Acórdão nº 01504/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Setembro de 2015
Magistrado Responsável | ARAGÃO SEIA |
Data da Resolução | 16 de Setembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam os juízes do Pleno da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A…………….. e B………………, com sinais nos autos, inconformados, interpõem recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 25º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 152º do CPTA, da decisão arbitral datada de 03 de Novembro de 2014, por a mesma estar em oposição com o acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 04 de Dezembro de 2013.
Na síntese do seu recurso formularam as seguintes conclusões: A. Vêm os Recorrentes, pelo presente recurso, demonstrar a oposição da decisão arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no âmbito do Proc. n.º 340/2014-T (decisão recorrida) face ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Dezembro de 2013, no âmbito do processo n.º 01582/13 de que foi relatora a Exma. Conselheira Isabel Marques da Silva (acórdão fundamento), bem como os vícios de que padece a decisão recorrida.
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A decisão recorrida e o acórdão fundamento estão em contradição quanto à mesma questão jurídica fundamental, conforme o pressuposto do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT.
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A questão fundamental de direito em oposição consiste na legalidade da tributação, em sede de IRS, das mais-valias resultantes da alienação de acções, detidas há mais de doze meses, realizada antes de 27 de Julho de 2010, data da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, em função da aplicabilidade do disposto naquela lei.
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Em face da aplicação daquela lei nova, urge determinar se se trata de aplicação retroactiva (em sentido próprio), constitucionalmente vedada pelo disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República, ou antes de aplicação retrospectiva (retroactividade em sentido impróprio) permitida.
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A oposição da questão jurídica fundamental parte de idênticos pressupostos de facto, isto é, tudo começa, tanto na situação de facto que preside à decisão recorrida como na situação de facto que subjaz ao acórdão fundamento, com a alienação de acções em momento anterior a 27.07.2010 e o correspondente tratamento fiscal das mais-valias realizadas.
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Existe uma contradição no tratamento jurídico que é conferido a idênticas situações de facto quanto à mesma questão jurídica suscitada, uma vez que o acórdão fundamento decidiu pela ilegalidade da tributação das mais-valias resultantes da venda de acções detidas há mais de 12 meses antes de 27.07.2010 e, por contraposição, a decisão recorrida decidiu pela legalidade da tributação de mais-valias em igual circunstância.
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Demonstrada que ficou a oposição entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, alegou-se e sustentou- se o vício de que padece a decisão recorrida em apreciação do seu mérito.
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Os Recorrentes sustentaram o erro de julgamento de que enferma a decisão recorrida, na medida em que o Tribunal Arbitral fez uma aplicação da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho em desconformidade com o quadro jurídico vigente.
I. A decisão recorrida valida o pressuposto de que o facto tributário inerente à tributação de mais-valias com origem em alienação onerosa de participações sociais constitui um facto continuado, complexo e de formação sucessiva.
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A decisão recorrida conclui que o facto tributário não é constituído pela mais- valia mas antes pelo saldo apurado no final do período de tributação.
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No sentido da recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (encabeçada pelo acórdão), bem como do Centro de Arbitragem Administrativa (decisões arbitrais no âmbito dos processos Nº 25/2011-T, de 10/08/2012 e Nº 135/2013-T, de 18/01/2014), defendeu-se que o facto tributário em questão é de natureza instantânea.
L. Apesar de o elemento temporal do facto tributário ser, no IRS, configurado como duradouro, as mais-valias, enquanto rendimento de factos acidentais (por contraposição ao rendimento-produto resultante da participação numa actividade produtiva) e manifestação do princípio do rendimento-acréscimo, estão sujeitas ao princípio da realização (sem a qual não há tributação dos acréscimos patrimoniais qualificados como mais-valias).
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Neste quadro, o Código do IRS define o facto gerador que constitui mais-valias como sendo a alienação onerosa de partes sociais, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano.
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Coisa diversa é a circunstância de ser tributado o saldo apurado entre as mais e menos-valias, nos termos do artigo 43º do Código do IRS, que corresponde uma mera operação de consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria colectável.
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Esta asserção torna-se tanto mais evidente que, não sendo obrigatória a opção pelo englobamento das mais-valias tributáveis, quando essa opção não é exercida, a mais-valia apurada é sujeita a tributação a uma taxa especial.
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A decisão recorrida, erradamente, erige o momento do cômputo desse saldo a facto tributário para daí extrair a legalidade da aplicação da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
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É este o ponto de partida do dissenso entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento e que determina a contraposição de todo o raciocínio subsequente. É, então, neste ponto de partida que se gerou o erro de julgamento que perpassa depois toda a restante decisão recorrida.
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No entender da decisão recorrida, se o facto tributário ocorre apenas no dia 31 de Dezembro do ano em questão, a aplicação da Lei n.º 15/2010 reveste retroactividade imprópria, portanto, admissível à luz daquilo que vem sendo a interpretação recente do Tribunal Constitucional.
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No entanto, sendo as mais-valias um facto tributário instantâneo e despoletado com a realização, como sucedeu na situação em apreço, a defesa da aplicação retroactiva da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho in casu degenera em retroactividade autêntica, que deve considerar-se ilegal à luz do disposto no artigo 12.º da LGT e violadora das normas constitucionais, em particular o artigo 103.º, n.º 3 da CRP. Foi decidido no acórdão fundamento, que a “A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroactividade autêntica”.
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Se a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho entrou em vigor no dia 27.7.2010 e não previu qualquer disposição especial transitória, não é legítimo assumir que foi intenção do legislador dispor no sentido da aplicação retroactiva da lei, algo que não é, face à situação em causa, possível.
Face ao exposto, deve o presente recurso ser aceite e julgado procedente, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados, revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.
Contra-alegou a Administração Tributária, em sentido contrário, pugnando pela manutenção da decisão arbitral e resumiu as suas razões nas seguintes conclusões:
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Vêm os Recorrentes, A……………. e B………………, inconformados com a douta decisão do Tribunal Arbitral Colectivo proferida a 3 de Novembro de 2014, no âmbito do Processo Arbitral n.° 340/2014-T, recorrer para o pleno do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no n.° 2 do art. 25° do RJAT.
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Com fundamento em oposição da decisão arbitral com acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Dezembro de 2013, no âmbito do processo n.° 01582/13 de que foi relatora a Exma. Conselheira Isabel Marques da Silva.
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Os ora Recorrentes sustentam o presente recurso em erro de julgamento pugnando que o facto tributário em questão é de natureza instantânea, e que a aplicação da Lei 15/2010 a factos anteriores à sua entrada em vigor, se traduz numa aplicação retroactiva da lei, “que deverá ser analisada à luz do artigo 12° da LGT, bem como do art. 103° n° 3 da Constituição da República Portuguesa”.
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Impondo-se “indagar se, principalmente em face da recente tendência jurisprudencial do Tribunal Constitucional, se trata de retroactividade autêntica ou imprópria (retrospectividade)”.
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Quanto aos pressupostos do presente recurso, e atendendo às questões decidendas aqui em causa, no acórdão recorrido e acórdão fundamento, encontra-se verificado o requisito de identidade de questão fundamental de direito.
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Relativamente à pretensa e alegada ilegalidade das liquidações de IRS em causa nos presentes autos, decorrente do facto de ter sido efectuada à luz das normas do Código do IRS, resultantes da Lei n.° 15/2010, de 26 de Julho.
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Em que o legislador revogou a exclusão de tributação das mais-valias resultantes da alienação de participações sociais detidas há mais de 12 meses, sem prever uma norma de direito transitório que salvaguardasse eventuais factos tributários ainda em formação.
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Somos da opinião que daí resulta uma intenção expressa do legislador, que as situações de realização de mais-valias durante o ano de 2010, das quais resultasse um saldo positivo fosse sujeito a tributação efectiva, independentemente da data da sua realização, fossem sujeitas à nova lei.
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Atendendo à decisão recorrida e ao que se disse em supra quanto ao mérito do presente recurso, sublinhe-se as seguintes ideias: - O Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares caracteriza-se por ser um imposto directo e periódico de carácter anual; - O facto gerador não é sequer o ganho resultante da alienação mas o saldo positivo apurado em determinado período de tributação entre as mais e as menos valias realizadas, só está completo no último dia do período de tributação, - E só assim se compreende o carácter unitário e global da tributação do rendimento, sob pena de desvirtuar o carácter anual do imposto e atentar contra o seu carácter unitário, princípio básico e estruturante da Reforma da Tributação do Rendimento levada a cabo pelo legislador em 1989.
- A não ser assim, no limite ocorreriam situações que quem tivesse obtido uma menos-valia até 27 de Julho, também não a pudesse saldar com uma eventual mais-valia obtida posteriormente e dentro do mesmo ano, J) Assim bem andou o acórdão recorrido ao...
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