Acórdão nº 0550/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

“MINISTÉRIO PÚBLICO”, invocando o disposto nos arts. 09.º, n.º 2, 112.º, n.º 2, al. f), 131.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA e 09.º da Lei n.º 107/2001, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa [doravante «TAF/L»] providência cautelar contra “MINISTÉRIO DAS FINANÇAS” [abreviada e doravante «MF»], “SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA” [abreviada e doravante «SEC»], “DIREÇÃO GERAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL” [abreviada e doravante «DGPC»], “A…………, SA”, “B……….., SA” e “C………………”, todos devidamente identificados, peticionando, pela motivação aduzida no requerimento inicial, a intimação (i) do «SEC» “a exercer os poderes de tutela, nomeadamente determinando à Direção-Geral do Património Cultural a abertura do devido procedimento de inventariação e classificação, já impulsionado, nos termos dos artigos 25.º a 30.º da LBPC”; (ii) da «DGPC» “a assegurar e coordenar a instrução do procedimento administrativo de classificação e inventariação das obras de arte de Joan Miró, incluindo a obrigatória audição dos órgãos consultivos competentes (art. 26.º, n.º 3 da LBPC)”; (iii) do «MF» “acionista único da A…………., SA e B………….., SA, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, a exercer os poderes de superintendência e de tutela, através de orientações e instruções no sentido de não serem executadas as anunciadas decisões de venda enquanto não se mostrar produzido despacho ordenando a abertura do referido procedimento, subsequente instrução e decisão, proferida no exercício de poderes vinculados”; (iv) das empresas públicas «A………….., SA» e «B…………, SA» a absterem-se “de colocar no mercado externo as obras de arte em causa enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC”; (v) da «C…………..

» “a abster-se de colocar no mercado as mesmas obras de arte enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC”; e termina no sentido de que “deve ser decretada providência cautelar de intimação dos requeridos a absterem-se de colocar no mercado externo as obras de Miró, que vieram à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das ações do Banco Português de Negócios (BPN) de forma a permitir o cumprimento obrigatório dos requisitos impostos pela LBPC, nomeadamente inventariação e classificação das obras”.

1.2.

O «TAF/L», por decisão de 18.11.2014 [inserta a fls. 1790/1801 dos autos], julgou a presente instância cautelar extinta por inutilidade superveniente da lide.

1.3.

Inconformado, o Requerente cautelar interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [TCA Sul] o qual, por acórdão de 26.02.2015 [fls. 1956/1975], negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA e inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Sul veio o mesmo Requerente interpor o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 1994 e segs.

]: “… 1. Estão em causa questões relacionadas com o património cultural português e lesão de interesses patrimoniais do Estado Português, publicamente suscitadas e referentes à saída do território nacional e colocação para venda em leilão das obras do pintor J. Miró, sem observância do procedimento fixado na LBPC; 2. Impondo-se a intervenção desse mais alto órgão de cúpula da justiça administrativa, face ao erro de julgamento clamoroso do Venerando Tribunal recorrido, com o prejuízo daí decorrente para interesses públicos de muito relevo e para dissipar dúvidas sobre a matéria em apreço e sobre o quadro legal que a regula, bastante complexos, 3. E dada a utilidade prática na apreciação das questões suscitadas, tendo em vista uma boa administração da justiça, e por ser necessária orientação jurídica esclarecedora do STA, devendo o recurso ser admitido, nos termos do art. 150.º do CPTA; 4. Começaremos por dizer, de uma forma simples, salvo o devido respeito, que o douto Acórdão, ora recorrido, ao considerar não padecer o douto despacho/sentença que declarou extinta a instância por inutilidade, de nulidade ou erro de julgamento, deu relevo a uma palavra («enquanto»), constante do pedido do requerente na P.I., 5. Tendo considerado, apenas, uma parte da factualidade apurada no douto despacho/sentença, para concluir pela existência de facto superveniente, determinante da extinção da instância, e olvidando também o objeto do processo; 6. Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão, ora em crise, não teve em conta a factualidade indicada e apurada pelo despacho/sentença, constante das alíneas a), b), c) e d) para concluir como concluiu, nem o objeto do processo tal como foi delimitado pelo MºPº, nem o regime jurídico referente à qualidade, natureza e atribuições dos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º Requeridos; Com efeito, 7. Da conjugação dos factos invocados na P.I. pelo requerente com o pedido por si formulado, resulta que o fim visado com a providência é obstar à saída do país de 85 obras de J. Miró, consideradas de grande valor monetário e de inestimável valor cultural para Portugal, sem terem sido sujeitas a procedimento e decisão previsto e fixado na LBPC para bem cultural em vias de classificação, 8. Procedimento que inclui a instrução, a audição dos órgãos consultivos, a realização da instrução, inventariação, classificação e, também, as formalidades da expedição/exportação (cfr., designadamente, pontos 1.º a 122.º da P.I.); 9. Resulta também, daquela conjugação, que as obras em causa são propriedade do Estado Português (designadamente, pontos 1.º a 19.º da P.I.); 10. E que a realização do procedimento previsto na LBPC, com a necessária instrução, inventariação e classificação, bem como a decisão de expedição/exportação, é necessário porque se trata de obras, suscetíveis de integrar o património cultural Português, por serem portadoras de interesse cultural relevante, para além do valor económico-patrimonial que representam para o Estado Português (pontos 8.º a 39.º da P.I.); 11. Assim como resulta da factualidade invocada na P.I. que as obras em causa foram adjudicadas à R. C…………….. com vista à realização de leilão, tendo tais obras, sido transportadas para Londres, sem guias de transporte e seguros, sem decisão da administração do património cultural sobre a expedição/exportação e sem terem sido sujeitas ao procedimento integral fixado na LBPC (designadamente, pontos 38.º a 75.º da P.I.); 12. Resultando, igualmente, do regime legal aplicável que a Administração do Património Cultural, incluindo o do seu Diretor-Geral, por se tratar de um poder vinculado, têm não só o dever de realizar o procedimento tendente à realização e decisão de tal procedimento previsto na LBPC, como têm o dever de apreciar (e decidir) a observância dos requisitos da expedição/exportação de tais obras, como bens culturais em vias de classificação; 13. Como ainda, têm o dever de tomar as medidas provisórias previstas na LBPC para avaliar do interesse cultural de bens culturais não classificados, nem em vias de classificação (cfr. designadamente, pontos 1.º a 7.º, 33.º a 75.º da P.I.); 14. Daquela conjugação resulta também, que as sociedades A…………., SA e B…………, atento o regime legal que lhes é aplicável, são consideradas entidades públicas, não podendo opor-se à realização e conclusão de todos os trâmites previstos no procedimento fixado na LBPC (designadamente, pontos 8.º a 16.º da P.I.); 15. Por outro lado, também resulta do invocado na P.I. que, para além do valor que as obras poderão ter para o património cultural do Estado, ao qual compete promover a salvaguarda, proteção e valorização do património cultural (artigo 78.º, n.º 2, al. c), e) da CRP e 3.º da LBPC), também têm valor patrimonial, sendo, por isso, o modelo que se pretende aplicar no leilão (venda em bloco) lesivo para os interesses do Estado Português, dado que, a única razão para a operação é a recolha de meios financeiros suplementares (designadamente, pontos 110.º a 115.º da P.I.); 16. Ora, a decisão de extinção da instância baseou-se em facto superveniente, consubstanciado em despachos de arquivamento, liminares, do Senhor Diretor-Geral do Património, cujo fundamento foi o não prosseguimento do procedimento previsto na LBPC, (com a necessária instrução e termos subsequentes), em virtude de as sociedades A………., SA e B……….., SA se terem oposto a que tais obras fossem classificadas, quer como de interesse nacional, quer como de interesse público; 17. Como fundamento do arquivamento - liminar - do procedimento, invocaram os referidos Despachos, o disposto no art. 68.º, n.º 2 al. b) da LBPC, preceito que, como resulta do seu n.º 2, só se aplica «Às importações e admissões de bens culturais promovidas por particulares…»; 18. Tendo em conta, o supra referido e o que foi alegado na P.I., verifica-se que o requerente/MºPº suscitou nesta peça processual, não só questão relativa à propriedade das obras pelo Estado, como também questão referente à ilegitimidade do 4.º e 5.º Requeridos para se oporem à instrução e consequentes termos do procedimento a que se vem aludindo, da LBPC, atento o regime legal aplicável a tais sociedades (entidades públicas adstritas ao cumprimento das funções e deveres que ao Estado estão cometidas, na área cultural pela CRP e LBPC); 19. Todavia, as mesmas não foram resolvidas pelo tribunal, devendo sê-lo, sob pena de violação do disposto no art. 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, al. d), ambos do CPC, sendo certo que até resultavam da matéria considerada apurada pelo douto despacho/sentença, constante das alíneas a)...

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