Acórdão nº 0609/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução27 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A……………., SGPS, SA., inconformada, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 24/02/2014, que julgou parcialmente procedente a impugnação que havia deduzido contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 1999.

Concluiu as suas alegações nos seguintes termos: (i) O presente recurso, circunscreve-se ao segmento da sentença que manteve na ordem jurídica o acto impugnado na parte correspondente às correções ao resultado fiscal do GRUPO A………….., no valor global de € 12.040.279,77, correspondente a 40% do aumento das reintegrações resultante de reavaliação do ativo imobilizado vendido intragrupo; (ii) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto aos pressupostos de direito de que dependiam as correções realizadas, pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida neste segmento, devendo também ser anulado o ato de liquidação na parte que reflete tais correções.

(iii) Com efeito, as correções mantidas pelo Tribunal a quo assentam no errado pressuposto de que "o valor a considerar para efeitos do apuramento do resultado fiscal do grupo no exercício em análise, referente ao acréscimo de 40% do aumento das reintegrações resultante das reavaliações, dos bens transacionados no exercício de 1996 [em 1997 e em 1999], é o que estava obrigada a sociedade alienante", por força do disposto no Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro; (iv) Porém, o artigo 59.º do Código do IRC não traduz um regime de neutralidade fiscal assente no princípio da continuidade e, por isso, não impunha a manutenção do estatuto fiscal desses bens após a sua transmissão a outra entidade do grupo.

(v) A conclusão a que chegou o Tribunal a quo assenta, portanto, numa errada compreensão de toda a argumentação que a RECORRENTE esgrimiu na sua p.i.

(vi) De facto, a RECORRENTE não defendeu que por força do n.º 2 do artigo 16.° do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro (diploma que aprovou o Código do IRC), se aplica ao caso em apreço o n.º 2 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de dezembro e não o artigo 59.° do Código do IRC.

(vii) Pelo contrário, ao longo da p.i., o que a RECORRENTE refere expressamente é que é precisamente pelo facto de não ser aplicável o referido n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de dezembro, que não podia a Administração tributária proceder às correções que realizou (cf. nomeadamente o que consta dos artigos 54.º, 56.º, 58.° a 61.°, 74.°, 83.° e 85.° da p.i.).

(viii) No que respeita às amortizações ou às reintegrações resultantes das reavaliações efetuadas em momento anterior ao da transmissão intragrupo dos elementos do ativo imobilizado, nem o regime previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de dezembro, é aplicável às situações constituídas de acordo com o artigo 59.º do Código do IRC, nem o regime previsto nos artigos 59.° a 60.° do Código do IRC determina a manutenção do estatuto fiscal dos bens transmitidos; (ix) De facto, embora o regime da tributação dos grupos de sociedades, introduzido em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de dezembro, determinasse que "as reintegrações e amortizações dos elementos ou valores transmitidos são calculadas como se não tivesse havido transmissão entre as sociedades do grupo" e que "As mais-valias ou menos-valias correspondentes aos mesmos elementos, quando se verifique a sua posterior transmissão e haja lugar a imposto, são calculadas como se não tivesse havido transmissão entre as sociedades do grupo" (cf. artigo 6.°, n.º 2: alíneas a) e b) desse diploma legal), tal disciplina não foi mantida, nesses exatos termos no regime constante dos artigo 59.° e seguintes do Código do IRC; (x) É que o n.º 1 do artigo 59.º do Código do IRC previa, simplesmente, que o lucro tributável em IRC do grupo de sociedades deveria ser "calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo mediante a consolidação dos balanços e das demonstrações de resultados das sociedades que o integram"; (xi) Por efeito do referido método da consolidação dos balanços e das demonstrações de resultados, "as vendas internas de imobilizado deverão ser corrigidas por forma a se evidenciarem os valores como se essa operação não se tivesse realizado. Por esse motivo, as correcções a efectuar serão: (...) Rectificação do valor de aquisição; (...) Anulação das mais ou menos-valias não realizadas" (cf. ANTÓNIO BORGES, AZEVEDO RODRIGUES e ROGÉRIO RODRIGUES, Elementos de Contabilidade Geral, 19.ª edição, Áreas Ed., p. 1002).

(xii) No respeita às implicações das transmissões intragrupo a solução que se extrai do n.º 1 do artigo 59.º do Código do IRC é idêntica, portanto, à que se encontrava vertida no revogado e acima transcrito artigo 6.º, n.ºs. 1 e 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de dezembro - já que tanto ao abrigo do anterior regime da tributação pelo lucro consolidado como no âmbito da aplicação do regime que lhe sucedeu, os efeitos fiscais das operações intragrupo eram totalmente eliminados.

(xiii) Todavia, se relativamente ao apuramento das mais e menos-valias não existiam diferenças entre ambos os regimes, já o mesmo não sucedia em matéria de amortizações e de reintegrações.

(xiv) Na verdade, o artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de dezembro, exigia que as reintegrações e amortizações dos bens objeto de transmissão intragrupo fossem calculadas como se não tivesse havido transmissão entre as sociedades do grupo. Por isso, na amortização e reintegração desses bens para efeitos fiscais deveria levar-se em linha de conta o respetivo valor líquido contabilístico (princípio da neutralidade) e, bem assim, continuar a aplicar o exato e preciso regime que vinha sendo seguido nestas sociedades (característico do princípio da continuidade).

(xv) Porém, a disciplina prevista no artigo 59.º do Código do IRC já não parece pressupor a aplicação do princípio da continuidade, ou seja, não implicava a manutenção do estatuto fiscal dos bens.

(xvi) Tratando-se de operações intragrupo, as transmissões de bens podem assumir os mais variados fins económicos, uma vez que as empresas que compõem o grupo não têm necessariamente que prosseguir a mesma atividade, não cabendo ao legislador optar por um deles, ou impor ou subentender, ao abrigo de um princípio de neutralidade supostamente assente numa - no caso concreto, errada - ideia de continuidade, uma utilização específica dos mesmos. A perceção destas diferenças terá constituído o motivo que levou o legislador a alterar o regime - de neutralidade fiscal justificado e reforçado por comandos de continuidade - anteriormente aplicável às operações realizadas intragrupo, nos termos previstos no revogado Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de dezembro, e a consagrar, ao invés, um regime de neutralidade justificado e assegurado, única e exclusivamente, pelo método de consolidação de balanços e demonstrações de resultados.

(xvii) De resto, no entender da RECORRENTE, uma interpretação, segundo a qual o artigo 59.° do Código do IRC imporia às sociedades abrangidas pelo Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado uma determinada utilização obrigatória dos bens (atenta a obrigatoriedade de aplicação do mesmo regime fiscal que vinha sendo aplicável na sociedade alienante) contrariaria os mais elementares princípios da liberdade de iniciativa económica, plasmados na Constituição da República Portuguesa, em particular no seu artigo 61.°, o qual, sob a epígrafe de «Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária», consagra, nas palavras de JORGE MIRANDA, “o direito de iniciar uma atividade económica, ( ... ) [bem como o direito] de organização de certos meios de produção para um determinado fim económico" (cf. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotado. Tomo I, Coimbra Editora, p. 620).

(xviii) A eliminação dos resultados no âmbito de operações intragrupo, operada através da consolidação de balanços e de demonstrações de resultados, constitui, em sim mesma, garantia suficiente da plena e correta aplicação do princípio da neutralidade às operações intragrupo, dispensando, deste modo, a convocação do erróneo pressuposto da continuidade. Na verdade, nos casos em que a continuidade é um pressuposto (como sucede com as fusões), o regime de neutralidade tem como efeito a “desconsideração (ou eliminação) das operações", tudo se passando como se a operação não tivesse sido realizada. Diferentemente, nos casos (como o presente) em que a transmissão é alheia à ratio de continuidade, o regime de neutralidade opera apenas a eliminação dos "resultados da operação".

(xix) A transmissão intragrupo dos bens do imobilizado corpóreo não implica a manutenção do estatuto fiscal desses mesmo bens, pelo que os bens reavaliados por uma das empresas do grupo perdem esse seu estatuto - de bens reavaliados -, com a consequente extinção das limitações que lhe estão associadas - v.g. a dos 40% em apreço -, a partir do momento em que sejam adquiridos por outra empresa do grupo, limitando-se o regime de neutralidade previsto no artigo 59.º do Código do IRC a impor que, no apuramento do lucro tributável do grupo, as amortizações sejam determinadas de acordo com o valor pelo qual esses bens se encontravam registados na esfera da sociedade transmitente, ou seja, in concreto, pelo valor resultante da reavaliação efetuada e não, portanto, pelo valor pelo qual esses bens foram adquiridos no âmbito da transmissão intragrupo; (xx) O que significa, portanto, que, no apuramento do respetivo lucro tributável, o GRUPO A………….. não estava obrigado a acrescer 40% do aumento das reintegrações resultante das reavaliações anteriores à data da transmissão intragrupo dos bens, mas, apenas, como efetivamente fez, a acrescer 40% do aumento das reintegrações resultantes da reavaliação feita após 31 de dezembro de 1996, ou seja, a realizada ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 31/98, de 11 de...

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