Acórdão nº 0295/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução24 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A……………., S.A., com sede na Rua …….., nº …………, …………, Guarda, inconformada com a decisão proferida, em 2ª instância, em 20 de Novembro de 2014, no TCAS, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Município de Manteigas e nesta procedência decidiu que a taxa de juros de mora aplicável às facturas dos autos, é a taxa de juros legais e não a taxa de juros comerciais, interpôs o presente recurso.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: «1 O acórdão recorrido, de forma telegráfica e sem fundamentação jurídica relevante, limitou-se a referir que, atendendo ao ponto 7 da cláusula 3ª dos contratos, a legislação aplicável às dívidas do Estado é a Lei nº 3/2010, de 27.04, pelo que, no seu entendimento, os juros de mora a aplicar no caso dos autos são os juros legais – art. 806º, nº 2, e 559º, ambos do CC – e não os comerciais.

ORA, II. O Decreto-Lei nº 121/2000, de 4 de Julho, criou o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do …………. para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios nele mencionados (cfr. art.º 1º), constituiu a sociedade Autora da qual é accionista o aqui Réu (cfr. arts. 3º e 5º, nº 1), aprovou os respectivos estatutos (cfr. art.º 4º, nº 1) que publicou em anexo e adjudicou-lhe o exclusivo da exploração e gestão do sistema, em regime de concessão, pelo período de trinta anos (cfr. art. 6º, nº 1).

  1. A gestão de tais sistemas ficou subordinada aos princípios da prossecução do interesse público, do carácter integrado dos sistemas, da eficiência e da prevalência da gestão empresarial – artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 379/93; IV. A criação dos sistemas multimunicipais tem por objectivo garantir a qualidade e continuidade dos serviços públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos – artigo 4º-A, nº 1, do Decreto-Lei nº 379/93; V. As entidades gestoras de sistemas multimunicipais estão incumbidas, essencialmente, da realização das missões de interesse público de: assegurar, de forma regular, contínua e eficiente, o abastecimento de água e a recolha, tratamento e rejeição de efluentes; controlar, sob a fiscalização das entidades competentes, os parâmetros sanitários da água distribuída e dos efluentes tratados, assim como dos meios receptores em que estes são rejeitados.

  2. As actividades de abastecimento público de água às populações e de saneamento de águas residuais urbanas constituem serviços públicos de carácter estrutural, essenciais ao bem-estar geral, à saúde pública e à segurança colectiva das populações, às actividades económicas e à protecção do ambiente.

  3. As questões em discussão não consistem apenas na análise do estipulado no ponto 7 da cláusula 3 dos contratos e do diploma aplicável às “dívidas do Estado” (Lei nº 3/2010, de 27.4), como sinteticamente decidiu o acórdão recorrido, mas na análise do edifício jurídico complexo do quadro legal das concessões para a exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, bem como na interpretação dos contratos de fornecimento e de recolha celebrados entre Autora e Réu e da legislação aplicável às “dívidas ao Estado” (Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março).

  4. Trata-se, na verdade, de questões que envolvem complexidade jurídica, pela necessidade de concatenar as especialidades do quadro legal das referidas concessões, onde pontifica, por esta ordem, o seguinte: (i) DL 379/93, alterado pelos seguintes diplomas: Lei nº 176/99, de 25 de Outubro, Decreto-Lei nº 439-A/99, de 29 de Outubro, Decreto-Lei nº 14/2002, de 26 de Janeiro, Decreto-Lei nº 103/2003, de 23 de Maio, Decreto-Lei nº 194/2009, de 20 de Agosto, Decreto-Lei nº 195/2009, de 20 de Agosto e Decreto-Lei nº 92/2010, de 26 de Julho (ii) DL 319/94, (iii) DL 162/96, (iv) DL 121/2000, (v) contrato de concessão e (vi) contratos entre as partes deste processo, questões que podem colocar-se em termos problemáticos semelhantes noutros casos, o que justifica que se considere questão de importância fundamental pela sua relevância jurídica.

    DE FACTO, IX. No caso em apreço, não está em causa, apenas, a apreciação do caso individual do Réu, mas uma questão muito mais geral e que se prende com a aplicação da taxa de juros aos utilizadores do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do ……………., uma vez que, de acordo com os artigos 10º e 11º do Decreto-Lei nº 121/2000, de 4 de Julho, o exercício das actividades concedidas à Autora implica a celebração de contratos de fornecimento e recolha com os municípios utilizadores, os quais se encontram obrigados ao pagamento de tarifas pelos fornecimentos e serviços prestados pela Recorrente, sendo o valor dessas tarifas estabelecido nos termos do nº 3 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 121/2000, de 4 de Julho.

  5. Numa interpretação jurídica destituída de fundamentação, o acórdão recorrido poderá suscitar dúvidas na jurisprudência, atenta a decisão fundamentada proferida pelo TAF de Castelo Branco, sobre a possibilidade de a Autora debitar aos utilizadores do Sistema a taxa de juro comercial estabelecida, imperativamente, no Decreto-Lei nº 195/2009, de 20 de Agosto.

  6. Esta questão tem sido suscitada nas acções interpostas pela ora Autora contra os Municípios que integram o referido Sistema multimunicipal, com vista a cobrar os serviços de abastecimento de água e de saneamento que lhes presta, questão que, apesar de não ser sufragada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, continuará, face à decisão do acórdão recorrido, a ser invocada pelos Municípios, pelo que existe a possibilidade de expansão da controvérsia atenta a litigiosidade existente entre a Autora e tais Municípios, daí que seja necessária a intervenção do órgão de cúpula, uma vez que, para além de juridicamente complexa, é, como decorre da sua mera indicação, de importância fundamental pela sua relevância social.

    POR OUTRO LADO, XII. O Tribunal recorrido cometeu um erro ostensivo, palmar e manifesto na aplicação do direito ao ter julgado que o estipulado no ponto 7 da cláusula 3 dos contratos remete para a legislação aplicável às...

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