o princípio da equidade do próprio sistema de tributação do rendimento, mas sobretudo, porque põe em causa os princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal entre os cidadãos, uma vez que deixa de fora da tributação inequívocas manifestações de riqueza, tendo por isso uma natureza conflituante com a justa distribuição dos encargos tributários.

ix.

Neste sentido, e como já foi referido o relatório do grupo de trabalho para o estudo da política fiscal, de 3/10/2009, (criado pelo despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 2052/2009, de 8 de Janeiro, DR, II Série, n.º 10, de 15 de Fevereiro), nas suas páginas 195 e 196.

x.

O que veio a suceder através da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho – veja-se, o seu artigo 2.º, sobre a epígrafe “Revogação de disposições no âmbito do Código do IRS”: “são revogados os n.ºs 2 e 12 do artigo 10.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.”.

xi.

A questão surge, essencialmente, dada a tardia entrada em vigor do referido Diploma Legal (27 de Julho de 2010) o que suscitou considerações sobre a eventual retroactividade da medida relativamente a acções alienadas antes da sua entrada em vigor, tendo em conta que o legislador não consagrou nenhuma norma de direito transitório.

xii.

Neste contexto, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, de 03/03/2010 e a demais jurisprudência constitucional, no mesmo citada, podem auxiliar na tarefa de traçar a distinção entre retroatividade e retrospetividade ou retroatividade inautêntica, ou imprópria ao referir que “Decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal desfavorável (não se entrando aqui na questão de saber se normas fiscais favoráveis podem, e em que medida, ser retroactivas) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão “retroactividade” usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável. (…) xiii.

E que “A retroactividade proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é a retroactividade própria ou autêntica. Ou seja, proibe-se a retroactividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova)…» (negrito e sublinhado nosso) xiv.

Ou seja, o legislador ao não consagrar, na Lei n.º 15/2010, de 26/07, nenhuma norma de direito transitório que salvaguardasse a tributação de factos tributários em formação quis, expressamente, que as situações de realização de mais-valias durante o ano de 2010, das quais resultasse um saldo positivo, fosse sujeito a tributação efectiva, independentemente da data da sua realização.

xv.

E como vem sendo defendido pela generalidade da doutrina o facto gerador do imposto verifica-se em 31 de Dezembro de cada ano, só assim se compreendendo o carácter unitário e global da tributação do rendimento, muito embora haja um recorte analítico das várias categorias de rendimento de acordo com a sua fonte.

xvi.

Pelo que, no caso sub judice sempre diremos que apesar do recorte analítico que se faça aos rendimentos que deram origem à liquidação em causa nos presentes autos, só uma interpretação muito literal das normas do código do IRS, relativas à tributação das mais-valias, pode levar que se considere que o facto gerador neste tipo de rendimentos se dá com a alienação dos bens ou direitos que lhe deram origem.

xvii.

O facto gerador não é sequer o ganho resultante da alienação mas o saldo positivo apurado em determinado período de tributação entre as mais e as menos-valias realizadas. (Cfr artigo 72.º, n.º 4, do CIRS) xviii.

Ou seja, o facto gerador do imposto não pode ocorrer no momento da alienação das acções de forma a ser considerado um facto instantâneo, mas antes se apresenta como um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano.

xix.

Ora, uma vez que no momento da alienação das acções sub judice não se produziram todos os efeitos, o facto tributário não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, continuando a formar-se na vigência da lei nova, vindo a completar-se apenas quando esta já lhe é aplicável.

xx.

Só no final do ano se poderá, pois, falar de um facto tributário completo ou perfeito, já que só nessa altura se apurará o saldo entre as mais e as menos-valias...

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